Foto: Marcelo Soares |
Estou aqui...
Valacir Marques
Gonçalves
Com o advento da
informática e principalmente da Internet, ler um livro ficou difícil. Eles são
comprados e acabam guardados intactos. Amigos nos presenteiam com obras que
acabam na fila de espera para serem lidos. Olhei minha estante, muitos
continuam ali com cara de súplica… Procurei me aproximar deles, escolhi um com
um carinho especial, reservado a autores especiais, que me ensinam coisas que
precisam ser preservadas.
O uruguaio
Eduardo Galeano é um desses caras, jornalista, poeta e escritor, fala de vários
assuntos, do futebol ao cotidiano. Com clareza e sentimento, revela o sentido
da vida de maneira tocante, com um jeito que emociona. Mostra com histórias
reais, que existem assuntos importantes além do dinheiro e do poder. Ele
mostrou isso com maestria na obra “As veias abertas da América Latina”, onde
relatou a exploração sofrida pelas nações latino-americanas por parte de
impérios que dominam o mundo.
Olhei a estante,
escolhi um do Galeano. Optei pelo “O livro dos abraços” - foi um teste para as
minhas emoções. Perdoem-me, mas preciso dividir com vocês dois momentos: num
deles ele relata:
“O diretor de um hospital de crianças em
Manágua, na véspera de Natal, ficou trabalhando até mais tarde. Os foguetes
espocavam e começavam a iluminar o céu quando ele decidiu ir embora, pois em
casa o esperavam para festejar. Deu uma última passada nas salas, quando sentiu
que passos o seguiam. O mesmo virou e descobriu que um dos doentinhos estava
atrás dele. Era um menino, estava sozinho. Ele reconheceu sua cara marcada pela
morte com olhos que pediam desculpas. Aproximou-se e o menino roçou-o com a
mão:
– Diga – sussurrou ele.
– Diga para alguém que eu estou aqui...” .
Interrompi a
leitura, pois algumas lágrimas duelavam comigo... O nosso egoísmo finge que
histórias como esta não existem, pois elas mostram que apesar das máquinas e
dos computadores nada mudou. Apesar da Internet com suas novidades e
extravagâncias, o mundo continua igual. Os seres humanos continuam com dramas,
perguntas e respostas. Decidi continuar a leitura, mas o Galeano foi
implacável: contou outra história, de outro menino, de um que não conhecia o
mar - o Diego. Disse que seu pai decidiu mostrá-lo viajando em busca dele.
Quando o encontraram era tanta a imensidão que o menino ficou mudo de tanta
beleza. E, quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu:
– Me ajuda a olhar!
Dei um tempo,
resolvi refletir sobre as mensagens. A primeira: aquela que o personagem pede
para dizerem que ele está lá… Que ele ainda não morreu, que precisa de ajuda. A
segunda: que existem coisas tão belas e emocionantes, que precisamos pedir para
nos ajudarem a olhá-las. Fiquei algum tempo pensando na importância de certas
mensagens, no que elas podem nos ajudar. Acho que a função de um intelectual é
instigar, é fazer pensar, mostrar coisas que outros não vêm - ele conseguiu.
Mas uma dúvida me atormenta: por que não percebemos essas coisas sozinhos? Será
que é preciso alguém dizer que existem crianças pobres em hospitais,
sussurrando para avisar que elas estão lá? Será que os nossos olhos não estão
precisando de uma ajuda quando selecionam apenas o que queremos olhar?
Digo a vocês que
me reconciliei com minha estante. Coloquei os livros na ordem que pretendo
lê-los. Os meninos do Galeano me fizeram entender que não podemos viver
afastados da emoção. Não esquecerei que outros meninos precisam de ajuda e que
meus olhos podem pedir auxílio de outros quando a beleza é demais…
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Valacir, que estudou no Estadul, hoje mora em Porto Alegre e publica hoje um Blog
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