9 de fevereiro de 2022

A História de Abel

 

Foto Inara Veleda Dias


Flávia Schlee Eyler 

Um livro e tanto! Enfrentar os meandros da dona Memória é aceitar o traiçoeiro poder das musas. Em nossa tradição elas são capazes de dizer o presente, o passado e o futuro, mas também são capazes de inventar.

Atravessados pelos mistérios do tempo, os homens, seres dotados de memória, vivem a tensão entre impulso e liberdade, acaso e necessidade, vontade e poder entre outras tantas forças do querer. Construir um mundo para si, é tarefa humana complexa e diversa nas mais distintas culturas. A pauta das possibilidades humanas é inesgotável e as dificuldades também. Assim, sob a chuva que vai chover, o sol que vai nascer e se pôr, as estações que vão se suceder, o dia e a noite que vão se alternar, os vulcões que vão entrar em erupção ou não, criamos mecanismos que possam garantir o mínimo de previsibilidade. Na impermanência das permanências ou vice-versa, há incontáveis formas com as quais seres humanos podem contar.

O caso do processo civilizatório ocidental, com sua crença no progresso, é uma faceta, das mais perversas, da capacidade humana de construir um mundo. Neste caso, um mundo ancorado em crenças e demonstrações que ignoraram qualquer conceito sobre a vida humana que saísse do idealizado. Longe de considerar tal questão, é preciso perceber que, por mais cruel e forte que a dominação ocidental tenha sido, ela jamais conseguiu implantar e controlar a vida humana. Mesmo sob as mais terríveis e violentas condições de sobrevivência, a vida se impôs e é neste sentido que a leitura de História de Abel se mostra, para mim, como benção e possibilidades.

Cada uma das crônicas é um cais em que podemos pedir abrigo e reconhecer com segurança traços comuns no sentido mais humano de um pertencimento compartilhado. Tradições milenares são apanhadas nas redes que arrebanham coletivos. Há rebanhos, cardumes, matilhas, constelações, lonjuras e muitas infâncias embrulhadas em cada cais do grande cais que é a vida escrita por Luiz Carlos Vaz! As fotos e as imaginações são capazes de nos incluir em genealogias rurais, urbanas, vilarejas, aéreas e marítimas. Filiação de sangue, mesa, cama e banho nos confortam em cada cais e realmente a memória ganha o tamanho das musas, de todas elas: Calíope, Clio, Érato, Euterpe, Melpômene, Polímnia, Terpsícore, Talia e Urânia.

Desta forma, o grande Cais de Vaz se desdobra entre as nove musas com poesias erótica, lírica, heroica, cômica e trágica; com a história, a dança e a astronomia.

Uma festa da qual sinto orgulho imenso em participar!

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Flávia Maria Schlee nasceu em Seara (SC), possui graduação em História (PUC-Rio), Mestrado (UFF) e Doutorado em Literatura (PUC-Rio).

Professora e pesquisadora em História Antiga e Medieval (PUC- Rio). Professora e pesquisadora no Mestrado e Doutorado em História Social da Cultura (PUC- Rio), na linha de Teoria e Historiografia. Área de interesse: relações entre linguagem e mundo na escrita literária e poética ocidental em língua portuguesa.

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