26 de novembro de 2012

Quero falar português...


Placa em granito no túmulo de Camões, no Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa


Quero falar português...

Valacir Marques Gonçalves
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Não sou dado a purismos linguísticos, menos ainda a qualquer tipo de xenofobia, mas estão exagerando, todo dia me deparo com tudo que é tipo de termo alienígena para indicar coisas simples e corriqueiras do nosso dia a dia.

Começar algo agora é dar um start. Imprimir é printar. Não faltam palavras importadas: é upgrade ou downgrade, depende do caso - tem gente que melhora de vida, outros pioram, é o up e o down… Temos ainda o delete, termo perigoso, pois muitos já sabem que podem sumir do mundo ou do coração de alguém quando deletados…

Temos muitos outros termos incorporados ao nosso cotidiano: a pizza tem entrega delivery, algumas não cobram pelo serviço - são free. Outros nomes são antigos: o lanche é com milk shake. O nosso cachorrinho-quente há muito virou hot-dog. Num dia desses ouvi um cara dizer que queria o dele bem hot e sem pepper… As liquidações no comércio são chamadas de sale, isto aí, sale, bem baratinho… Entrar num shopping é uma aula, parece que estamos em Miami, quase todas tem nomes como: Brooksfield, Le Lis Blanc, Mc Donald’s, Le Pastiche, e por aí afora…

Os mais velhos sabem que essas coisas não começaram agora. No passado, era comum o exibicionismo usando o francês: toilette, garage, chauffeur, boutique, laque, bistouri, filet, bouquet e outras eram usadas sem cerimônia. Juristas e jornalistas usavam (e usam) expressões latinas como sinal de erudição. Com o advento da supremacia americana, os franceses foram deixados de lado, mas deixaram uma herança considerável: madame e garçom, por exemplo, mudaram de cidadania…

Num dia desses, fui numa festa e voltei confuso: a hostess me recebeu. O promoter me informou da existência de uma “Lista Vip” esclarecendo que daria um desconto nos gastos se eu apresentasse o flyer. Fui embora, não conhecia a hostess e nem o promoter me conhecia. Olhei o preço que cobravam e desisti. Não vou mais a festa sem flyer…

Continuando, relato outro fato. Estava com passagem comprada para o norte do país. Fui informado de que meu cachorro precisaria de um atestado para viajar comigo, pois ele poderia “contaminar” os caninos nortistas… Como sei que o nosso país é “um lugar organizado e onde tudo funciona”, tratei de cumprir a Lei. Procurei uma veterinária num pet-shop. Fui atendido por solícitas recepcionistas que me “lembraram” que não tenho mais cachorro, agora sou dono de um pet. Logicamente que estarei no aeroporto acompanhado pelo pet, conforme orientação da dog sitter do pet-shop…

Concluindo, preciso dizer que, neste exagero todo, acontece algo incrível: usamos palavras inglesas só adotadas por aqui. Lá fora, o outdoor é substituído pelo billboard, e o shopping pelo mall… Somos realmente criativos.

Até outro dia. So long! Vou tomar tranquilamente meu scotch on the rocks…
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Valacir Marques Gonçalves
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Um comentário:

Anônimo disse...

Excelente texto ! a nossa síndrome de colonizado não tem limite, um morador do interior chega na capital e dá de cara na vitrine do xópin anunciando 40% off, é insuportável, uma boçalidade tupiniquim.