30 de abril de 2013

Venturino viaja de trem

Acervo Anabela Medeiros Pires

Venturino viaja de trem
Paulo Mendes

Ali pelas quatro da tarde, após ter ouvido muitos causos contados pelo próprio Venturino, apareceu um gurizote vestindo uma camiseta do Milan e falou: “Conte aquela da viagem de trem”. Venturino coçou o bigodão, perguntou se havia tempo e lascou: “Essa história é um pouco longa, mas nunca recuso um pedido, já que existe solicitação, não vou me fazer de rogado”. Deu uma pequena tossida e começou.

— Isso faz tempo, quando se podia pegar o trem aqui na Vila Rica no início da noite e amanhecer na Capital. Era um “devertimento”. Fomos eu e o finado Fastanha, ele bem vaqueano, eu, grosso, com poucos conhecimentos de cidade grande. Fomos lá ver os papéis da minha aposentadoria. Bueno, a Odete botou uma muda de roupa na minha malinha de garupa, peguei os avios do mate e me encontrei com o amigo na estação. Dali a pouco, o trem chegou apitando e soltando fumaça pelas ventas. Nos acomodamos num banco e largamos. Os problemas começaram quando vi um parafuso tentando furar minha bombacha branca, de favos. Dei de mão na prateada e tirei o ferro do banco. O Fastanha me alertou, tchê tu tá louco, não pode andar armado na cidade. Respondi na hora, mas isso não é arma, é apenas uma faca que uso pra picar fumo, descascar laranja, será que essa gente da cidade não usa faca?

Nisso, o gurizote começou a rir e eu o acompanhei. Seu Venturino riu das nossas risadas. E prosseguiu:

— Depois da baldeação em Santa Maria, cevei um mate, enchi a térmica no restaurante e fui oferecendo aos vizinhos. Numa curva bem fechada da estrada de ferro, até comentei com o Fastanha, se tiver uma curvita dessas bem bagual eu consigo alcançar uma cuia pro maquinista... Aí sim foi que o pessoal achou engraçado. Até uma gordinha que levava uma criança pra se consultar, pois tinha estourado uma “ursa” que nunca mais sarou. Esse piá, coitado, andava chorão e só se acalmou quando o botei no colo e cantarolei uma quadrinha do Zé da Gaita. “Dorme, dorme, gurizinho, que o bicho vem te pegá, mas se durmi ligerinho, ele nunca mais vai vortá...” E não é que o guri dormiu mesmo, agarrou no sono e só se acordou com o dia clareando.

— E aí seu Venturino, chegaram bem à Capital?

— Era pra chegar. Porém, ao me levantar, descobri que o piazinho que eu nanei, estava de diarreia, sujou toda a minha bombacha...
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Paulo Mendes publica a coluna Campereada, aos domingos, no jornal Correio do Povo
pmendes@correiodopovo.com.br
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26 de abril de 2013

UFPel, Bagé e a Barragem da Arvorezinha

Colombo, Mauch e Parera na Prefeitura de Bagé

Foi assinado convênio entre a Prefeitura de Bagé e a Universidade Federal de Pelotas para supervisão e fiscalização da obra da Barragem da Arvorezinha. O acordo visa dar continuidade ao trabalho, já que recentemente foi rescindido o contrato com a Engeplus Engenharia e Consultoria, empresa licitada que estava atuando como fiscalizadora.
Na ocasião da assinatura, estavam presentes o prefeito Dudu Colombo, o diretor geral do Daeb, Antônio Kiwal Parera, e o vice-reitor da UFPel, Carlos Rogério Mauch. Ficou estabelecido que a coordenação da atividade será realizada pela Agência de Desenvolvimento da Lagoa Mirim, órgão ligado à Universidade.
“Estamos muito satisfeitos em poder realizar o convênio com uma instituição que possui credibilidade e transparência, para que possamos concluir esta obra que Bagé tanto necessita”, afirmou Parera, diretor do Daeb. Ele destaca que, com a assinatura, a atividade de fiscalização deve ser retomada nos próximos dias.
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25 de abril de 2013

Betty Blue - 37°2 le matin



O Ciclo A Filosofia e o Cinema existencial exibirá, na próxima sexta-feira, dia 26 de Abril, o filme Betty Blue, de Jean-Jacques Beineix. Cineasta francês (1946), Beineix é autor de obras cinematográficas e documentários pouco conhecidos no Brasil. O IV Ciclo de Cinema, promovido pelo Departamento de Filosofia da UFPel, sob a coordenação do professor dr. Luís Rubira, ocorre todas as sextas às 20h, no Centro de Integração do Mercosul, em Pelotas. A entrada é FRANCA (retire sua senha no local, no dia da sessão, antes das 14h).
 
A programação completa do CICLO está disponível na página da UFPel:

BETTY BLUE (37°2 le matin), 1986, França. Direção: Jean-Jacques Beineix. Com Jean-Hugues Anglade, Béatrice Dalle e Gérard Darmon.
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24 de abril de 2013

Café

Fotografia com sketchbook por Marcelo Soares

Café

Marcelo Soares

Ele pensa, e a menina aguarda, se no resto da xícara vai café ou água.

Quer afastar o cheiro do bolor e o peso dos móveis herdados: madeira pura, amanhecer e rua.

Precisa de algo que o desperte e agrade. Assim, enquanto não corre com os fantasmas dos armários, busca apoio na luz do dia ou na juventude destas moças, mesmo frias, como distração a parte.
- Hoje quero "carioquinha", por favor, complete com água!

Pela vitrine a cerração esconde o lado oposto da calçada, a fluorescente sombreia o guardanapo dando mistério aos rabiscos que substituem os ponteiros do relógio. Não há hora para nada!

A conversa alheia trouxe todas as novidades: placar, morte e atentado. Permanecem as lembranças noturnas e o clima que não devia estar fechado. Sono, sonho ou cansaço?

Cuida no espelho se a veste esta adequada, pelo reflexo o apelo vem da silhueta do engraxate.

Esfria o líquido sem libertação ou companhia, mais, então, um quem sabe?

- Mocinha... outro café!

Ele pensa, e a menina aguarda, se no resto da xícara vai café ou água.

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23 de abril de 2013

Hoje é o dia de São Jorge!

Cena de Amei um bicheiro, produção da Atlântida

Hoje é 23 de abril, é o dia de São Jorge, dia em que tradicionalmente o número correspondente ao Cavalo é condenado no marginal Jogo do Bicho. Numa produção de  1952 a Atlântida abordou esse tema no filme Amei um bicheiro, usando essa máxima para desenvolver sua trama. A mocinha Laura, vivida pela atriz Eliana, necessita de uma cirurgia de urgência e, seu marido, o apontador de jogo, Carlos, interpretado por Cyl Farney, resolve dar um golpe no bicheiro Almeida, o tradicional vilão do cinema brasileiro vivido por José Lewgoy, fazendo um chaveco no dinheiro das apostas justamente no dia 23 de abril, o dia de São Jorge, quando as apostas no cavalo naquele dia seriam responsáveis pela arrecadação de uma grande soma em dinheiro. É possível assistir pelo youtube clicando AQUI.

Para entender a história e as gírias referentes ao tema, só assistindo ao filme. 

Boas apostas, digo, bom espetáculo a todos!
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20 de abril de 2013

O Q-Suco do Messina

Ilustração: Sergio Fontana
O Q-Suco do Messina

Sérgio M. P. Fontana (*)


(Para os bageenses da velha guarda ligados ao futebol, de um modo geral)


Esta é uma história baseada em fatos, não em boatos. Em alguns pontos onde a realidade não é conhecida - só imaginada - as situações, um único personagem e diálogos foram inventados pelo autor da narrativa. Em outros, até os diálogos são a mais pura expressão da verdade, e nesses casos todos os personagens, apesar dos nomes fictícios, também são reais.

Bagé, RS - domingo, 8:00 horas. Messina nem dormiu direito, pensando que na tarde desse mesmo dia iria passar pela sua primeira prova de fogo como técnico de futebol de um clube profissional. Técnico da categoria de juniores, na verdade, mas o cargo lhe pesava nos ombros como se ele dirigisse o grupo dos profissionais.


O clássico Ba-Gua, tradicional disputa entre o Grêmio Esportivo Bagé e o seu adversário de mais idade, o Guarany Futebol Clube, dá o que falar desde 1921, quando estes clubes se enfrentaram pela primeira vez. Ao longo destes quase cem anos, onde mais de quatrocentos jogos foram realizados, há um equilíbrio técnico que não deixa a rivalidade se extinguir.


Então se justificava o nervosismo do Messina, na manhã do dia treze de março de mil novecentos e setenta e ...


Tomou um banho, escovou os dentes, nem tomou café, nem se despediu da esposa, e saiu a pé, pela sombra. Dobrou na primeira esquina, atravessou em diagonal a rua deserta, caminhou alguns metros e entrou na farmácia, na esquina da Sete de Setembro com a Ismael Soares. Não demorou muito. Tinha encontrado o que procurava. Subiu a Avenida Sete, atravessou a rua em direção à única loja que abria no domingo, e que ficava na outra esquina, a da Marechal Deodoro, e viu que as grades da loja estavam levantadas, indicando que alguém estava ali, mas a porta de vidro estava fechada.


Meteu a cara no vidro da porta, para espiar para dentro da loja, mas não viu ninguém. "Namorou" a vitrine, pelo outro lado da esquina e voltou a ficar diante da porta. Deu cinco batidas no vidro ao mesmo tempo em que alguém lhe dava cinco tapinhas nas costas. Olhou para trás e reconheceu dona Isamara, a proprietária da loja.


- Saí para dar uma volta! - disse ela. Em que posso ajudá-lo, professor Medicina?

- Messina, dona Isamara. Messina! Preciso de um balde de plástico. Aqueles para 10 litros. A senhora tem?

- Temos amarelo, azul, laranja, marrom, roxo, verde e vermelho...; amarelo, não! Esteve aqui um senhor, mais ou menos da sua idade, agora de manhã, um pouco mais cedo, e levou o último. Mas fora o AMARELO, qual das outras cores o senhor prefere?

- Ãããh..., vermelho, dona Isamara! VERMELHO! - respondeu, agitado.


Pagou, pegou o balde, acomodou a sacola dos remédios dentro dele e voltou para casa.

O jogo dos juniores era a preliminar do jogo principal - o Ba-Gua de profissionais - e iniciava às 13 horas. Por volta do meio-dia os atletas da equipe anfitriã começaram seus preparativos. O massagista, o roupeiro e todo o material de jogo também utilizado pelos profissionais foram colocados à disposição do grupo do professor Messina que escolheu dentre os três modelos de fardamento, o tradicional.


Naqueles tempos era preferencial, e quase rigoroso, o hábito de se utilizar a numeração de 1 a 11 para definir os jogadores titulares de uma equipe. E assim foi feito também nessa oportunidade pelo técnico Messina, que escolheu, titubeando um pouco, seus onze titulares.

Olhou para mim, recém chegado; olhou para o outro cara que vinha sendo titular; olhou para mim, de novo, e escolheu o outro. Deu a ele a camisa 8, tão cobiçada por mim. Optara pelo futebol-força. Resignei-me ao banco de reservas, com a camisa 17. No fim das contas, nem fui aproveitado nesse jogo.


Chegou a hora da palestra, mais conhecida no futebol como “preleção”. O treinador orientou seus jogadores a adotarem a marcação sob pressão durante todo o tempo. Queria que o seu time não deixasse o adversário jogar, contrariando a orientação do professor Dionísio, o preparador físico, que dizia que a equipe ainda não estava preparada fisicamente para manter essa estratégia por muito tempo.


Quando o fisicultor resolveu iniciar o trabalho de aquecimento, o técnico, já meio contrariado, pediu-lhe que aguardasse um pouco. E do porta-malas do seu Maverick marrom, estacionado na frente do estádio, emergiram o balde vermelho e uma grande colher de pau; da capanga marrom, cinco pacotes de Q-Suco de framboesa e [eu contei] quatro cartelas de remédios, contendo 12 graúdos comprimidos vermelho-escuro.


Em êxtase, Messina voltou apressado e tratou de encher o balde com água da torneira. Adicionou os pacotes de Q-Suco e, com a rapidez de quem debulha milho, foi pressionando o polegar em cada um dos casulos das cartelas dos comprimidos que iam saltando, um a um, para dentro do balde. Quando alguém perguntou do que se tratava, ele respondeu:

- Vitamina, tchê! Vitamina!


Todo mundo ficou em silêncio quando ele começou a misturar o conteúdo do balde com a colher de pau.  Ouvia-se um barulho dos comprimidos se chocando com o interior do balde como se esses fossem pedras de gelo. Em três ou quatro minutos, foram todos dissolvidos. Estava pronta a “vitamina”, o Q-Suco do Messina, servido em duas canecas de latão, de 300 ml, a cada um dos atletas.


Até os reservas foram convocados para tomar a estranha mistura, um Q-Suco sem açúcar, com um gosto residual amargo. A gente tomava e ele oferecia mais.


Em seguida, começou o aquecimento para o jogo. Os atletas titulares começaram a se movimentar, sob o comando do professor Dionísio. O quarto-zagueiro Dudão, com a camisa 15, portanto escalado para a reserva, ficou um pouco afastado do grupo e se encostou na parede para assistir o trabalho. Messina, atento, retrucou:

- O que tu estás fazendo aí, guri? Vem aquecer!

- Ué! Eu sou reserva! Não vou jogar! – respondeu o Dudão.

- Quem foi que disse que tu não vais jogar? Vem aquecer!


E assim os onze jogadores do time do Messina entraram em campo com a numeração alterada. O quarto-zagueiro titular, camisa 4, ficou no banco; jogou o Dudão, com a 15. E foi um dos melhores em campo, coiceando, e bufando, todo o tempo, na nuca do centroavante do time adversário, cujos jogadores - cá entre nós - correram tanto quanto os nossos.


O empate em zero a zero, conseguido aos trancos, barrancos, chutões, muito suor, disposição de sobra e olhos esbugalhados, só foi possível – tenho certeza – graças ao milagroso Q-Suco do Messina. ¿Será?
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(*) Sergio Fontana edita o Blog O século XX, onde publicou esta crônica.
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19 de abril de 2013

Dia do índio - Bury My Heart at Wounded Knee

Foto by Juliana Vaz


Bury My Heart at Wounded Knee

Luiz Carlos Vaz

Quando eu era guri, influenciado pela leitura dos quadrinhos da Disney e pelas aventuras de David Crockett, tinha uma admiração inenarrável pelos “totens” dos índios da América do Norte. Esses totens habitavam meu imaginário infantil e me causavam uma satisfação estética enorme. Perguntava aos professores de história do Estadual tudo que podia perguntar sobre eles e pesquisava nas enciclopédias da Biblioteca Pública tudo o que havia sobre o assunto. Isso me levou naturalmente a ler Winnetou, de Karl May, e apreciar como ninguém o Bury My Heart at Wounded Knee (Enterrem meu coração na curva do rio), do Dee Brown, já mais tardiamente, nos anos 70, e que virou filme com a direção de Yves Simoneau. De modo que os totens sempre tiveram para mim uma referência mais atávica do que antropológica...
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Na semana passada, aproveitando uma folga em Washington, Juliana foi visitar uns amigos em Vancouver, na British Columbia. Lá conheceu o Stanley Park, onde fotografou os “meus totens” e me mandou algumas imagens deles... Ao vê-los na fotografia todos os meus sonhos de infância voltaram. Ouvi os tambores da “dança da chuva”, as invocações de guerra e a desconfiança nativa aos homens de caras pálidas. Acho até que senti de novo a ardência das bolhas em minhas mãos causada pelo manuseio forte de um canivete com o qual eu tentei esculpir alguns totens numa acha de lenha mais dura...


Eu agora tenho um Totem...

Desses povos, imagino que só ficaram mesmo os seus totens. A valentia, a cultura e a arte totêmica, devem ser hoje apenas uma referência cultural do passado. Certo mesmo estava o Grande Chefe Touro Sentado, o sábio líder Lakota, que não submeteu seu povo às políticas do governo americano que, evidentemente, visavam tão somente acabar com a cultura e a terra sagrada dos índios Sioux..
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Publicado aqui, em 25 de junho de 2012
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18 de abril de 2013

Sarau para Vinicius de Moraes




Juntamente com os parceiros institucionais e apoiadores, a Bibliotheca Pública Pelotense (BPP) convida para a  primeira edição  de 2013 do Projeto Sarau Poético-Musical BPP, no próximo 30 de Abril, a partir das 19h30min, destacando a obra do poeta Vinicius de Moraes, no ano do centenário de seu nascimento.
 
Música ao vivo
Xana Gallo 
 
Poetas/autores convidados
Jandir Zanotelli
Katherine Conceição
Ligia Monassa Farias
Luís Borges
 
Autor em destaque
Vinicius de Moraes (1913 - 1980)
 
Parceiros Institucionais
Confraria dos Poetas de Jaguarão
Curso de Relações Internacionais / UFPel
Faculdade de Educação / UFPel
Centro de Letras e Comunicação/ UFPel
Instituto Estadual de Educação Assis Brasil
RádioCOM.104.5FM
 
Realização
Bibliotheca Pública Pelotense
 
Coordenação Projeto Sarau Poético BPP
Daniela Pires de Castro
Getulio Matos
Mara Agripina Ferreira
Pedro Moacyr Perez da Silveira

17 de abril de 2013

O pai da noiva

Foto: Marcelo Soares, em diário de canto


O Pai da noiva (*) 
Sérgio Vaz

* Baseado em fatos reais

O casamento estava marcado para as 18 horas, mas como toda noiva que se preze, Tereza também chegou atrasada, coisa de meia hora. Não foi fácil conseguir esta igreja, então não era bom abusar da paciência do padre. Do lado de dentro um calor lascado. Os convidados e os padrinhos suavam em bicas.

A pequena catedral estava lotada -a noiva era muito querida no escritório onde trabalhava, até o gerente estava lá.Quando a noiva surgiu na porta foi um alívio para todos. Muitos só pensavam na festa e no chope gelado. “Que calor!”, disse um coroinha.

De braços dados com o tio, já nos primeiros três passos que avançava para o seu casamento começou a chorar. Chorava de emoção, mas também porque seu pai não podia estar ali, de braços dados conduzindo-a ao altar como sempre sonhou.

Chorava porque naquele exato momento seu herói estava internado numa cama de hospital e não podia ver sua princesa casando-se com um príncipe, como ele sempre lutara para que isso acontecesse.

Cada passo uma lembrança. Cada passo uma lágrima. A noiva chorava copiosamente. Muitos dos convidados também choravam enquanto ela caminhava para o altar.Feliz pela metade, ela só conseguia pensar: “queria que meu pai estivesse aqui”, e chorava.

Do outro lado da cidade, na cama do hospital, seu Durval, entre uma dor e outra, caminhava com ela em pensamento. E também pensava: “como eu queria estar lá”, e chorava também. Na vizinhança não se conhece tamanho amor entre pai e filha como o dos dois.

O casamento só aconteceu porque já estava marcado há muito tempo e por insistência do pai, pois por ela, que se danasse tudo.O sonho do pai sempre foi vê-la de noiva e o dela era ser conduzida pelo pai. A Mãe era testemunha desse sonho, por isso chorava com eles.
Quando chegou em São Paulo, aos 23 anos, fugindo da seca e do desemprego na sua cidade, seu Durval era apenas mais um, perdido na cidade grande. Uma mala na mão e na outra, nada. Foi assim que pisou na selva de pedra.

Já na rodoviária conseguiu um emprego numa obra na Avenida faria Lima. Sem dinheiro para pensão, morou por seis meses no trabalho, junto com outros conterrâneos. Enquanto construía o prédio sonhava que construía sua própria casa. Por conta disso, do amor com que trabalhava pensando que construía sua própria casa, logo conseguiu uma promoção, de ajudante passou a ser pedreiro.

Um pouquinho mais no bolso alugou uma casa na periferia da Zona Sul. Coisa pequena. Quarto e sala e um banheiro com chuveiro de água quente.

Seguiu assim, construindo casas como se construísse um lar.

Conheceu Esperança num baile perto de casa e com pouco tempo já estavam morando juntos, amasiados pela força do amor.

O sonho de Esperança sempre casar de papel passado, na Igreja, porém, como não tinham dinheiro adiaram para sempre este desejo. Quem sabe um dia...

Esperança sempre foi mulher de fibra, quando construíram a própria casa depois de muitos anos, foi ela quem carregou os blocos de cimento para dentro do quintal. Ela quem trazia água para a massa do cimento. Ela é quem era a ajudante geral. Ela ajudou a construir a casa em que moram com o mesmo amor em que deu a luz a suas três filhas. Por isso, chorava no casamento. Chorava por amor e pela ausência do marido.

Em meio à saudade teve tempo de lembrar que filha realizava o sonho dela: “casar vestida de noiva”. E chorava como mulher, Chorava feito mãe.

Já no altar, fitou a mãe, e ambas trocaram lágrimas que inundavam o sorriso.

Faltava o pai, mas o dia era de felicidade. Elas sabiam disso. Então riam e choravam ao mesmo tempo.

O marido, enquanto lhe aliançava ganhou de presente um dos sorrisos mais lindos que o mundo já produziu, e de quebra, um sim que valia por três. Tudo lindo, mas ainda assim lhe faltava o pai.

Depois do banho de arroz todos entraram em seus carros e foram direto para a festa. Quase todos. Tereza e o marido pediram para que o motorista desviasse um pouco do caminho e foram, ele de terno e ela vestida de noiva, direto para o hospital pedir a benção do pai.

Ao vê-la no quarto do hospital Durval custou acreditar que estava vivo.

Choravam o pai, a filha, as enfermeiras, o marido, os médicos, os curiosos, os outros doentes, o hospital virou um vale de lágrimas. De alegria.

A vida doía, mas ainda assim valia a pena. Pensou o pai com um tubo enfiado no nariz e um buraco aberto no peito.

*De sonho realizado seu Durval morreu uma semana depois.
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Sergio Vaz é poeta e fundador da Cooperifa

(*) Do livro "Literatura, pão e poesia", Global Editora
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15 de abril de 2013

Museu Dom Diogo recebe doação

Claudia Lemos Melo e Elaine Tonini Bastianello


A Funerária da Santa Casa de Bagé, através de seu administrador, o Sr. Mário Emir Mansur e da Sra. Claudia Lemos Melo,  realizaram uma doação ímpar à Associação dos Amigos dos Museus.

Trata-se de um álbum fotográfico de túmulos da empresa Lonardi, Teixeira & Cia, da cidade de Porto Alegre, que agora compõe a reserva técnica do Museu Dom Diogo de Souza. Esse álbum da década de 50, também conhecido como catálogo, é composto por 53 fotografias em preto e branco que serviam de mostruário dos diferentes modelos de túmulos para que as famílias pudessem  escolher e encomendar.

Apesar de ter a forma de um álbum fotográfico, com fotos originais em preto e branco, sua função era comercial, correspondendo aos catálogos europeus em voga na época. Não sendo material impresso, a identificação da casa é feita por meio do carimbo, que informa ainda seu telefone e endereço.

Elaine lembra que muitos exemplares tumulares desse catálogo foram edificados no Cemitério da Santa Casa de Bagé onde se pode constatar a presença das empresas que realizaram a sua construção através de pequenas placas fixadas nas sepulturas. Assim, muitos levaram a rubrica da firma Lonardi, Teixeira & Cia. Vale a pena conferir.

Em nome da Associação Amigos dos Museus, Elaine Tonini Bastianello, Ana Lúcia Quadros, Adauto Simões Pires, e das gestoras do Museu Dom Diogo de Souza, Carmen Barros e Maria Luisa Pêgas, agradecem e aplaudem a atitude tomada por estes administradores da Funerária da Santa Casa que gentilmente fizeram essa doação.  Que esse ato de comprometimento e de engajamento com a história da nossa cidade sirva de exemplo e motivação para que mais e mais doações aconteçam.

14 de abril de 2013

Minhas Lições

Aplicação de GIMP em imagem da web por J L Salvadoretti


Minhas Lições

Vera Luiza dos Santos Vaz

Abril, com seu jeito de final de verão, sempre me encontrou meio pensativa desde a infância.

Pensar, repensar, observar, tentar entender, sempre fizeram parte de meu andar através do tempo...

Explicar-se-ia, assim, talvez, o meio estranho modo de olhar e tentar viver a vida?

Neste início de abril, em que completo meus sessenta e cinco outonos, percebo em mim ainda a presença forte da guriazinha dos cachinhos de ouro, como a mim se referiam as pessoas, fazendo comparação com a menininha que enfeitava uma das leituras do livro MInhas Lições, no segundo ano do Curso Primário, nos idos de 1956, na Escola Santo Antônio em Bagé.

De índole absolutamente sincera, sempre me foi difícil dominar o impulso de defender solenemente a verdade, a justiça.

Ah! Quanta encrenca esse jeito simples, mas forte, me trouxe, enquanto não pude entender, não sem profunda dor,  que a verdade, muitas vezes, deve se fazer de morta, cedendo lugar, embora temporariamente, à deslavada mentira...

Antigos dias me encontraram pensativa, diante da incapacidade de concordar com o que considerava errado, injusto, maldoso até.

Chovia naquela manhã distante e fria de final de abril. Chuva fina, persistente, não nos impedia de ir à escola. O sentido do dever começava cedo, tanto para mim, como para meus irmãos e minha irmã.

A professora Joana marcara como tarefa para casa uma "infinidade de contas", assim eu sentia. Os cálculos, que deveria trazer no dia seguinte, "armados e resolvidas", do 100 aos 300 para dividir por um certo número, não lembro qual. E assim seguiam diariamente...
Passava  a manhã na escola. A tarde, já sabia, era dedicada aos benditos temas, sempre intermináveis.

Algumas vezes, minha mãe e minha irmã me ajudavam nos deveres, porque percebiam que sozinha, deles, não daria conta. Sempre havia uma cópia de um texto do livro, mais todos os exercícios propostos para a lição, copiados e feitos no caderno.
Também marcara, naquele dia, a professora, como matéria de estudo "toda a tabuada" de multiplicar!

Aos poucos, naquela fria e chuvosa manhã, os alunos foram chamados para "irem ao quadro-negro", resolver uma linda  "conta" proposta pela mestra Joana: 987654321 divididos por 123456789!!!!

Se agora eu fosse tentar resolver essa operação, sem uso de calculadora, teria dificuldade, eu creio, não tentei...

Não sei qual a utilidade desse cálculo. Provavelmente colocar à prova a sanidade das crianças, seu grau de submissão, sua capacidade de avaliação de uma situação escolar injusta, sem embasamento pedagógico.

No meu pequeno entendimento na época, já podia perceber o quanto havia de despotismo na ação da professora.

Quando a minha vez chegou de ir ao bendito "quadro" para tentar resolver o cálculo, os cantos da sala já estavam cheios de alunos que "não souberam" resolvê-lo e, como consequência lá estavam no canto "como castigo"!

Anunciou, a professora, que eu me encaminhasse ao quadro, com sua voz forte e convincente!

Meu estômago, já em pânico há algum tempo, enrolou-se todo. Meus intestinos deram sinal de que iam funcionar!

Aguentei a revolução interna e me encaminhei para a tentativa, já sabia, frustrada, de resolução do cálculo! Na minha cabeça cantava, como se fosse uma canção: nove vezes nove oitenta e um! Era o que eu conseguia me lembrar! Como, então, resolver aquele cálculo?

Percebendo que eu também não conseguia, a professora anunciou que eu me dirigisse para o "canto"!

Senti toda a injustiça de que estava sendo objeto! Uma força interna irreprimível me fez falar!

Anunciei à professora que "eu não iria para o canto porque aquilo era uma atitude errada e injusta comigo e com todos os alunos!"

Cena seguinte, sou expulsa da sala e da escola!

Enxergo-me, ainda agora, a descer as escadas sozinha, enquanto a professora me acompanhava com o olhar fulminante.

As lágrimas, abundantes, escorriam pela face, enquanto eu pensava o que ia fazer.

Acontece que eu não ia sozinha à escola. Ia com meu irmão e irmã, mais velhos que eu. O irmão mais moço ainda não frequentava a escola. Naquele momento, meu irmão e minha irmã estavam em suas respectivas salas. Nada sabiam...

Ao chegar à rua, enfrentei a chuva, que se misturou às lágrimas, enquanto decidia o que fazer...

Lembrei-me, então, que meu pai trabalhava a algumas quadras dali.

Embora o trânsito, naquele tempo, ainda não fosse intenso, as ruas que eu precisei atravessar eram de grande movimento sempre.

Eu chorava, quando entrei na loja em que meu pai trabalhava. Ele se assustou ao me ver, porque, em nenhum instante, pensara  me ver entrar ali, sozinha, chorando, expulsa da escola pela professora!

No momento seguinte, ele me conduzia de volta à escola.

Ao chegar à sala de aula, abriu a porta, conduziu-me ao famoso "canto". Disse à professora que falaria com ela à tarde, junto com minha mãe e a diretora da escola.

Lá fui eu, reconduzida ao injusto castigo.

Naquela tarde, intensas foram as conversações a esse respeito na escola.

Hoje penso que a professora teve sorte com o modo firme, seguro, mas amistoso, como meus pais gerenciaram a questão.

Não sei se a professora entendeu o quanto havia sido injusta, severa demais, evidenciando nenhum preparo para o exercício da tarefa educacional.

O ano letivo, depois do conturbado episódio, transcorreu com ainda mais ajuda em casa, muitas conversas sobre o ocorrido, mas nenhum incentivo à minha atitude rebelde.

Sentia eu, no entanto, que, embora meus pais não me apoiassem diretamente, me orientavam de longe e devagar.

Penso hoje que foi graças ao apoio que tive em casa que não passei a detestar o estudo. Ao contrário, meu entusiasmo pelo saber continuou crescendo sempre.

Todavia, a cada situação de estresse escolar, meus intestinos se rebelavam prontamente...
No ano seguinte, acredito, fui recompensada pela presença de uma professora afetuosa, gentil, receptiva e doce. Quando lembro da professora Vera Maria Menna Barreto, professora da terceira série, sinto profunda saudade e gratidão.

Nas manhãs de frio, costumávamos, as alunas, caminhar em direção à sala de aula de braços com a professora. A cada dia, nos revezávamos em tão agradável tarefa.

Tão fofinha em seu casaco de pele (nada politicamente correto nos dias de hoje...). Alta, olhos claros, atitudes delicadas, embora severas, quando necessário, para que não passássemos do limite, o que não fazíamos, porque  ela nos despertava profundo respeito e admiração.

Os anos que se seguiram foram muito importantes para um bom aprendizado escolar. Isso me levou ao ingresso no Colégio Estadual de Bagé, referência de ensino de qualidade na época e ainda hoje, através de Exame de Admissão ao Ginásio, uma prova disputadíssima, no final do ano de 1959.

Alí eu estudaria pelos próximos sete anos, fazendo o Ginásio de 1960 a 1963. O Científico de 1964 a 1966. No ano de 1967, ingressava na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Bagé para o meu primeiro curso de nível superior.

Ao longo da vida, tenho agido sempre conforme o fundamento que me foi entregue em concepção, eu acredito. Acrescido do aprendizado familiar, vivencial, tornei-me um ser humano de esperança, de sinceridade, de crença, de fé...Valores imprescindíveis para um viver de verdade!

Muitas as lições aprendidas ao longo do caminho, desde as primeiras impressas em folhas de papel, passando por todas as demais de vivência e convivência, às vezes fáceis, noutras nem tanto, mas todas gravadas indelevelmente na mente, na memória, no coração, fazendo e fundamentando a vida.

Todas aprendidas como Minhas Lições!
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Publicado em Contos ao entardecer
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11 de abril de 2013

"April Love"...



"April Love"...
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(À Poetisamiga Vera Luiza dos Santos Vaz!)

J.J. Oliveira Gonçalves

Ah, a cálida, cândida, bela e inesquecível Primavera do Amor... Aquela Primavera do filme, sim. E, também, a minha - que a adolescência encanecida não me deixa esquecer. Ao contrário,  rega - religiosamente! - suas flores pretéritas com reminiscente cuidado e inviolável Carinho.

Lembro-me, como se fosse hoje, desse filme que narra a história de um Amor nos moldes de antigamente... Lirismo na tela. Romantismo explícito e piegas para os corações que - por razões que não consigo imaginar - não se abrem à linguagem simples e espontânea do Amor... Da Paixão confessa que não tem vergonha nem se diminui, (muito pelo contrário), ante a voz interior dos Sentimentos, ou aos arroubos malucos e imortais da Alma...

O cenário é naturalmente bucólico - uma fazenda - onde Pat Boone e Shirley Jones tecem um Amor tão belo quanto é bela e sonhadora a vida nos roseirais primaveris da Existência! Há um cavalo - feito de carisma e inteligência - que, coadjuvante da singular história, que faz com que nós, também, o cuidemos e treinemos, (juntamente com Pat Boone), para as corridas de sulky - um tipo de carrinho onde o "piloto" ou "jóquei" vai sentado, e é puxado pelo cavalo. Incrível como  aquelas cenas das corridas se "mexem", se movem, em minhas envelhecidas e enternecidas lembranças...

Mas, junte-se a todas essas recordações, a música que é a trilha do filme: "April Love" - "Primavera do Amor". Teve um tempo em que eu lembrava de toda a letra, espontaneamente. Ah, como eu gostava de cantarolar essas melodias românticas que emolduravam, marcavam e traziam  de volta os filmes que também nos marcavam... Têm coisas, acontecimentos e nuanças da vida que ficam feito tatuagens em nossa Alma - a pastorear o Espírito! E a música é, das Artes, creio que  mais "se gruda" em nossas "paredes" íntimas, abissais... Adoro música! Me fazem um bem danado ao corpo e à Alma - com certeza! Pat Boone é um daqueles cantores diferenciados que nos embala o Sonho, com a doçura e a calidez de sua voz cheia, redonda, afinadíssima, romântica... Para o bom gosto de meu ouvido e para a sensibilidade de minhas Emoções, Pat Boone é um dos maiores e mais carismáticos cantores americanos de uma época que deixou seu personalíssimo timbre na história e na esteira dos grandes e inimitáveis cantores americanos.

Mas, não pretendia escrever tudo o que escrevi sobre o filme. No entanto, bisbilhotando em meu arquivo musical, reencontrei esta gostosíssima , sonora e lírica melodia com Pat Boone. Então, se acordaram los recuerdos... Me vi adolescente por inteiro. Voltei às ruas e calçadas de Bagé - onde nasci. Me vi - de novo - morando na Gen. Neto e, posteriormente, na Gen. Sampaio. De repente, meus Sonhos me sorriram, novamente. Novamente, tive todos os meus Amores, (que já passaram para o Outro lado da Vida), torcendo por mim e me oferecendo o mesmo Amor que a eles ofereci. Sei: foi uma emotiva Viagem Espiritual ao Passado. Passado que canto tanto em prosa e verso e, creiam: não o canto por cantar, nem canto em vão!

Ah... E entre tantas e tão amorosas relembranças, lá estava o pequeno poeta... O tímido e franzino guri do "Estadual", com sua Musinha de flamantes e fragrantes 16 anos... Lá estava o "Cine Avenida" - moderno, aconchegante e confortável... Ah, lá estava - na "Sessão Vermouth" lotada, (de um agora suspiroso domingo), "April Love"... Numa tela imensa e imaculadamente branca e generosa...

Ó, Orpheu: por que me escolheste para ser poeta? Por que, Orpheu, não me permitiste ser apenas um homem-comum? Ou um louco que - alienado - sorri para todos, para a Vida, para si mesmo e de si mesmo? Não vês, Orpheu, que Sofro de Dor incurável e de uma Melancolia que, de nascença, já me matou - embora eu continue aqui? Aqui, onde tudo começou... Aqui, onde vivo por viver... Sem poder voltar às Carícias indeléveis das mãos sedosas e amanhecidas do Passado... Pois, é... Orpheu...

Porto Alegre, 09 de Abril - Dia de Aniversário da CAPPAZ/ 2013. 23h23min
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