4 de agosto de 2013

Estou aqui...

Foto: Marcelo Soares

Estou aqui...
Valacir Marques Gonçalves

Com o advento da informática e principalmente da Internet, ler um livro ficou difícil. Eles são comprados e acabam guardados intactos. Amigos nos presenteiam com obras que acabam na fila de espera para serem lidos. Olhei minha estante, muitos continuam ali com cara de súplica… Procurei me aproximar deles, escolhi um com um carinho especial, reservado a autores especiais, que me ensinam coisas que precisam ser preservadas.

O uruguaio Eduardo Galeano é um desses caras, jornalista, poeta e escritor, fala de vários assuntos, do futebol ao cotidiano. Com clareza e sentimento, revela o sentido da vida de maneira tocante, com um jeito que emociona. Mostra com histórias reais, que existem assuntos importantes além do dinheiro e do poder. Ele mostrou isso com maestria na obra “As veias abertas da América Latina”, onde relatou a exploração sofrida pelas nações latino-americanas por parte de impérios que dominam o mundo.

Olhei a estante, escolhi um do Galeano. Optei pelo “O livro dos abraços” - foi um teste para as minhas emoções. Perdoem-me, mas preciso dividir com vocês dois momentos: num deles ele relata:

“O diretor de um hospital de crianças em Manágua, na véspera de Natal, ficou trabalhando até mais tarde. Os foguetes espocavam e começavam a iluminar o céu quando ele decidiu ir embora, pois em casa o esperavam para festejar. Deu uma última passada nas salas, quando sentiu que passos o seguiam. O mesmo virou e descobriu que um dos doentinhos estava atrás dele. Era um menino, estava sozinho. Ele reconheceu sua cara marcada pela morte com olhos que pediam desculpas. Aproximou-se e o menino roçou-o com a mão:
– Diga – sussurrou ele.
– Diga para alguém que eu estou aqui...” .

Interrompi a leitura, pois algumas lágrimas duelavam comigo... O nosso egoísmo finge que histórias como esta não existem, pois elas mostram que apesar das máquinas e dos computadores nada mudou. Apesar da Internet com suas novidades e extravagâncias, o mundo continua igual. Os seres humanos continuam com dramas, perguntas e respostas. Decidi continuar a leitura, mas o Galeano foi implacável: contou outra história, de outro menino, de um que não conhecia o mar - o Diego. Disse que seu pai decidiu mostrá-lo viajando em busca dele. Quando o encontraram era tanta a imensidão que o menino ficou mudo de tanta beleza. E, quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu:
– Me ajuda a olhar!

Dei um tempo, resolvi refletir sobre as mensagens. A primeira: aquela que o personagem pede para dizerem que ele está lá… Que ele ainda não morreu, que precisa de ajuda. A segunda: que existem coisas tão belas e emocionantes, que precisamos pedir para nos ajudarem a olhá-las. Fiquei algum tempo pensando na importância de certas mensagens, no que elas podem nos ajudar. Acho que a função de um intelectual é instigar, é fazer pensar, mostrar coisas que outros não vêm - ele conseguiu. Mas uma dúvida me atormenta: por que não percebemos essas coisas sozinhos? Será que é preciso alguém dizer que existem crianças pobres em hospitais, sussurrando para avisar que elas estão lá? Será que os nossos olhos não estão precisando de uma ajuda quando selecionam apenas o que queremos olhar?


Digo a vocês que me reconciliei com minha estante. Coloquei os livros na ordem que pretendo lê-los. Os meninos do Galeano me fizeram entender que não podemos viver afastados da emoção. Não esquecerei que outros meninos precisam de ajuda e que meus olhos podem pedir auxílio de outros quando a beleza é demais…
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Valacir, que estudou no Estadul, hoje mora em Porto Alegre e publica hoje um Blog
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