24 de fevereiro de 2010

Antigos mestres - V

O professor Boaventura era mais parecido com o Mandrake
do que o próprio Mandrake


Mas diferente mesmo era o Prof Boaventura Miele da Rosa. E por um único e raro motivo. O professor Boaventura era iniciado nas artes do ilusionismo, da prestigitação, ou seja, era mágico. Sim, isto mesmo: mágico. Sua aparência lembrava o herói dos quadrinhos do Lee Falk, o Mandrake, que morava em Xanadu com a princesa Narda (1). Era um homem alto, sempre de terno escuro, camisa branca, gravata borboleta e cabelos levemente grisalhos penteados para trás, fixados com ajuda de alguma Glostora, e um bigodinho fino e estudado. Era o avatar do Mandrake. Seguidamente fazia apresentações em festas, quermesses e... na sala de aula. Vez por outra, ao adentrar em classe, e sem dizer nada, arregaçava as mangas do casaco como fazem os verdadeiros mágicos, e movimentando as mãos com habilidade, fazia aparecer e desaparecer entre os dedos, bolinhas, cachimbos, lenços.... Mas isso durava dois ou três minutos. Assim como começava, terminava. Recompunha as mangas do casaco e passava a fazer a chamada como se aquilo tivesse sido nossa imaginação. Por instantes ficávamos nos perguntando: que homem é esse? Mas era só o professor Boaventura, nosso professor de Desenho, que logo após a chamada percorria as classes para examinar as pontas dos nossos lápis. Não era raro sacar de seu afiadíssimo canivete e providenciar uma ponta digna de um florete para que iniciássemos nossos traçados de retas e curvas. Mais tarde, quando o Estadual já nos dera "régua e compasso", os gestos mágicos do professor Boaventura ainda povoariam nossa nostálgica lembrança do colégio que, por muito tempo, manteve ao lado da inspetoria de alunos um "Quadro dos alunos suspensos" com os nomes dos colegas, digamos, mais salientes. O desenho dessa grade, que dia a dia ia acrescentando uns nomes e retirando outros, era semanalmente feito pelo nosso mestre do ilusionismo. O preenchimento dos nossos nomes no quadro, feitos com a caligrafia grotesca dos inspetores de disciplina, não era digno do meticuloso traçado à giz feito por nosso querido Mandrake. Mas o registro dos nossos nomes nesse quadro, minunciosamente desenhado à giz, hoje já não tem mais nenhuma importância. São lembranças que se pulverizaram no tempo como num passe de mágica. Aplausos... pano rápido. O espetáculo do quadro terminou. Mandrake já está no camarim retirando a maquiagem e nós aqui hoje pensando... Porque foi mesmo que o nosso nome foi parar no quadro desenhado pelo professor Boaventura?
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(1) Outro personagem de Lee Falk, o Fantasma, já foi assunto do Blog no post Leitura de férias - III, de 6 de fevereiro de 2010.
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5 comentários:

Hamilton Caio disse...

Que belo texto! Fiz uma viagem ao final dos anos 50, através das palavras, sem precisar da "Máquina do Tempo", do H. G. Wells. Estávamos na aula esperando o professor Boaventura chegar. De repente, adentra aquela figura característica, alto, com seu elegante traje e a indefectível gravata borboleta, um rápido cumprimento aos alunos e a sequência do ritual dos passes de mágicas. Rapidamente, terminou, saímos daquele transe com um ... bem, na última aula havíamos visto ... acordei lá, meio século atrás, e acordei aqui, agora, na frente da tela do pc!

Unknown disse...

É, Luiz Carlos, grande lembrança de um grande mestre. Onde andará?

Luiz Carlos Vaz disse...

Pois é Pedro, vamos ter que apelar ao Hamilton, que postou o comentário ai acima, ou a outros colegas de Bagé para nos darem essa resposta. Será que já desapareceu "como num passe de mágica"?

Domingos Fernando Müller Figueira disse...

Fui aluno deste grande MESTRE.
Em 77, acredito eu. Merecido texto como homenagem a esta figura inigmática, e que passou por nossas vidas, mas deixou inapagável lembrança. E sua exigência era implacável. Sempre queria as tarefas de casa. Grande mestre, grande pessoa, Bageense dos BUENOS...

Luiz Carlos Vaz disse...

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