2 de junho de 2012

A magia eterna do cinema



Philippe Noiret e o menino Salvatore Cascio

A magia eterna do cinema
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Valacir Marques Gonçalves

Quando morreu o ator Philippe Noiret, talvez muitos não tenham se dado conta de quem se tratava. Para os que gostam de cinema, foi uma perda sentida. Ele atuou no filme “O Carteiro e o Poeta”, que mostrou a vida de Pablo Neruda, e interpretou, entre outros, o inesquecível Alfredo, em outro filme marcante, “Cinema Paradiso”, um clássico que ficou guardado no coração de gente de todas as gerações. Quando recordo esse filme, é impossível não lembrar da influência que o cinema teve na minha vida.

Assisti a filmes desde cedo. Fui daqueles que iam para frente do cinema com a finalidade de trocar “gibis” (revistas juvenis) para assistir, depois, aos filmes de “mocinho e bandido” que marcaram uma época. Durango Kid, Rock Lane, Gene Autry e seu cavalo “Campeão”, Roy Rogers com o “Trigger”, o Zorro e seu amigo Tonto, e tantos outros que enfeitiçavam as  matinées de domingo com as aventuras de justiceiros invencíveis.

Era apenas o começo. Prosseguiu com os filmes nacionais, as famosas “chanchadas” da Atlântida. Os heróis eram outros: a dupla Oscarito e Grande Otelo, Ankito, José Lewgoy, Zezé Macedo, Dercy Gonçalves, Zé Trindade, o casal Cyl Farney e Eliana e o caipira Mazzaropi nos faziam rir com as histórias de um Brasil ingênuo, terno, ainda sem a violência que nos atormenta hoje. Nos rincões do país, víamos o Rio de Janeiro com suas belezas e os grandes cantores que conhecíamos através do rádio.

E os piratas? Eles se enfrentavam em todos os mares, muitos com “pernas de pau, olhos de vidro e caras de mau”, como dizia uma música de sucesso. O capitão Gancho e sua turma participavam de grandes batalhas, nas quais morriam “milhares” de combatentes. Era muito pirata morto, acho que foi por isso que os filmes acabaram - não sobrou ninguém… Nos filmes de “capa e espada”, espadachins duelavam com golpes espetaculares. Durante a semana, fabricávamos espadas com as quais tentávamos copiar a elegância do D’Artagnan e seus companheiros..

Mas surgiu algo sério. Fomos apresentados ao neorealismo italiano. Obras como “Roma, Cidade Aberta”, de Roberto Rosselini, e “Ladrões de Bicicleta”, de Vitório de Sicca, revelaram que o mundo não era feito só de sonhos, de piratas ou de mocinhos. Elas nos mostraram a miséria, a solidão e o sofrimento de maneira clara e sem rodeios. Foi um choque - começávamos a deixar de ser meninos... Quando Nelson Pereira dos Santos, com “Rio, 40 graus”, Glauber Rocha e outros cineastas brasileiros começaram a produzir o “Cinema Novo”, podemos ver onde eles tinham se inspirado.


Depois do choque do neorealismo, foi a vez dos franceses com a  inquietante “Nouvelle Vague”. Vivíamos numa sociedade austera, vigiada. Namoro era coisa séria. Segurar a mão ou dar um beijo na amada era algo batalhado, envolvia muitas estratégias. A “Nouvelle Vague”, liderada por François Truffaut, Jean-Luc Godard e Roger Vadim, entre outros nos “enlouqueceu”. A obra “Et Dieu… Créa La Femme”, ou “E Deus criou a mulher”, foi logo condenada pela “Legião da Decência”, organização ligada a Igreja que não aceitava conteúdos sexuais no cinema. Vadim nos apresentou sua então esposa Brigitte Bardot, que seria a musa de toda uma geração. Os franceses mostravam mulheres desnudas, cenas ardentes, diálogos apimentados - era a glória. Na distante Bagé da minha infância, o difícil era entrar no cinema.  Foi preciso muita conversa e um penoso investimento em dissimulados presentes para o porteiro…

Daí para frente vi muitos outros filmes. Alguns, maravilhosos, com grandes atores e diretores geniais. Marlon Brando e sua inigualável interpretação do Dom Corleone, o chefão da Máfia. Marcello Mastroianni namorando a Gabriela do Jorge Amado. Jack Nicholson, e seu “Estranho no Ninho”. Ingrid Bergman, a enamorada inesquecível do Rick (Humphrey Bogart) de “Casablanca”. O perfeccionista Al Pacino. James Dean e suas “Vidas Amargas”. Jeane Moreau com “Jules e Jim”. Robert De Niro e o motorista neurótico de “Taxi Driver”. Diretores como Elia Kazan, Billy Wilder, John Ford, Martin Scorcese, Francis Ford Coppola e tantos outros.

Mas de todos os filmes a que assisti, “Cinema Paradiso”, de Philippe Noiret, e seu “Alfredo” foi o que mais me marcou. Jamais esquecerei. Tal como acontece no teatro, o filme foi aplaudido de pé por uma platéia emocionada. Alfredo, mostrando ao menino Totó, a magia do cinema com a descoberta de que o padre do lugarejo censurava as cenas de beijos dos filmes foi emocionante. Ele tinha guardado cuidadosamente todas as cenas de beijos que tinham sido cortadas - elas finalmente foram assistidas. Elas nos ensinaram porque o cinema é eterno, porque consegue influenciar tantas vidas…


Valacir Marques Gonçalves
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5 comentários:

Anônimo disse...

O que tem de ser aplaudido de pé é esta ode ao cinema, do tempo em que os efeitos especiais eram o talento de ator, roteiro e direção.
Os exibidores de filmões com 1 milhão de comedores de pipoca discutem a viabilidade
do espectador atender telefone, em plena sessão, então pensei na possibilidade de levar uma churrasqueira na sessão das 10, um fogão para fazer quentão e amendoim, ou uma esteira para correr durante o filme.
O som é ensurdecedor, os tais efeitos arrebentam o tímpano, um barulho a mais ninguém notaria.
Ouvi da Tânia Carvalho (espantada) este comentário, mesmo que tivesse uma regra para o celular, num país em que não se respeita nem sinal vermelho é de pagar para não ver.
Lucro é o que interessa, arte não tem pressa.

abraço

Luiz Carlos Vaz disse...

Ângelo, as tuas sugestões para o "durante a sessão" são bárbaras... realmente só falta o pessoal "acampar" durante o filme. Ficamos sabendo, ouvindo compulsoriamente as conversas pelos celuares, de problemas familiares, traições e transações... Que saudade do cinema sem fogos de artifício, apenas com atores atuando sob a batuta de diretores com d maiúsculo... Citar Cinema Paradiso e Philippe Noiret foi um "golpe baixo" do Valacir... joguei a toalha!

J.L. disse...

Realmente... numa época em que 3D, 'super-heróis', efeitos especiais e remakes fajutos tentam substituir o talento, fico feliz em dizer que vi praticamente toda a lista do Valacir, e mais alguma coisa. Sem a menor dúvida Cinema Paradiso está no topo da minha lista, mas - e forçosamente esquecendo muitos outros - gostaria de citar alguns filmes que, cada um a seu tempo, me fascinaram: "O Falcão Maltês"; "The African Queen"; "O Leão no Inverno"; "Lawrence da Arábia"; "In The Heat of the Nigth"; "2001"... isso para não falar de toda a obra de Visconti, Pasolini, e principalmente Fellini - dele recomendo especialmente os menos conhecidos, como "Ginger e Fred". A lista poderia continuar por páginas, mas não importa: importa é que esses filmes foram feitos e ainda podem ser vistos, sem se ter que ir ao shopping. Recomendo uma visita à locadora mais próxima...

JL

Luiz Carlos Vaz disse...

Como diz o Valacir, o Cinema é uma Magia Eterna... Eu, para aquecer a lista, só acrescento dois: "Reds" e "Nós que nos amávamos tanto"... Claro o Hamilton não vai me perdoar se eu não falar em "Fantasia"... (Alguém aí cite o Chaplin, Luzes da Cidade, por favor... não quero passar de três)

Anônimo disse...

O cronista não deve comentar, mas permitam-me acrescentar três obras primas do Billy Wilder - só três: Quanto Mais Quente Melhor, Se Meu Apartamento Falasse, e O Pecado Mora ao Lado.