31 de maio de 2021

Vai dar merda, uma leitura

 

                                                                                                             Foto Luiz Carlos Vaz

Vai dar merda, uma leitura

Luiz Carlos Vaz 

Às vezes, muitas vezes, não lemos prefácios, apresentações, orelhas ou trechos da crítica na contracapa. Pulamos as preliminares e vamos rapidinho ao gozo, digo, ao texto, principalmente quando a pilha de livros para ler - e para reler, passa de um metro. Mas, para não dar merda, li o livro do Schuster desde a capa. Li as dedicatórias, a ficha catalográfica, o nome da editora e até constatei que o livro "começa" na página nove.

Com essa puta merda (ops! estou plagiando...) da Pandemia se estendendo desde fevereiro do ano passado, desaprendi o que é uma mesa de bar, pois para saborear melhor essa merda do Cláudio, será aconselhável estar à mesa de um bar! Bar? Café? Roda de Amigos (com A grande), bate papo? O que é isso?

Encontros, desencontros, namoro, casamento, emprego, filhos, casa, velhice, chuva e sol, esquecimento e morte... e mais todo e qualquer tema das conversas jogadas fora em torno de uma mesa de bar, aquilo que se conversa antes, durante e depois da primeira rodada está no livro. Comecei a ler o livro necessariamente sentado à mesa de um bar virtual. E ele já começa, como dizia minha mãe, com um nome feio na capa! Porra, Nome Feio foi o termo que sucedeu Palavra de Baixo Calão, e que, na evolução do idioma, virou Palavrão. Não sei exatamente porque uma caralhada de sílabas, acolheradas numa palavra, ainda causa desconforto em alguns ouvidos pouco acostumados às variações linguísticas. “Levar seus putos para tomar uma pica no cu”, dito em Portugal, não causa qualquer assombro. Aqui, dependendo do ambiente... poderá gerar até processos!

Mas o objetivo do Cláudio não é chocar e nem chamar à catarse... ele apenas colocou no papel as conversas dele, as conversas de todos nós, as imaginárias e as reais. Mas essas crônicas, por vezes, me lembram do texto da primeira peça de teatro que assisti, lá no século passado, criação do diretor Ronald Radde: Apaga a luz, e faz de conta que estamos bêbados!, onde, fechados num apartamento, um homem e uma mulher, que não possuem nomes, conversam por uma noite inteira, sobre tudo, procurando o sentido das coisas, daquele tempo brutal e burro do final dos anos sessenta...

Mas, como já cantou Vinícius “no entanto é preciso cantar/ mais que nunca é preciso cantar/ é preciso cantar e alegrar a cidade” mas... quem sabe também chocar a cidade e chamá-la à catarse coletiva!

Sobre os desenhos do outro Cláudio, o Duarte... olha! me caiu os pincel do bolso! Então... sigo dizendo:  Mais que um “pandeiro luxuoso”, é a cara do livro. As ilustrações, perfeitamente casadas aos textos, são um luxo só. Me fizeram recordar do cheiro (opa!) das tintas usadas na impressão em rotogravura, muito usada nos livros e publicações ilustradas mais antigas; e lembrei do grande desenhista Flávio Colin, e das ilustrações que ele fazia para as revistas publicadas pela RGE, “As aventuras do Anjo” e “Jerônimo, o herói do sertão”.

Ser velho é uma merda, né? kkkkkkkkk
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Luiz Carlos Vaz e Jornalista, Fotógrafo e Editor deste Blog

13 de maio de 2021

O Idoso Vitruviano

 

                                                                    Foto Maribel Felippe

O Idoso Vitruviano

Luiz Carlos Vaz (*)

Pois então... eu aguentei 43 dias! E não me entreguei pros homi. Mais tempo do que muita gente bagual, que amargou parcos 40 dias, ouvindo promessas, propostas, mas no final se safou!  Eu ouvi de tudo; promessas, propostas, aguentei tentações várias. Até de dizer nome feio, mandar todos longe, e sugerir lugares inapropriados onde poderiam “aplicar” a tal segunda dose. Consultei o Dr Google (que sabe tuuudo!), livros antigos e novos, teses, pesquisas, principalmente da universidade de cincinatti-massachusetts-ohio, e até o Guia de Medicina Homeopática do Dr Nilo Cairo... eu precisava vencer - e me convencer, que a demora não iria mandar tudo prás cucuia.

Então fui tomar a segunda dose da vacina no horário dos jovens velhos, que é depois de sestear... Para comprovar minha tese, soube que por volta das nove da manhã, no estacionamento do draivetru, não cabia mais nem um monociclo...  tomei um banho, me perfumei bem e, como fazem as mulheres, abri o guarda-roupas e bradei em alto e bom som: Eu não tenho mais roupa! Ora, era a minha segunda dose. Era a minha derradeira oportunidade de escrever bobagens e postar uma foto nas redes sociais, até por que, nunca vi alguém postar foto fazendo vacina contra a gripe. Que coisa mais brega!

Já tinha visto na tevê pessoas encasacadas fazendo um verdadeiro strip-tease para mostrar o braço (ora, logo o braço...) e decidi: vou “de camisa de manga curta”! O frio que se foda. Mas... conhecendo bem nosso clima aqui, e o efeito cebola, muito próprio aqui da cidade, imaginei que às duas da tarde todo mundo já ia andar “descascando” e com as roupas grossas no braço. Aí, passando o chilique de “não ter o que vestir para essa ocasião”, achei uma camiseta com a estampa do Homem Vitruviano, do Leonardo, que eu comprei uma vez ali “ao lado da Fontana”... na hora, lembrei do samba do Noel, e decidi: é com essa roupa que eu vou para esse samba.

Depois do batalhão de enfermeiras disputar no tapa a aplicação da minha dose, na hora da foto, uns dez ou quinze cinegrafistas e repórteres me cercaram, e não resisti. Fiz a pose do Homem, digo, do Idoso Vitruviano e lasquei: Este é o verdadeiro Renascimento para a Vida!

Mas... como sempre, a Maribel – que me acorda sempre nas horas mais impróprias dos meus devaneios, disse: Vaz, chega de sestear, te veste, a fila diminuiu, vamos lá!
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Esse desenho de Leonardo Da Vinci atualmente faz parte da coleção da Gallerie dell'Accademia (Galeria da Academia) em Veneza, Itália. É datado de 1490; a técnica é singela: lápis e tinta sobre papel, e mede, os “maiores”  34 × 24 cm do mundo...

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Eu tento me divertir para espairecer. Isso faz parte da minha condição humana. Só lamento que, neste momento quase meio milhão de brasileiros tenham morrido pela falta de vacina. Milhões de pessoas estejam morrendo pela falta de comida. Milhões estejam morrendo na rua, pela falta de moradia digna. E milhões ainda vão morrer pela falta de presente e de futuro. Um míssil Tomahawk, um único missilzinho desses, que é jogado todo dia na cabeça de crianças inocentes, custa a bagatela de 1,59 milhões de dólares. Mas...

(*) Luiz Carlos Vaz é Jornalista, fotógrafo e Editor deste Blog

6 de maio de 2021

Ando assim, meio assim…

                                                                         Fotografia Luiz Carlos Vaz

 

Ando assim, meio assim…


Iris Cordeiro (*)


Ando assim, meio assim…

Sem saber se deixo a janela aberta pro vento entrar ou se prefiro quando a chuva resolve me molhar

Se costuro a renda da minha calcinha ou deixo pra lá…

Se jogo um pingue-pongue ou vou até o jardim colher uma flor cor de sangue

Se tomo um café com meia gota de adoçante ou se bebo um vinho ou um espumante

Ando assim, meio assim…

Sem saber se digo que não ou se digo que sim

Se ponho pilha no meu despertador ou vivo a vida plenamente a qualquer hora que for

Se faço mais uma tatuagem, se vou ao cinema ou se faço uma viagem

Se me lambuzo de sorvete, de calda de pêssego ou me lambuzo de amor

Ando assim, meio assim…

Sem saber se como um bolo, um chocolate ou engulo uma flor

Se beijo os teus olhos ou se te protejo dos temporais

Se trago a lembrança da minha infância ou se recordo dos meus carnavais

Se converso com o moço da biblioteca ou com a menina que brinca de boneca

Ando assim, meio assim…

Sem saber se ficou onde estou ou se corro pra agarrar a felicidade

Se faço versos ou se preparo um café

Se toco a sineta da satisfação ou se mergulho numa decepção

Se coloco o meu escapulário ou se compro uma água de cheiro no boticário

 

Ando assim, meio assim…

Sem saber nada ou quase nada de mim.

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(*) Iris Cordeiro é médica; escreve crônicas, poesias e desabafos. Publica por enquanto nas redes sociais. Por enquanto...

4 de maio de 2021

Nua

 

                                                                                              Foto Luiz Carlos Vaz

Nua

Maria Clara Michels (*)

Despir-me de todas as vestes inúteis até só restar o imprescindível. Descalçar os sapatos até sentir a força da terra, da areia, da relva, da água e da pedra. Livrar-me da pele, da carne, sangue, músculos, nervos, até chegar aos ossos.  Despojar-me da casca e até de folhas, flores ou frutos, restando apenas raiz.  Libertar-me de preconceitos, juízos, de ideias fixas, de subterfúgios, para chegar ao cerne, ao fundo, alcançar a verdade e, com ela, a piedade.

Desligar-me da resignação, da docilidade ou da ferocidade extremas, até alcançar o equilíbrio. Aspirar o ar limpo, a brisa, o cheiro das manhãs e das noites, até que o pulmão seja uno com o mundo natural. Desejar o voo, soltar o velame, liberar a âncora, mergulhar nas nuvens até que o sonho seja coisa real e tangível.

Transformar-me em pedra, flor ou árvore, isolando o supérfluo, o consumo, o que excede, o que é demais. Preservar a beleza natural, a dor pelo outro, a força para a luta, afastando o medo, a dúvida, os anseios pelo impossível, pelo desnecessário, pelo que não é em si mesmo. Nadar contra a corrente, ser aguerrida, forte, pular obstáculos, levantar o estandarte, escalar as montanhas. Não desistir nunca, querer a vida, ansiar pelo tempo, marcar cada dia, viver cada instante que passa.

Deixar-se queimar, incendiar-se, arder, até que tudo seja sentimento, amor, paixão, desejo. Vida. Esvair-se, perder-se, transformar-se. Perdoar e recomeçar.  Atirar-se. Mais vida. Chegar ao limite do reconhecimento, do conhecimento, entender-se e bastar-se.

Entrar. Descobrir. Ficar, permanecer. Amar-se. Dentro. No fundo. No cerne. Nua.

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Maria Clara Michels é jornalista; publicou durante anos suas crônicas nos jornas Diário Popular e Diário da Manhã, em antologias, e atualmente posta nas redes sociais. (Mas tem uma gaveta cheia de escritos inéditos...)