![]() |
Garis do Rio de Janeiro no blog Integrada e Marginal |
Eu sou gari
Helena Ortiz (*)
Do que eu me
lembro, comida era para comer e o resto era para as galinhas. A carne era
embrulhada em jornal e o pão vinha num saco de papel.
Hoje as galinhas
não precisam mais de comida porque também não são mais as galinhas que eram e a
gente nem tem mais quintal e muito menos galinheiro. Além disso, os jornais
também estão contaminados e os sacos de papel custam os olhos da cara em lojas
de embalagens.
Nada era
descartável. Nem a palavra existia. A ordem era guardar. Sempre havia como
aproveitar. E é claro que havia oficinas de consertos que consertavam mil vezes
o mesmo aparelho.
E então chegou a
palavra: descartável. E as embalagens, indestrutíveis.
Fomos
inapelavelmente invadidos pelas embalagens em nome da higiene.
Até para tomar
um côco tem que ser na garrafinha de plástico, para gelar. E lá vem o canudo
com envelope. E tudo para o mesmo lixo.
Faço compras na
feira. Um abacaxi descascado vem envolto num plástico dentro de uma sacola de
plástico.
No supermercado:
frios em bandejas de isopor cobertos por plásticos. Para doces, dois docinhos
só, uma caixa (com tampa, de plástico) Se você quiser comprar uma salada
pronta, ela vem até com bandeja (descartável) para comer na cama.
Li recentemente
que agora, nos restaurantes, até mesmo os pratos (os talheres já são) terão que
receber invólucros de plástico.
Se você resolve
comprar um equipamento eletrônico ou eletrodoméstico levará dois séculos para
se livrar da caixa de papelão, do isopor, do plástico bolha, da fita colante.
Mas você pensa que é só botar na lixeira e tudo está bem. O problema não é mais
seu.
Toda essa
sujeira foi inventada para resguardar a sua saúde, amigos. Para livrá-los das
bactérias, dos vírus, dos coliformes fecais e outros resíduos – enfrentados
diariamente por quem? Pelo gari. Aquele mesmo, que passa correndo, suando,
sentindo o cheiro infecto da sua comida, do seu cocô, ouvindo buzinas e
desaforos de pessoas que “precisam” chegar em casa para fazer mais lixo.
Onde foi que
tudo isso começou? Porque esse deslumbramento com o lixo plástico? Coisa de
subdesenvolvidos. A gente vira e mexe e dá sempre nesse lugar-comum.
Emergentes, só se conseguirmos romper a camada de plástico e metais que
infestam lagoas e mares.
A única coisa
certa é que foi tudo uma armadilha.
Os garis estão
em greve no Rio de Janeiro. Mas nem por isso as pessoas deixarão de consumir o
“seu” iogurte, a “sua” água com gás, “o seu” refrigerante favorito. Brasileiro
não junta uma coisa com a outra.
E francamente:
Alguém precisa se desfazer da tampa do vaso sanitário, daquela poltrona velha
ou do entulho da obra no banheiro justamente quando os garis estão em greve?
Isso é sujeira.
A coisa mais
importante dos últimos tempos foi a invenção de uma máquina, por um japonês,
que converte plástico em petróleo, resolvendo dois problemas de uma só vez.
Muita gente fala
até hoje em como o Japão conseguiu recuperar as cidades bombardeadas na guerra.
Verdade que recebeu uma montanha de dinheiro. Mas e daí? Não fosse o povo
empenhado na ação coletiva, nada teria acontecido.
Mas aqui é o
Brasil, um país que cultua o lixo. E esquece o lixeiro.
______________________________________________________________
(*) Helena Ortiz é escritora, poeta e publica o Blog Integrada e Marginal
.
2 comentários:
Helena é demais, mais até do que a própria Helena, sua concorrente mais aguerrida.
Um texto para ler em voz alta.
Abraços.
Uma Helena maiúscula, Ângelo. Um abraço.
Postar um comentário