17 de março de 2010

Vai parar na esquina!

Muita calma numa manhã de domingo em Bagé
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A Claudete enviou para o Blog uma série de antigos postais de Bagé. Neles se observa uma cidade com pouquíssimo movimento e um número reduzido de automóveis circulando. Claro, a fotografia deve ter sido tomada num domingo ou feriado. Pela alegoria em forma de estrela que aparece colocada no prédio ao lado do Charrua parece ser época de Natal. O Estadual já devia estar em férias... Um ônibus da Empresa Frederico aparece dobrando a esquina da Avenida Sete em direção à rua General Netto. Mesmo sendo apenas uma fotografia, consigo ver esse ônibus se deslocando bem devagar, sem pressa nenhuma, levando os passageiros em direção ao bairro São Judas. Não há roleta. O cobrador se move por entre as pessoas que estão em pé e tem entre os dedos anular e médio as notas de um, cinco, dez e até vinte cruzeiros, dobradas no sentido longitudinal. Ele coloca as notas de maior valor por baixo e as de menor valor por cima do maço. Ele olha os passageiros que sinalizaram que vão descer, ouve a insistente campainha soar mais de uma vez e diz, como parte da sua rotina: “Vai parar na esquina!” O motorista para o veículo e aciona a chave do ar comprimido que abre a porta: shshsh, os passageiros descem, e o cobrador diz automaticamente: “Leva!” E o ônibus da Empresa Frederico agora já está passando em frente a Casa Alegre, depois vai parar perto do QG, depois em frente à antiga Gelsa, vai passar os trilhos... o cobrador agora está sentado em um banco que vagou. O ônibus já passou a ponte do passo do Bernardo ali atrás da Artilharia, após os trilhos a rua é de terra batida, o pó entra pelas janelas, nenhum passageiro mais sobe ou desce, umas oito ou dez pessoas vão baixar no fim da linha. Depois ele vai fazer uma volta e vai ficar parado em direção à cidade, esperar uns 40 minutos e sair novamente. Uma senhora que usa luto fechado e sombrinha, e que vai até a Vila Vicentina visitar um parente, já está na parada há pelos menos 15 minutos. Não há pressa. É domingo. O sol de dezembro castiga a todos, não corre uma brisa sequer. Não se ouve nenhum barulho, apenas o sino da Igreja São Judas quebra o silêncio da manhã de domingo em Bagé. O velho ônibus da Empresa Frederico aciona o motor, uma fumaça escura sai pelo escapamento. A senhora da sombrinha já entrou e sentou-se no primeiro banco. O ônibus parte lentamente. O cobrador aproxima-se da senhora. Ele tem entre os dedos anular e médio as notas de um, cinco, dez e até vinte cruzeiros...
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4 comentários:

Claudete disse...

Mas se fosse em um dia em que o ônibus estivesse lotado, o cobrador diria: "um passinho à frente, faz favor!" ou "quem não desce, dá o lado!" Admirava a destreza do cobrador em manusear aquela "tira" de dinheiro, destacar o canhoto da passagem (é isso mesmo, canhoto!), passar pelo meio dos passageiros, dar o troco, saber quem já tinha pago e ainda puxar a cordinha...E ainda gritando!

Luiz Carlos Vaz disse...

Claudete, que maravilha! Eu entrei no "clima de domingo" e esqueci essas frases fundamentais. Acho até que esqueci de deixar a "passagem" naquela urna de vidro que havia na saída, ao lado do motorista...

Hamilton Caio disse...

É uma imagem de Bagé do tempo do "ringuedoze", se preparando para novos desafios nos anos 70. O Bazar da Moda ainda era aquele com a fachada escura dos anos 40/50. Na esquina, o "Banco Nacional do Commercio" já tinha perdido o duplo "m" no nome, mas, bem pintado, continuava a fazer "passes" (hoje, ordens de pagamento). Havia uma placa metálica presa a um bloco de madeira, com esse nome, "PASSES", sobre o balcão, indicando o lugar onde um funcionário fazia essa operação. Onde andarão essas plaquinhas ? No primeiro plano da foto, o pretenso edifício modernista que tomou o lugar do grande monumento da era das charqueadas, o Mercado Público, que apareceu no post "O filho de Dona Severina". Os ônibus da Frederico ainda eram os "gostosões" (nome popular pelo qual eram conhecidos) do começo da década de 50, os quais substituiram os antigos que tinham o motor fora da cabine. Aqueles, vistos hoje, pareceriam caminhões adaptados com cabine para passageiros, iguais àqueles horrorosos que sempre aparecem nos filmes com temas americanos. Estacionados, pouco acima do banco, parecem ser dois belos "Simca Chambord", um carrão da época, e de cada lado da rua duas "Rural Willys", o utilitário da época. Subindo tranquilamente a Sete, um carro Austin branco, próximo aos Simcas, talvez modelo 1950. Já os dois carros do primeiro plano estão difíceis de identificar. No último plano sobressai o edifício Dom Diogo. A turma do Estadual "pegava" os colegas com a história de que "teriam que desmanchar três andares desse edifício, porque estava fazendo sombra em Dom Pedrito". Nessa pitoresca e agradável descrição de um percurso da linha do ônibus, em que cita a maneira do cobrador segurar as cédulas, dobradas longitudinalmente, lembramos que esse hábito acabava deixando um vinco muito marcado nas cédulas, o que ocasionava, em pouco tempo, o corte da nota ao meio. Era comum elas serem coladas com fita adesiva. Ao deparar com uma dessas notas bem vincadas, ficávamos imaginando quantas viagens ela teria feito entre o centro e os bairros da cidade. Como a Claudete falou, também sempre nos chamou a atenção a capacidade do cobrador exercendo seu ofício, com múltiplas tarefas ao mesmo tempo.

Luiz Carlos Vaz disse...

Existem certas figuras, como essa do cobrador que vendia as "passagens", caminhando dentro do ônibus, que precisavam ser depositadas um uma urna transparente, na saída, que são difíceis de se imaginar que existiram.