24 de dezembro de 2020

Diário da Pandemia - especial de Natal, 281º dia

 

                                            Imagem Google dos arquivos do Fabio

Diário da Pandemia - especial de Natal, 281º dia

Fabio Schaffner

24 de dezembro e nós aqui, confinados. Todo mundo sabia que havia riscos de uma segunda onda, mas ninguém imaginava celebrar o Natal por videoconferência. Antes, a piada era que a família se emperiquitava para ficar na sala. Agora, o cara se arruma pra ficar sozinho abanando para a câmera do celular. Pior é a falta de perspectivas. A pandemia acabou com o Natal, o Réveillon, o veraneio e o carnaval. Pelo menos pra mim. Tem muita gente por aí numa aglomeração suicida, como se a pandemia tivesse acabado. Deve ser espírito natalino covídico, essa alucinação coletiva que faz as crianças acreditarem no Papai Noel e os adultos no Osmar Terra. Vai saber...

O certo é que vai longe a peste e logo ali, no alvorecer de 2021, estaremos alcançando a marca dos 200 mil mortos. Nem a Páscoa está a salvo num país em que o governo nega não só a gravidade da doença, mas também a cura. Quase três milhões de pessoas já foram vacinadas mundo afora, mas por aqui segue a cantilena da cloroquina, uma mistificação criada por políticos que tripudiam da esperança alheia enquanto UTIs e necrotérios seguem lotados.

Comecei esse diário em 19 de março, o dia em que Porto Alegre registrou o primeiro caso de transmissão comunitária – ou seja, não dava mais para saber quem pegou de quem. Duzentos e oitenta dias depois, estamos batendo recordes de mortes diárias. O que parecia um arrefecimento da pandemia ali em setembro, quando cansei de escrever sobre a desgraça cotidiana, era só recuo pra pegar impulso. O resultado é essa nova voadora a nos abater o peito justo quando o abraço é tão fundamental, o afago tão necessário, sobretudo depois de nove meses sem chegar perto de muitos daqueles que amamos. Não está sendo fácil, já cantava a Kátia. Mas vamos em frente. Pode ser nosso Natal mais difícil, mas, se a gente se cuidar, não será o último.

Boas Festas a todos!

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Fabio Schaffner é Bageense, Jornalista do Grupo RBS, e publica desde o dia 19 de março seu Diário da Pandemia nas redes sociais.

16 de dezembro de 2020

Assim seja!

                                                                                     Fotografia Luiz Carlos Vaz



Assim seja!

Eliana Valença

Às vezes me faltam palavras, às vezes quando as tenho em profusão, não sei como usá-las.

Não sou hábil com elas, por vezes ficamos de mal e, com a intenção de acentuar sua importância, passo a me comunicar só com imagens.  Sei que ela se ressente...

Mas depois ela entende que é por nunca usá-la para fins duvidosos ou mentirosos que me nego a fazê-la de confete para quem não mereça, ou defender causa com a qual não concorde.

Não é à toa que nossa primeira palavra neste mundo é comemorada e lembrada, às vezes, por toda a vida por nossos familiares.

Nossas últimas palavras também vão ficar por muito tempo na mente de quem nos há de lembrar.

Então, nada mais justo, que esse intervalo seja preenchido de forma mais verdadeira possível: às vezes, dura e cortante, outras, doce e harmoniosa; talvez determinada e firme ou quem sabe, imperceptível ao resto do mundo, por soarem como um sopro suave no ouvido de alguém. Mas sempre coerentes com as ideias e atitudes. E por tantas vezes, tirá-la de cena, saber que sua ausência é o melhor a fazer. Silenciar é preciso!

Palavras iniciaram guerras e também selaram períodos de paz. Hoje é usada para os fins mais inescrupulosos... são tempos obscuros para a palavra. E imagino a incredulidade de alguém, daqui há algumas gerações, achar no Google, entre aspas, algumas citações de autoridades de nossos dias.

Palavras podem nos ferir profundamente mas serão também a nossa cura.

Enfim, a maneira mais usada para demonstrar impressões, emoções e sentimentos não deve ser usada em vão.

Portanto, não espere do outro palavras doces, quando ele assim não está; não espere do próximo as mesmas palavras que saem da sua boca, mas também não se ofenda se elas não andarem na mesma direção das suas.

E embora nem sempre se consiga, procure usar as palavras com cuidado e com respeito que elas merecem buscando dar a elas o verdadeiro sentido que elas têm: sagradas.

Assim seja!

Eliana Valença, Dezembro/2020

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Eliana Valença é Artista Plástica, Professora e edita o Blog da Eli Ana Valença
que pode ser acessado clicando aqui
 http://liavalenca.blogspot.com/


12 de dezembro de 2020

O Sulque de Rodas vermelhas

 

                                                              Fotografia Luiz Carlos Vaz

O Sulque de Rodas vermelhas

Luiz Calos Vaz

Há uns trinta anos, lá no século passado, numa tarde ainda quente de março, eu andava por uma das calles de Montevideo, despacito, saboreando un helado de chocolate, quando entrei em uma livraria. Vira daqui, mexe dali, e me deparei com um livro cuja capa trazia uma ilustração que sempre esteve no meu imaginário quando li, por primeira vez, o conto O Sulque de Rodas Vermelhas, do Schlee.

Esse conto faz parte do livro Linha Divisória, lançado em 1988, pela Editora Melhoramentos. Por muitos anos tentei roteirizar o conto para o cinema, pelo seu conteúdo dramático, sua beleza fotográfica, e sua narrativa cinematográfica. Mas, a prudência falou mais alto, e a história de Doña Lydia, a “quitandeira uruguaia, que ficara viúva de um brasileiro bêbado, que morrera num bochincho depois de levar uma tuzina de rebenque, e que lhe deixara seis filhos para criar, numa escadinha de um a sete anos”... ainda espera um roteirista à sua altura. Certa vez falei desse meu desejo para o Perin, mas estávamos envolvidos com outras coisas e passou... numa dessas, quem sabe?

Quando ajudei a Marlene na organização do livro Os Vinte Melhores Contos de AGS, edição comemorativa ao aniversário de 80 anos do Escritor, na lista que coletamos durante vários meses junto aos seus leitores, o “meu conto” não teve votos suficientes e não constou na publicação de Edições Ardotempo, de Alfredo Aquino, finamente impressa na Gráfica Mosca, em Montevideo. Outros vinte, tão melhores e tão marcantes para seus leitores, foram os escolhidos.

Um dia desses, remexendo nos meus arquivos, encontrei o registro fotográfico que fiz da dedicatória do tal livro que achei naquela livraria e que comprei para o Schlee. Era um dicionário de expressões populares, isso eu lembro bem, mas não recordava que o autor era José María Obaldia, o mesmo Obaldia que o Schlee cita na abertura do seu Dicionário da Cultura Pampeana-sul-riograndense, quando nos brinda com a máxima desse autor uruguaio: “A fala, quem faz é o povo!”

E lá na capa daquele livro de Obaldia - “El habla del pago”, que achei em Montevideo, há trinta anos, e que dei ao Schlee, o que vemos? Ora... O Sulque de Rodas Vermelhas, claro, que era o sonho de Doña Lydia... “Um sulque de altas rodas vermelhas, pretinho, que seria puxado pelo cavalo manso que carregava a pipa.” O cavalo que puxa o sulque, não dá para ver direito, mas, ao invés do petiço manso, bem que poderia ser Punto Fijo, o que tinha “a cara branca, entre malacara e picaço porque não era nem uma coisa nem outra, nem claro e nem escuro, sendo antes lubuno, só com a estrela de meio dos olhos, escorrendo até o focinho de narinas e beiços cor-de-rosa. Cavalo baldoso que nem puxava água, mas aguentava os quase cem quilos de Doña Lydia se desiquilibrando por cima”... E mais, é possível que o Sulque esteja indo visitar Paco e Terezita...

Isso faz tempo, mas podemos usar ainda hoje a expressão colhida por Obaldia junto ao povo sobre nosso despresidente e o vírus:

“Mirá que dos: el reumatismo y la tos!”

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Luiz Carlos Vaz é Jornalista, Fotógrafo e Editor deste Blog

7 de dezembro de 2020

No te rindas

Foto do Google


No te rindas

Mario Benedetti

 

No te rindas, aún estás a tiempo

De alcanzar y comenzar de nuevo,

Aceptar tus sombras,

Enterrar tus miedos,

Liberar el lastre,

Retomar el vuelo.

No te rindas que la vida es eso,

Continuar el viaje,

Perseguir tus sueños,

Destrabar el tiempo,

Correr los escombros,

Y destapar el cielo.

No te rindas, por favor no cedas,

Aunque el frío queme,

Aunque el miedo muerda,

Aunque el sol se esconda,

Y se calle el viento,

Aún hay fuego en tu alma

Aún hay vida en tus sueños.

Porque la vida es tuya y tuyo también el deseo

Porque lo has querido y porque te quiero

Porque existe el vino y el amor, es cierto.

Porque no hay heridas que no cure el tiempo.

Abrir las puertas,

Quitar los cerrojos,

Abandonar las murallas que te protegieron,

Vivir la vida y aceptar el reto,

Recuperar la risa,

Ensayar un canto,

Bajar la guardia y extender las manos

Desplegar las alas

E intentar de nuevo,

Celebrar la vida y retomar los cielos.

No te rindas, por favor no cedas,

Aunque el frío queme,

Aunque el miedo muerda,

Aunque el sol se ponga y se calle el viento,

Aún hay fuego en tu alma,

Aún hay vida en tus sueños

Porque cada día es un comienzo nuevo,

Porque esta es la hora y el mejor momento.

Porque no estás solo, porque yo te quiero.

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O presidente do Uruguai, Tabare Vázques faz seu último discurso no cargo. Seu partido, a Frente Ampla, governou o país durante 15 anos e perdeu a eleição para Luis Lacalle Pou, do Partido Nacional. Diante de milhares de eleitores, Tabare reforçou a importância da luta política ao declamar o poema "Não Te Rendas", de Mario Benedetti. Assista o vídeo e leia o poema completo no link a seguir. https://www.youtube.com/watch?v=SfKPN8B20kk


4 de dezembro de 2020

É O QUE TEMOS PARA O MOMENTO

 

                                                                   Foto Luiz Carlos Vaz

É O QUE TEMOS PARA O MOMENTO

(cerveja quente e comida fria)

 

Ângelo Alfonsin

 

 

Sentado à beira do precipício

Dos precipitados

A memória pede moratória

Para lembrar que existo

O corpo doi-codi

O tempo exige alteração

No Código de Hamurabi

Óculos por óculos

Prótese por prótese

O Robocop me disse

Não ter jogo de cintura

É uma roubada

Na  Milícia Fashion Week

Destacam-se os corpos cadavéricos

Das modelos vestindo elegantemente

Seus ossos esculturais

A morte jamais sai de moda

A vida é um cursinho de verão

"Corrida contra o destino de pobre"

Alguém precisa não viver para sustentar

Os zumbis da vida pública

A profissão do futuro é coveiro

Influencer

Profissão eterna

Que ternamente nos coloca 7 palmos

Dentro dos piores corações

Sob uma salva de palmas

Ou vaia com Dios

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Ângelo Alfonsin é Poeta. E é meu amigo.