21 de junho de 2021

A inalcançável Estrela

 

 

                                                                                    Antigo Cine América, em foto da internet


Eu o declaro culpado!

Culpado de ser idealista, mau poeta e homem honesto.

E você, como se se declara?

Eu me declaro culpado!

 

  Luiz Carlos Vaz (*)

Aí a minha querida amiga Mirian me acorda às oito e meia da madrugada, com uma mensagem pelo whats, onde aparece uma imagem em tom sépia, como das velhas fotografias, e me pergunta se eu lembro do antigo Cine América. Ainda meio dormindo... (tá, é domingo, estamos em quarentena, está frio, o céu está nublado e cai uma cerração muito densa) ...e meio desperto, antes de responder, viajo para o distante ano de 1975 e me vejo entrando pelas portas do Cine América. Está em cartaz, já no último dia de apresentação, O Homem de La Mancha, com Peter O’Otoole e Sophia Loren... chego a pensar em outras coisas lembrando de Aldenza... mas, recordo claramente que, após uns 30 minutos de projeção, “faltou luz”!

 Educadamente, o lanterninha entrou na sala do Cine América, abriu as portas “de saída” que davam para o hall, e anunciou com a calma necessária: “Senhoras e senhores, tivemos um corte de energia elétrica. A sessão recomeçará tão logo o problema seja resolvido”.

 A plateia, que já estava suficientemente impressionada com a interpretação do Cavaleiro da Triste Figura, esperou tranquila. Naqueles tempos mais civilizados só se comia balas de goma no cinema. Não se era obrigado a assistir um filme respirando o cheiro insuportável de pipoca com aditivos e, o consequente barulho da mastigação frenética de potes e potes de pipoca salgada, doce, com chocolate e com sei mais lá o quê...

 Mas... a “luz” não voltou!

Acabaram-se as balas de goma, acabou o tempo respeitoso de espera; nossos ingressos foram devolvidos, e... era o último dia de apresentação do filme. Não vimos o final da “película” dirigida por Arthur Hiller, com Peter O'Toole, Sophia Loren, Ian Richardson e James Coco, que tivera estreia mundial em 11 de dezembro 1972, mas que chegara aqui um pouco mais tarde.

 Passadas quadro décadas percebi, evidente, que o filme - que recebera a classificação popular de “filme difícil”, na linguagem da época, nunca esteve na programação da Sessão da Tarde, da Tela Quente, do Cine Band... e eu tinha ficado, sim, sem ver o final!

Puxa, que belo insight teve a Mirian naquela madrugada de domingo! Ela nem sabe disso! Saí da cama, arrumei minha armadura, ajeitei meu elmo, empunhei minha lança e fui direto buscar nas “redes” na esperança de encontrar o filme.

E achei!

Não havia um só ruído na rua naquele domingo às nove da madrugada. Nem os cuscos da zona haviam acordado ainda... fiz o mate, me ajeitei na poltrona do “meu Cine América” particular, apertei o play e voltei àquele inverno de 1975! Não consegui, claro, lembrar exatamente em que parte havia se dado o corte de luz, mas pedia que não acontecesse de novo, afinal, o Senado havia aproveitado que a boiada estava passando lá pelo Cerrado, numa tal caçada humana, e aprovara na véspera, com ampla maioria de votos, a “doação” da nossa Eletrobrás, possivelmente aos perigosos comunistas chineses. Aliás, nosso governo adora a China!  Tudo que produzimos aos zilhões de toneladas vai para lá: soza, flango, calne, minélios... Vá que queiram justificar a doação mostrando a “ineficiência” da nossa Estatal que comanda a energia, justo agora, e... eu fique, novamente, sem ver o final.

Fui sendo tomado por forte emoção. Sorte minha que o mate foi me hidratando. Procurei esquecer o que já sabia, não apenas sobre os primeiros 30 minutos do filme, mas sobre Cervantes, sobre Don Quixote e Dulcineia... e mergulhei naquele calabouço da Santa (Santa, hein?) Inquisição junto com o mau poeta e idealista Cervantes.

Assisti comovido as duas horas e doze minutos do espetáculo. Esqueci do ano de 1975. Tomei a mensagem do filme como um recado para os dias de hoje, do nosso inverno de 2021!

E a trilha, marcante na época, não só no filme, mas também na adaptação para o teatro, com algumas variações na letra, ressurgiu na minha memória onde estava guardada, pela metade, há 45 anos!

Sonhar, mas um sonho impossível   Vencer o inimigo cruel   Clamar com a voz da Justiça   Manter da balança o fiel ....   Alcançar a estrela inalcançável ....   Viver com o coração elevado   Tentar sempre alcançar a longínqua   E inalcançável Estrela

        Grato, Mirian! Te devo essa minha alegria dominical. Mesmo que ela tenha 

chegado “às oito e meia da madrugada!”

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(*) Luiz Carlos Vaz é Jornalista Fotógrafo e Editor deste Blog

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