12 de dezembro de 2020

O Sulque de Rodas vermelhas

 

                                                              Fotografia Luiz Carlos Vaz

O Sulque de Rodas vermelhas

Luiz Calos Vaz

Há uns trinta anos, lá no século passado, numa tarde ainda quente de março, eu andava por uma das calles de Montevideo, despacito, saboreando un helado de chocolate, quando entrei em uma livraria. Vira daqui, mexe dali, e me deparei com um livro cuja capa trazia uma ilustração que sempre esteve no meu imaginário quando li, por primeira vez, o conto O Sulque de Rodas Vermelhas, do Schlee.

Esse conto faz parte do livro Linha Divisória, lançado em 1988, pela Editora Melhoramentos. Por muitos anos tentei roteirizar o conto para o cinema, pelo seu conteúdo dramático, sua beleza fotográfica, e sua narrativa cinematográfica. Mas, a prudência falou mais alto, e a história de Doña Lydia, a “quitandeira uruguaia, que ficara viúva de um brasileiro bêbado, que morrera num bochincho depois de levar uma tuzina de rebenque, e que lhe deixara seis filhos para criar, numa escadinha de um a sete anos”... ainda espera um roteirista à sua altura. Certa vez falei desse meu desejo para o Perin, mas estávamos envolvidos com outras coisas e passou... numa dessas, quem sabe?

Quando ajudei a Marlene na organização do livro Os Vinte Melhores Contos de AGS, edição comemorativa ao aniversário de 80 anos do Escritor, na lista que coletamos durante vários meses junto aos seus leitores, o “meu conto” não teve votos suficientes e não constou na publicação de Edições Ardotempo, de Alfredo Aquino, finamente impressa na Gráfica Mosca, em Montevideo. Outros vinte, tão melhores e tão marcantes para seus leitores, foram os escolhidos.

Um dia desses, remexendo nos meus arquivos, encontrei o registro fotográfico que fiz da dedicatória do tal livro que achei naquela livraria e que comprei para o Schlee. Era um dicionário de expressões populares, isso eu lembro bem, mas não recordava que o autor era José María Obaldia, o mesmo Obaldia que o Schlee cita na abertura do seu Dicionário da Cultura Pampeana-sul-riograndense, quando nos brinda com a máxima desse autor uruguaio: “A fala, quem faz é o povo!”

E lá na capa daquele livro de Obaldia - “El habla del pago”, que achei em Montevideo, há trinta anos, e que dei ao Schlee, o que vemos? Ora... O Sulque de Rodas Vermelhas, claro, que era o sonho de Doña Lydia... “Um sulque de altas rodas vermelhas, pretinho, que seria puxado pelo cavalo manso que carregava a pipa.” O cavalo que puxa o sulque, não dá para ver direito, mas, ao invés do petiço manso, bem que poderia ser Punto Fijo, o que tinha “a cara branca, entre malacara e picaço porque não era nem uma coisa nem outra, nem claro e nem escuro, sendo antes lubuno, só com a estrela de meio dos olhos, escorrendo até o focinho de narinas e beiços cor-de-rosa. Cavalo baldoso que nem puxava água, mas aguentava os quase cem quilos de Doña Lydia se desiquilibrando por cima”... E mais, é possível que o Sulque esteja indo visitar Paco e Terezita...

Isso faz tempo, mas podemos usar ainda hoje a expressão colhida por Obaldia junto ao povo sobre nosso despresidente e o vírus:

“Mirá que dos: el reumatismo y la tos!”

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Luiz Carlos Vaz é Jornalista, Fotógrafo e Editor deste Blog

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