5 de maio de 2010

A primeira vez do Dr. Nominando


A platéia que assistiu a primeira sessão do Capitólio em 1934
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A notícia chegou com alvoroço na casa do Dr. Nominando. Por dias não se falou em outra coisa. Na localidade de Porongos só ele foi convidado. E ele podia levar a mulher e as filhas. Era também uma oportunidade de ir a Bagé encomendar novas tinturas mães para sua Pharmácia Homeopática. Ia render assunto para muitas e muitas noites de cerão em Cacimbinhas.

Ele já sabia que, antes de receitar as doses de Aconitumm, Nux Vômica ou Pulsatilla para seus clientes, primeiro ia contar alguma coisa sobre a novidade. Iria primeiro tentar passar aos seus pacientes, alguma narrativa que os fizesse imaginar o ocorrido naquela sala escura daquele dia que ficaria marcado na sua vida. Uma verdadeira maravilha ocorreria ali. Tão logo a família do Dr. Nominando, após uma longa conversa depois da janta, resolveu aceitar o convite, o problema passou para as mulheres.

O que iriam vestir? Qual seria a moda que estava em voga em Bagé? As mulheres da casa do Dr Nominando, é certo, estariam bem vestidas. Ainda bem que já era época do mascate Abdalah passar pela região de Porongos. Além das anáguas recém lançadas em Paris, ele trazia tecidos, meias, sapatos, e as mulheres da casa do Dr. Nominando já estavam prontas para viajar até Bagé. O dia tão esperado estava marcado no convite escrito todo em letras góticas: Inauguração do novo Cine Capitólio.

Francisco Santos, que já filmara em Pelotas “Os óculos do vovô” e “O crime dos banhados”, este em Rio Grande, iria inaugurar mais uma sala de projeção no Estado. O Cine Capitólio, em plena Avenida Sete de Setembro. Foi uma festa inenarrável. A sala, lotadíssima, foi inclusive fotografada pelos melhores profissionais da época. Foi um acontecimento para a família do Dr. Nominando.


Tanto que a pose tomada naquele dia especial de inauguração do novo cinema em Bagé, foi colocada num quadro e permaneceu na parede do consultório do Dr. Nominando, lá em Porongos, por anos a fio, até que a imagem quase desaparecesse como o Cinema Capitólio. Sorte que a Gisele, irmã da Claudete, nossa colega do Estadual, resgatou de lá a fotografia que o avô Nominando ostentou com orgulho na parede do seu consultório como testemunha daquele dia importante do ano de 1934. Pena que ela não possa resgatar também o Cinema Capitólio... Este sim, desapareceu para sempre, e só existe hoje na nossa memória.
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Nota. Na fotografia estão identificadaos o Dr. Nominando de Paula Vaz, sua esposa Maria Teresa Fagundes Vaz, e apenas uma das filhas, a Erany Fagundes Vaz, mãe da Claudete e da Gisele.
(De Porongos e Vaz... devem ser meus parentes.)
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20 comentários:

Hamilton Caio disse...

Uma foto espetacular, olhem o que os baús podem revelar ! Parabéns para a Gisele e a Claudete ! A Sétima Arte foi realmente marcante na primeira metade do século XX, não só no Brasil, mas em todo mundo e, por consequência, na Rainha da Fronteira. E, notem bem, Bagé nessa época, como cidade proeminente no estado e no país, acompanhava essa modernidade na medida que ia acontecendo. Como exemplifica o texto do Vaz, o que era lançado em Paris logo estava por aqui, a demora era só de algumas semanas, o tempo de embarcar em navio e atravessar o Atlântico. Isso também se aplicava à cultura em geral.

Claudete disse...

Mas bah, guri! Lendo teu texto parece que estava ouvindo minha mãe contar o que ela lembrava dessa história. Afinal, ela nem tinha completado 10 anos àquela época, mas foi um dia inesquecível para toda a família. Só uma retificação, o nome dela era Erany. O meu avô era conhecido como "Tio Nando". Pena que tive pouco tempo de convívio com ele. E agora, mexendo nesse "baú" de recordações, encontrei um cartão de visitas dele, onde consta como 3º distrito de..."Cacimbinhas"!!
Obrigada pelo trato carinhoso que deste ao evento. Abraços.

Luiz Carlos Vaz disse...

Claudete, obrigado pela correção, eu havia grafado Arany. Me manda esse cartão, vamos continuar a história do "Tio Nando" que, pelo visto, é meu parente. Minha mãe é da "Aberta do Cerro", lá em Cacimbinhas... Vamos buscar alguma herança por lá.

Luiz Carlos Vaz disse...

Hamilton, nós sabemos que havia em Bagé assinantes da revista O Cruzeiro, e que na Hulha Negra ou Cacimbinhas, depois de viajar de avião e trem, a revista chegava na mesma semana, com quatro ou cinco dias de diferença do Rio e São Paulo. O volume de correspondência era menor e a distribuição mais ágil em comparação com os equipamentos "modernos" de hoje.

Luiz Carlos Vaz disse...

A referência aos filmes "O crime dos banhados" e "Os óculos do vovô", de Francisco Santos, podem ser acessadas clicando na frase destacada no texto.

Hamilton Caio disse...

E o quê dizer desses nomes poéticos, dos tempos de nossos avós, que foram mudados: Cacimbinhas alterado para Pinheiro Machado, por um motivo trágico. Mas e a imposição desse novo nome ao município não teria sido tragicômica ? E o nome que traz saudade, Boa Vista, porque era esse o nome que nossos antepassados falavam quando contavam as suas histórias da atual Torrinhas. E a "Aroeira" será que ainda continua com esse nome ? E Porongos ?

Hamilton Caio disse...

Quando a internet seria apenas algum devaneio da ficção científica, alguns agentes da comunicação como esses marcaram aqueles tempos, pela rapidez na informação: a revista O Cruzeiro, o Correio do Sul, a rádio Nacional do Rio de Janeiro, a rádio Tupy de São Paulo, a rádio Farroupilha de Porto Alegre, a rádio Cultura de Bagé ... Ah, o trem também foi um grande transportador de cultura. E os Mascates ? ... eles tiveram sua importância econômica e social no interior dos municípios e até como portadores das "últimas notícias" da cidade.

Luiz Carlos Vaz disse...

Quanto ao nome Pinheiro Machado, o pessoal de Cacimbinhas já deveria ter voltado ao nome original. Desterro (Florianópolis), também sofre do mesmo mal. É uma questão de verdade histórica e de respeito à memória coletiva.

Luiz Carlos Vaz disse...

É, e havia a credibilidade dessas pessoas e desses meios de comunicação... Quanto aos mascates, eles eram os "servidores de e-mail" da época, hehehe.

Manoel Ianzer disse...

"BAGÉ SEMPRE PRESENTE"
As produções(filmes) feitas em Pelotas por Francisco Santos, uma chama a atenção dos bageenses.
"O MARIDO FERA" - baseado em fato registrado na crônica policial da época, em Bagé. Um estancieiro desconfiado de que a esposa o traía, prendeu a mulher numa espécie de chiqueiro por 4 anos, até a polícia chegar para liberá-la. (filmografia gaúcha)

Luiz Carlos Vaz disse...

Pois Ianzer, esse eu não conhecia. Interessante recuperar esses dados para as comemorações dos 200 anos da cidade.

Manoel Ianzer disse...

A MODA NA CHARQUEADA SANTA THEREZA - 1900 A 1926. Bagé assinalou o seu maior momento de opulência com o "ciclo do Charque". Antonio Ribeiro de Magalhães (Visconde de Magalhães), veio ainda guri de Portugal. Uma vez rico, viabilizou o seu sonho e implantou uma comunidade padrão na Campanha Gaúcha, algo que na linguagem atual seria considerado "PRIMEIRO MUNDO". O Visconde e sua esposa Thereza agraciaram (mais de 800 pessoas entre familiares, operários e parentes que vivem na Vila S. Thereza) a todos com a TÉCNICA, CIÊNCIA E ARTE. Foram tempos de fartura, o trabalho se misturava aos prazeres da boa mesa e ao vestir-se com apuro e elegância.

E TIVEMOS EM BAGÉ A ALTA MODA DA ÉPOCA.

Eram cinco refeições diárias e, no mínimo tres trocas de roupas a cada jornada. As roupas de trabalho, as de estar, passeio ou festivas. Quase tudo importado e de primeira qualidade.
Chapéus do Panamá;
Calçados da Itália;
Gabardines dos Estados Unidos;
Casimiras da Inglaterra;
Sedas da China
e Linho do Egito.

"O PRIMADO DA ELEGÂNCIA"

Por Bagé o mundo desfilava seus melhores produtos da moda, sem falar nas jóias e objetos. Era a opulência discreta, sem exageros e na justa medida de um homem empreendedor e que tinha "AMOR PELA HUMANIDADE".
Esse era o modo de as pessoas estarem em sintonia com a modernidade que chegava até Bagé pelos catálogos dos viajantes comerciais e pelas revistas ilustradas, que se chamavam "figurinos". Belos momentos em que o ato de vestir bem - é revelador de uma sociedade e seu tempo. (Sapiran Brito - J. Minuano 30.04.10)

Hamilton Caio disse...

Outro comentário que nâo podemos deixar de fazer é sobre a primeira sensação que nos transmite a foto e o texto do Vaz: a alegria, a euforia e a expectativa reinantes naquela sessão de cinema. Como a Claudete bem falou, parece que estamos lendo as memórias de alguém que esteve naquele acontecimento inolvidável. As damas e as senhoritas dando o colorido do ambiente com seus chapéus, "écharpes" e rendados, sempre nos lembrando aquelas imagens lindas do tempo dos nossos avós. As fotos de nossos baús confirmam essa era! Em plena metade dos anos 30, aqui ainda se respirava a "Belle Époque", como deixa transpirar a história de então, com um otimismo reinante e com o cinema, espetáculos teatrais e circenses, sempre em cartaz destacado, como nunca se viu depois. Embora, na prática, a "Belle Époque" tenha encontrado seu ocaso com o advento da 1a guerra mundial (1914-1918) e na época da inauguração do novo Capitólio estivesse o mundo no auge na grande crise econômica surgida com o "crash" da bolsa de Nova Yorque (1929), aqui esse efeitos foram bem menores, por fatores econômicos regionais, mas também, em parte, pela distância geográfica da América do Norte e da velha Europa. Essa bela época, para nossa sorte, ainda embalava o viver de nossos avós.

Gerson Mendes Corrêa disse...

Também em Santa Teresa morava o Mister Mackol e sua familia num sitio localizado bem em frente onde hoje existe o alojamento da ALL, nos idos 1975 trabalhei com ele na fábrica de artefatos de cimento da Construtora Iguaçú, ele era o chefe da fábrica e pedreira e eu cuidava dos escritório. Inclusive ele era irmão de um piloto da RAF ( Royal Air Force) na 2ª guerra. Reforçando o que Ianzer comentou acima, eu ouvi de varias pessoas estórias sobre essa época.

Claumac disse...

Hamilton,minha família é de Porongos e de Torrinhas (a Giséle, minha irmã, nasceu no hospital de Torrinhas). Me lembro que às vezes se referiam à Boa Vista. Nós passávamos todo o período de férias por lá. Muitos bailes fomos no Clube de Torrinhas (eu, criança ainda,corria um pouco pelo salão e depois ficava dormindo na famosa "sala das senhoras". Lembro que havia a tradição da visita ao "Clube dos Morenos" que era perto. Vaz, o baú está trazendo cada coisa, que terás que expandir esse blog!! Há muito tempo eu fiz a minha árvore genealógica (comecei na época da Ucpel onde descobri o meu parentesco com a Ana Alice). Vamos ter que fazer um tópico sobre isso e vai chover de parentes por aqui! Abraços.

Luiz Carlos Vaz disse...

Claudete, não vamos expandir muito a "árvore genealógica" pois vai faltar herança para todos, hehehe.
O "nosso" Blog, na verdade, já deixou de ser só "do Estadual" para ser da cidade e de todas as pessoas. Ele está abrindo seu leque de assuntos cada vez mais para a recuperação da memória coletiva. Vamos acabar com a máxima: "brasileiro não tem memória". Nós, do Estadual, estamos provando que a temos e valorizamos. Estamos recuperando nossas histórias e nossa cultura. O Blog é um verdadeiro cerão ao lado do fogão à lenha...

Gerson Mendes Corrêa disse...

Mas bah tchê, "um cerão ao lado do fogão a lenha" sugere um chimarrão bem gordo, bem espumoso, verde e amargo, e depois do chimarrão um bife na chapa do fogão, sem esquecer do milho verde no braseiro, e uma boa charla para temperar o cerão.

Luiz Carlos Vaz disse...

Claro, né Gerson, a branquinha a gente não fala pois o blog é acessado por menores de 18...

Heloisa Beckman disse...

Lendo o texto, me lembrei que já tinha lido algo a respeito, Fui buscar e encontrei na Revista Aplauso de 1998, escrito por Sean Hagen,em que diz que Francisco Santos depois de "Os óculos do Vovô" filmou um caso policial que estava acontecendo em Bagé-"O Marido DA Fera" ou "A Mulher do Chiqueiro",em que mostrava o drama de uma mulher que vivia acorrentada há quatro anos pelo marido em um chiqueiro. A produção foi filmada "in loco" e a realidade do documentário foi um fenomenal sucesso de bilheteria, percorrendo as cidades de Bagé, Santa Maria e Rio Grande.Depois, outro caso sensacionalista entrou em cena"O Crime dos Banhados", ocorrido em Rio Grande, onde Manuel Pêra, pai de Marília Pêra TB participou.Foi exibido em 1914.Francisco Santos morreu em Bagé, em 1937, aos 64 anos e possuía a maior rede de distribuição de filmes gaúcha, com 4 salas em Pelotas,2 em Bagé e várias arrendadas pelo Estado.Sua obra, em apenas 2 anos de existência, revela-se impressionante: 85 cinejornais e 5 filmes curtas e longas.Apesar de toda essa produção, perdeu-se praticamente tudo.Restou um fragmento de " Os Óculos do Vovô" e um fotograma de O Crime dos Banhados".

Luiz Carlos Vaz disse...

Tai Heloisa, eu não sabia que o Francisco Santos tinha permanecido em Bagé...