7 de março de 2010

O pai da Teté

Bagé prepara-se para comemorar seus 200 anos. Dentro deste espírito o Blog da Velha Guarda do Estadual tem procurado através de suas postagens resgatar a história e a memória não só do Estadual mas também da cidade. Falamos de acontecimentos, de lugares e de pessoas. E, sem dúvida, uma das figuras mais raras que viveu em nossa terra foi Pedro Wayne. Recentemente sua obra foi motivo de estudo pós doutoral da professora da UFPel Dra Cristina Rosa. Pedimos a professora que escrevesse para o Blog sobre Pedro Wayne. Atendendo-nos de forma muito gentil a professora Cristina nos brindou com este magnífico texto que reproduzimos a seguir para os nossos leitores.

Capa do livro sobre Pedro Wayne escrito pela Dra Cistina Rosa
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Um Alfabeto à Parte:
Biobibliografia de Pedro Rubens de Freitas Weyne, o Pedro Wayne
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Cristina Maria Rosa (1)
.. .O escritor Pedro Wayne viveu e escreveu na primeira metade do século XX. Seu livro mais conhecido é “Xarqueada”, uma obra encantadora, repleta de um Rio Grande do Sul que sempre existiu. Nascido em 1904 em Salvador, veio menino para Pelotas. Aqui, viveu entre bailes no Caixeiral, aprendizados nas praças e ruas e estudos, muitos, no Gonzaga e Pelotense. Foi um dos que trabalharam no Banco Pelotense, em Bagé, quando esse, o banco, era uma potência no Brasil.
Em Bagé, Pedro viveu a adultez, casou-se e teve filhos, escreveu muito e influenciou pessoas. É considerado um “animador cultural” por todos os que integraram o “Clube de Bagé”, nome dado a um grupo de desenhistas, gravuristas, pintores e poetas que, influenciados por Danúbio Gonçalves, criaram o “Clube de Gravuras”. A influência exercida sobre os jovens de Bagé é reconhecida pelos laços que Pedro mantinha com os modernistas, de Oswald e Mário de Andrade a Menocci Del Pichia.
O grupo foi denominado “Novos de Bagé” por Clóvis Assumpção: nele, Pedro foi uma figura respeitada, um interlocutor generoso que possibilitou o nascimento organizado da arte de vanguarda. Entre esses “novos” estiveram, entre outros, Glauco Rodrigues, Jacy Maraschin, Glenio Bianchetti, Ernesto Wayne, Fernando Borba, Tarcisio Taborda, Mario Lopes, Paulo Passos, Dr. Bidu e eventualmente o poeta Poty Reis.
Precocemente falecido em 1951, o poeta e romancista foi editado no Rio Grande do Sul (Globo, 1931, 1935, 1943 e 1947) e no Rio de Janeiro (Guanabara, 1937 e Pongetti, 1942). Sua obra é pouco conhecida e muito rara. Entre seus textos inéditos, encontrei um manuscrito que estava entre os guardados familiares: é um interessante livro de literatura infantil escrito por Pedro para “alfabetizar” a filha Ester, à época, com quatro ou cinco anos.
Composto por três manuscritos – “Histórias da Teté”, “Outras Histórias da Teté” e “Continuam as Histórias da Teté” – o conjunto foi conservado por aproximadamente 70 anos entre documentos, fotos, livros e demais lembranças na família de Pedro Wayne. Foi a partir desse legado que pude conhecer – e registrar – a história desse modernista brasileiro, autor de obras valorosas e quase um desconhecido na historia da literatura.
Em “Um Alfabeto à Parte: Biobibliografia de Pedro Rubens de Freitas Weyne, o Pedro Wayne” – livro que publiquei em 2009 e dediquei à Leopoldina Almeida Calo Wayne (viúva do escritor), ao gravurista Danúbio Gonçalves e ao poeta e amigo de Pedro, Poty Reis – pude explorar a biografia de Wayne, sua produção, seus amores e seu legado.
Com a obra “Um Alfabeto à Parte...” obtive o reconhecimento de Regina Zilberman, uma das maiores autoridades em Literatura no Brasil, do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, através do selo de apoio editorial, e da Editora Praça da Matriz do amigo de Pedro, José Carlos Teixeira Giorgis. Esse reconhecimento se deve, com certeza, a obra de Pedro, a preservação de documentos raros que a família me oportunizou conhecer e, também, ao tratamento que dei a seu legado.
Hoje, “Histórias de Teté” já tem uma edição própria, cuidado que o antropólogo e professor da UFRGS Sérgio Teixeira teve com os originais. Esse cuidado oportunizou que “Histórias da Teté” passassem a integrar a História da Cultura Escrita – em especial a historiografia da literatura infantil.
Ao investigar a importância de “Histórias de Teté” na História dos Métodos de Ensino da Leitura e da Alfabetização no Brasil percebi que ele era mais que um “manual” ou “cartilha” para ensinar a ler. Pelo contrário, poderia ser filiado à literatura infantil emergente à época, representada pela obra de Lobato e, logo depois, Érico Verissimo. Para Zilberman (2009) a criação do livro indica a sensibilidade de Wayne, pois, segundo a estudiosa, “ainda que no âmbito privado e sem pretensões de torná-lo público, Pedro Wayne pode “dar vazão a um texto inteiramente revolucionário que, passados quase setenta anos de sua elaboração, mostra-se ainda novo e inovador, como se tivesse vindo à luz há muito pouco tempo”.
.Créditos:
ROSA, Cristina Maria. Um Alfabeto à Parte: Biobibliografia de Pedro Rubens de Freitas Weyne, o Pedro Wayne. Apresentação: Regina Zilberman. Editora e Gráfica da UFPel: Pelotas, RS, 2009.
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(1) Cristina Rosa, natural de Santa Rosa, noroeste do Rio Grande do Sul, estudou em Santa Maria (na UFSM - Pedagogia e Mestrado em Educação) e em Porto Alegre (na UFRGS - Doutorado em Educação). Atualmente prepara-se para conhecer Minas Gerais onde realizará estágio pós-doutoral (UFMG). Na UFPel é professora do Curso de Pedagogia e, eventualmente, de outros cursos. Adora ler, tem um programa de rádio durante a feira do livro na Rádio Federal FM, 107.9 Mhz, da UFPel. É mãe do Guillermo e amiga do Vaz". (2)
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(2) Pedi para minha amiga Cris "cinco linhas" para colocar aqui neste lugar. Não cortei nada...
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18 comentários:

Ézio Sauco disse...

Brilhante. Parabéns Cristina Rosa. Lembro do dia do lançamento na Feira do Livro de Bagé.
Pedro Wayne era gênial, entrevistei o Danúbio no inicio do ano e ele vez um rápido comentário sobre este velho amigo, sempre lembrando dos outros vários também.
Parabéns mais uma vez!!!

Ézio Sauco disse...

A dona Didinha nos deixou naqueles dias que antecederam, ou já nos primeiros dias, da XII Feira do Livro de Bagé.

Luiz Carlos Vaz disse...

Ézio, ainda há muito para se dizer e escrever sobre o Pedro Wayne e sua obra. Creio que a professora Cristina Rosa, ao pesquisar documentos inéditos dele e publicar o livro, criou em nós a obrigação de estudar mais sobre sua vida em Bagé.
Um abraço.

Cristina Rosa disse...

Olá
Realmente, Ézio, Dina Wayne nos deixou alguns dias antes do lançamento do livro. Tenho sua voz guardada em muitas horas de gravação de sua memória e não esqueço suas declarações de amor infinito a Pedro.
Escrever esse livro foi uma seleção que fiz de muitas outras possibilidades pois os documentos inexplorados e guardados ainda são muitos.
Penso que Vaz lançou uma excelente idéia e Bagé não pode deixar de cultuar a herança que recebeu.
Um abraço
Cristina Rosa

Helena Ortiz disse...

Por que nunca me falaste deste blog?
Não sou do Estadual, mas me interessa a história e a literatura. E os textos também são muito bons.
Vamos em frente.
Grande abraço

Luiz Carlos Vaz disse...

Oi Helena. Estamos apenas com três meses... divulgando devagarinho. Obrigado pelo incentivo.
Abração

Ézio Sauco disse...

Certamente. Existe muito material do Pedro Wayne, assim como existe um vasto material do Ernesto Wayne ainda inédito.
É um trabalho que vale a pena abraçar.

Luiz Carlos Vaz disse...

Pois é, a família Wayne deixou suas marcas na cidade. Vamos estudá-las. Quem mais se habilita?

Hamilton Caio disse...

Foi um tesouro cultural, Cristina Rosa, o encontro dos manuscritos do Pedro Wayne. Revelou mais esse lado do mestre, na literatura para crianças. Pareceu-me um arqueólogo vasculhando material antigo e, de repente, deparando com um achado valioso. Agora, o público infantil rio-grandense já conta com mais um autor gaúcho em suas prateleiras. E, pedindo licença para a estimada professora, é bom lembrar aos colegas que, o nome "Xarqueada" foi grafado de propósito com "X", no lugar do "ch", conforme a gramática. O autor assim batizou sua criação, com "x", e, ponto final. Ficou até mais expressivo.

Hamilton Caio disse...

Nessa questão de grafia, do mesmo modo, Bagé nasceu com "g", mas, alguns teimosos, não ligados à tradição cultural, tentaram promover a escrita correta, com "j". Porém, os pais da cidade batizaram com "g",e , ponto final. Vai daí, a lógica manda que "bageense", também, seja grafado com "g". Erechim, por sua vez, entrou nessa onda. A turma do "X" andou tentando, mas não levou. Novamente, a tradição cultural prevalesceu. Para terminar, existem municípios com o nome de Lages, com "g", em Santa Catarina, nosso vizinho do sul; na Bahia, Sergipe, Alagoas, Ceará, Piauí e Maranhão. E, Lajes, grafado com "j", nos estados de Minas Gerais, Alagoas, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará. Será que algum "purista", aqui do sul, se habilita a levantar essa polêmica da grafia, nesses estados, atropelando a tradição local ? Certamente, não será um aluno ou um admirador do Estadual.

Luiz Carlos Vaz disse...

Boa polêmica Hamilton. Nesses momentos sempre recorro ao professor Marcos Bagno, autor de "A língua de Eulália" e "Preconceito linguístico". Com a palavra a professora Dra Cristina Rosa.

Igor Vaz disse...

Na verdade quem anda promovendo esta mudança de grafia é um jornal "BAJEENSE" que ainda não completou a maioridade.
Que saudade do nosso saudoso BAGEENSE Correio Do Sul.

Luiz Carlos Vaz disse...

Igor, que saudade do Waldemar Reis, o mineiro que dirigiu por muito tempo o Correio do Sul. Era pai do Francisco Reis, nosso colega de aula, hoje jornalista e morador de Nova York...

Cristina Rosa disse...

Olá, Hamilton
Realmente o trabalho foi empolgante. O que aconteceu, na verdade, foi que parti da descoberta do manuscrito para depois conhecer Pedro Wayne.
Com relação à grafia de Xarqueada, ouve interferência de Jorge Amado e Erico Verissimo, amigos de Pedro à época. Exploro essa informação em meu livro...
Abraço
Cristina

Cristina Rosa disse...

Olá
Reli todos os comentários hoje, março de 2011, quando preparo um artigo sobre as personagens mulheres que Pedro Wayne inventou em sua obra em prosa.
E cada vez que releio Xarqueada e Almas Penadas, sinto uma emoção muito grande se penso que, nos anos 30, não havia personagens do porte de Guriazinha, Tona, Tia Antonia, Vera, Daniela, Neusa e Joaninha Pepé na ficção do RS.
Pedro Wayne merece ser lido, estudado, reconhecido.
Abraço em ti, Vaz
Cristina

Luiz Carlos Vaz disse...

Oi Cris!!!
Saudades de conversar contigo ao nosso microfone predileto.
Bjus
Vaz

jurvi disse...

Maravilha!! Sinto-me privilegiada por também contribuir ao menos um pouquinho para que a memória destes ilustres bageenses, que foram os Waynes, mantenha-se preservada. Ralmente Pedro Wayne foi um hoem fantástico assim como ele, o filho Ernesto também foi um idealizador, um defensor das artes plásticas e da literatura em todos os sentidos. O livro da Cristina é fantástico. Ainda não concluí a leitura, mas recomendo a todos.Parabéns à autora.

Anônimo disse...

Sem subestimar os métodos para pilotar o tempo, do tipo Neotrilad,Posec e Pomodoro escrevo neste momento, sustentado por forças ascendentes advindas de um bom momento biorrítmico e ciclológico.Neste espaço webiano quero registrar o meu respeito pelo portentosa publicação biobliográfica realizada pela Cristina Rosa.Minha mulher(neta do Pedro)e minha sogra(nora do Pedro)pensam o mesmo.Alcir B Q Brito