28 de abril de 2010

Dois homens, dois aeroportos

...............A queda de um avião como esse batizou o aeroporto de Bagé

"Em nossa casa, desde que eu me lembro, havia uma "atmosfera aeronáutica". Em nossa casa se respirava aviação. Éramos levados por nosos pais a olhar um avião voando ou fazendo manobras acima da casa e acompanhávamos assuntos e notícias de aviões em conversas de nossos pais com parentes e amigos. No ano de 1950 eu tive o primeiro grande impacto dos comentários e notícias sobre um acidente grave envolvendo um avião. Eu era pequeno, ainda não tinha entrado para a escola, mas já passava olhando os jornais e revistas, apontando o dedo, e fazendo a clássica pergunta “o que está escrito aqui?". Nem mesmo sonhava poder estudar em Bagé, no Auxiliadora, e o Estadual ainda estava apenas latente na cabeça de alguns líderes da cidade. Esse ambiente sombrio eu notei no dia 30 de julho de l950, quando os noticiários que nossos pais escutavam passaram esse dia, e os próximos, só falando de um trágico acidente com um avião no Rio Grande do Sul. Eu fiquei atento ao assunto e entendi o que ocorrera. As rádios, principalmente as de Porto Alegre, passaram a emitir boletins sobre a tragédia a todo momento, e tocavam "música de câmara" (esse termo nunca esqueci) nos intervalos dessas notícias. O acidente ocorrera com um avião de tamanho médio, para cerca de 14 passageiros, um Lockheed Lodestar, prefixo PP-SAA, da empresa SAVAG (Sociedade Anônima Viação Aérea Gaúcha), com sede em Rio Grande, fundada logo após a 2a guerra, aproveitando o estímulo governamental para a expansão do transporte aéreo. O piloto da aeronave, e também um dos proprietários da empresa, era o comandante Gustavo Kraemer. O voo era especial, fazia o percurso de Porto Alegre até São Borja, levando a bordo o Senador Joaquim Pedro Salgado Filho, que já havia sido ministro da recém criada Aeronáutica, desmembrada do Exército, o primeiro ministro que ocupou essa pasta. O senador agora fazia campanha para o governo do estado e se dirigia para São Borja para se encontrar com Getúlio Vargas, também do PTB, que estava em campanha para voltar a presidência da republica pelo voto direto, após o período ditatorial instituído por ele mesmo no chamado Estado Novo (1930-1945). Naqueles tempos de políticas muito agitadas, os encontros entre os próceres dos principais partidos era sempre coisa urgente. Eles não entendiam de meteorologia, e não ligavam para o mau tempo. Se havia um transporte rápido, no caso o avião, eles queriam usar à qualquer hora e em qualquer tempo, mesmo que fosse à noite e com tempestade. E os comandantes desses aviões ficavam entre a cruz do tempo e a espada dos políticos. Acabavam cedendo em voar com tempo ruim. Pois esse voo foi realizado em condições não favoráveis, tendo o piloto sido obrigado a voar baixo em muitos trechos devido às condições atmosféricas. Depois de já ter cumprido três quartos do percurso, bateu em algumas árvores no município de São Francisco de Assis, caindo em uma colina em uma fazenda de um conhecido nosso, logo após o meio dia, sob forte nevoeiro. Todos os 12 ocupantes morreram, incluindo o Comandante Kraemer e o Senador Salgado Filho. Há alguns anos visitei esse local e olhei alguns destroços. Até hoje me impressiona a qualidade do aço utilizado no trem de pouso, exposto à intempérie por décadas, que não apresentava sinais de deterioração. Foi um acidente marcante para o estado do Rio Grande do Sul e para a política de então. A eleição daquele ano foi vencida por outro petebista, Ernesto Dornelles, que assumiu como candidato no lugar do falecido senador Salgado Filho. Getúlio Vargas foi eleito mas não terminaria o mandato, suicidando-se em 24 de agosto de 1954. Em homenagem a esses importantes homens desaparecidos tragicamente no acidente, o aeroporto de Porto Alegre adotou o nome de Salgado Filho e o aeroporto internacional de Bagé passou a se chamar Comandante Gustavo Kraemer."
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Enviado pelo colega
Hamilton Caio
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NOTAS:
1. A empresa SAVAG acabou enfraquecida na disputa de mercado com a VARIG e a Cruzeiro do Sul e encerrou suas atividades em 1966, sendo absorvida por esta última. Por sua vez, pouco tempo depois, a Cruzeiro do Sul foi absorvida pela VARIG.
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2. A agência da SAVAG, em Bagé, ficava na rua General Sampaio, entre a rua Sete de Setembro e o antigo Hotel Brasil, no meio da quadra. O hotel foi demolido e deu lugar ao edifício onde hoje está instalada a agência do Banco do Brasil.

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9 comentários:

Gerson Mendes Corrêa disse...

Para mim esta postagem foi de grande valor, que foi somado ao meu conhecimento histórico e geral, porque só fui nascer em 57, e quando despertei para curiosidade não foi por aí que comecei. Obrigado Hamilton.

Luiz Carlos Vaz disse...

Sobre a história desse trágico acidente há um relato do Sereno Chaise, na página 27 do livro "O diário político de Sereno Chaise: 60 anos de história", que tanscrevo aqui: "A ala moça havia reivindicado que sempre um representante acompanhasse as viagens ao interior. Foi escolhido nesta viagem um jovem advogado chamado Rui Ramos Teixeira. Fiquei como suplente, pois ele não tinha certeza se poderia viajar devido a compromissos profissionais. Naquela manhã de tempo chuvoso, me desloquei ao aeroporto de ônibus, cedo da manhã. O vôo sairia entre sete e sete e meia. Estava num "chuliado", pois o Rui não tinha aparecido. Na hora do embarque, aponta lá longe um "Eiffelzinho", um automóvel verde, e vinha ele. O Rui Ramos Teixeira era um homem gordo, com óculos grossos. Chegou espavorido, "não precisa ir porque eu vou". Disse: "Desculpe, estou aqui, mas só embarcaria se você não chegasse". Ele embarcou e morreu junto com o Salgado Filho, quando o avião colidiu......."
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Sereno Chaise tinha 22 anos, não havia chegado a sua hora...

Luiz Carlos Vaz disse...

Gerson, essa é para ti que foi controlador de voo: O Salgado Filho de POA é o SBPA. Mas tem um outro Salgado Filho, em São Carlos, batizado também com esse nome em 1950 em homenagem ao Senador, que é o SDZC. O que significam essas siglas?

Gerson Mendes Corrêa disse...

Bueno, na verdade eu fui controlador de tráfego ferroviário. Quanto aos prefixos dos aeroportos eu nem imajino, mas me chamaste atenção para eles e estive pesquisando e cheguei a seguinte conclusão, que vamos estudar agora: segundo a Wikipédia é o seguinte:
Aquele código colocado na etiqueta de bagagens ou impresso na passagem aérea é uma sigla criada pelo IATA, a chamada IATA airport code, também chamada de IATA location identifier, IATA station code ou simplesmente location identifier, é um código formado por três letras que designa muitos aeroportos ao redor do mundo.
São geralmente fáceis de serem interpretados, por exemplo, o código IATA para London Heathrow é LHR. Outros não são tão óbvios, como CMH para Columbus, Ohio, USA ou ORD for Chicago O'Hare (formalmente chamado Orchard Field), USA.
A elaboração dos códigos e regida pela resolução 767 do IATA e admninstrada pelo seu escritório central em Montreal. Os códigos são publicados bianualmente no catalogo IATA Airline Coding Directory. Os códigos não são exclusivos: alguns dos 323 dos possíveis 17,576 códigos são usados para mais de um aeroporto.
Apesar de serem os mais vistos pelos passageiros, o código de quatro letras do ICAO (International Civil Aviation Organization) airport codes estão se tornando mais e mais usados na aviação. Todos os vôos internacionais tem seu planejamento traçados com códigos do ICAO e a maioria dos equipamentos de GPS (Global Positioning System) tem em sua configuração padrão os códigos do ICAO. Muitos paises como o Canadá não usam mais o código IATA em suas publicações oficiais.
A seguir, uma lista dos principais aeroportos do Mundo, separados por região e estados, constando nome oficial e/ou nome pelo qual são conhecidos, a sigla IATA (International Air Transport Association). Agora segundo minhas deduções
as outras quatro letras, sou levado a pensar que, indiquem posição geográfica (pontos cardeais), tipo de aeroporto (internacional ou local), (aeródromo ou aeroclube) no caso específico do Salgado filho de Porto Alegre : POA= Porto Alegre (isto é certo) e SBPA( South Brazil sei lá). Vamos perguntar ao Hamilton, de repente ele sabe. Vai daí Hamilaton.

Gerson Mendes Corrêa disse...

Mas se formos pensar de outra maneira mais lith eu diria que: POA= Porto Alegre; SBPA=Sempre é Bom Parar Antes que algo aconteça; SDZC= Só Deus Zabe Como segundo um árabe falando em portugues.

Luiz Carlos Vaz disse...

Tai Gerson, fiz confusão. Como eu sabia que tu eras da FAB, achei que o "controlador" era de aviões. Valeu.

Luiz Carlos Vaz disse...

Gerson, já vi que tens um bom humor, valeu o esforço, hehehe

Hamilton Caio disse...

O avião Lodestar, fabricado pela americana Lockheed, é irmão de águias famosas como o Hércules C-130 (ainda usado pelas forças aéreas brasileira e americana, completamente modernizado), do famoso caça da 2a guerra P-38 Lightning (que ficou conhecido pelos nazistas como "diabo da cauda bifurcada"), do Galaxy C-5 (um mega avião de transporte de carga, concorrente do russo Antonov, este o maior do mundo), do também famoso avião de passageiros Constellation (o mais elegante de sua classe e que fechou com chave de ouro a era dos aviões com motores à pistão) e do moderno caça invisível Raptor F-22, entre outros. O Lodestar não fez grande carreira no país de origem, perdendo na concorrência para o grande cavalo de batalha do pós-guerra, o DC-3, maior, mais operacional e mais rentável para as novas empresas que se formavam. Era fabricado pela congênere Douglas, que se associaria nos anos 60 a McDonnell. Esse avião teve melhor carreira fora dos Estados Unidos. A SAVAG escolheu essa aeronave, comprando três unidades inicialmente, levando em conta o tamanho menor e o custo unitário, o que serviria a demanda das linhas iniciais, ligando Porto Alegre, Rio Grande, Pelotas e Bagé. Por sua vez, o DC-3 teve irmãos famosos como o DC-6 (motor à pistão), concorrente do Constellation, e os DC-8, DC-9, DC-10 e MD-11, todos jatos de passageiros.

Aldo Ghisolfi disse...

SAVAG. Ao lado da barbearia do seu Joãozinho.(aldoghisolfi@gmail.com)