15 de dezembro de 2019

Faleceu o "Padre" Carlos

Foto publicada na rede social
Sergio Saraiva (*)


Meu professor de religião no Colégio Estadual de Bagé, o padre Carlos Moraes, depois colega jornalista e escritor (me antecedeu no Prêmio Jabuti), foi o preso político mais próximo dos meus tempos de guri já comprometido com as coisas do mundo. Pegou cadeia no início dos 70 por ser dissidente da ditadura, sem cometer crime algum, num local que depois virou mercado. Na sua antiga cela se vendia flores. Irmão do meu professor de português Guido Moraes. Tentei encontrá-lo em São Paulo, onde trabalhei alguns anos, e sei da sua amizade com gente amiga que muito prezo. Foi da equipe da revista Realidade e depois editor das revistas de bordo da Varig (Ícaro) e Transbrasil. Que pena que não o reencontrei antes dessa notícia triste. Aos 78 anos completados dia 14. Jovem, muito jovem.

Eduardo Tavares (**)


Muito triste com a partida repentina do amigo jornalista,escritor e professor Carlos Moraes. Gaúcho de Lavras do Sul,radicado em São Paulo, foi da equipe da Realidade, editor da Ícaro, Transbrasil e autor de diversos livros e vencedor do Prêmio Jabuti. Uma pessoa íntegra, generosa e muito bem humorada.

Que tristeza... Mais um cara sensível que se vai. Pra quem não sabe quem foi Carlos Moraes, o amigo Sérgio Saraiva fez uma pequena síntese desse grande humanista.

"Gaúcho de Cerro Branco, distrito de Lavras do Sul (RS), mudou-se para Bagé ainda criança. De família religiosa, entrou para o seminário aos 12 anos e foi ordenado sacerdote aos 25, já durante a Ditadura Militar. Após sete anos de sacerdócio, em 1972, foi julgado e preso pelo regime militar com base na Lei de Segurança Nacional. Seus sermões incisivos provocaram a ira dos militares de Bagé, cidade onde havia “muito quartel para pouco comunista. Por isso, quando os comunistas acabaram, eles começaram a perseguir seus assemelhados”.


Na cadeia havia cerca de 100 presos, todos por crimes leves, outros com certas perturbações psicológicas. “Havia a maior concentração de filósofos e ladrões de ovelha por metro quadrado”. A rotina era tomada por partidas de futebol disputadas entre torcedores do Internacional contra torcedores do Grêmio, casados contra solteiros, negros contra brancos. “Tinha vontade de dividir os times de acordo com o código penal também: assaltante de sítio contra assalto a mão armada, ladrão de joias contra ladrão de ovelhas”.

As memórias inspiraram o semi-biográfico Agora Deus vai te pegar lá fora – Anotações de um padre preso numa cidade sem zoológico (Record, 2004). Nele, conta a história de um padre à espera de dois alvarás de soltura: um espiritual e outro material. Um vindo de Roma, no qual pede dispensa de seus votos religiosos, e outro de Brasília, em que apela de sua condenação pela Justiça Militar da época. O autor mistura realidade e ficção, dedicando às cenas mais surrealistas a maior dose de veracidade, e recheando com cruciantes reflexões dos tempos de cárcere. “Falam muito em espírito de cantina, corporativismo, e tal, mas acho que todo homem tem direito, sim, a uma rua do mundo onde possa caminhar sem um juiz a cada esquina, e se desabotoar um pouco das vãs expectativas a seu respeito, e se sentir querido mesmo por quem sabe da sua miséria. Uma rua onde, acossado, ele possa bater pique como nas brincadeiras de infância. Essa rua pode ser alguém”.

Após 8 meses de prisão, foi libertado e radicou-se em São Paulo (SP), onde teve seu “primeiro jeans, o primeiro cheque, foi pela primeira vez a uma festa, teve seu primeiro amor”. O período pós-sacerdócio a encarar o mundo a seco inspiraram outra obra, Desculpem, sou novo aqui (Record, 2009), na qual o autor narra as peripécias de um padre que larga a batina para conseguir um emprego na cidade grande. As situações inusitadas de um interiorano, virgem de maledicências, desembarcando na metrópole que nunca dorme, explora as dificuldades e contradições cotidianas do personagem principal descobrindo o mundo, o amor e o Corinthians.

O processo ainda corria em Roma quando Carlos Moraes foi estudar jornalismo na Fundação Cásper Líbero. Logo conseguiu um emprego na revista Realidade, onde uma das primeiras pautas propostas a ele foi sobre a primeira noite de um ex-padre. “Brincavam comigo, diziam para eu espalhar que quem dava aos padres emprestava a Deus”. Foi por meio da revista que começou sua paixão pelo Corinthians, quando escreveu uma matéria sobre a torcida.

Já nessa época ele obtivera o “alvará de soltura” de Roma. “Percebi que poderia viver o evangelho sem o limite da igreja. Como padre, eu tinha a sensação de que iria levar toda uma vida cuidando das velhinhas condenadas à salvação. As instituições não correspondem aos questionamentos do indivíduo. Nem a instituição Igreja nem a instituição casamento nem a instituição empresa. A única instituição que corresponde a tudo é o Corinthians”. 

(*) Ex-aluno do Estadual
(**) Amigo de Carlos e Sérgio, postou na rede social o texto acima.

25 de outubro de 2019

Minha Ilha Misteriosa

A nova Edição Hetzel, impressa na Espanha


Minha Ilha Misteriosa

Luiz Carlos Vaz (*)

Os obstáculos existem para serem vencidos;
quanto aos perigos,
quem pode se orgulhar de fugir deles?
Tudo é perigo na vida.
Jules Gabriel Verne

Jules Gabriel Verne é o meu guru! Não adianta procurar na memória nomes de parentes, professores, políticos, cientistas... não adianta. Jules ganhou meu coração, minha mente e minha imaginação quando eu tinha só dez anos de idade. Aquele homem nascido em Nantes, 123 anos antes de mim, transformou minha vida do guri simples, lá da Hulha Negra e, certamente, de outros milhões de outros jovens pelo mundo e pelo tempo afora.

Ter lido A volta ao mundo em 80 dias, e depois assistido no Cine Avenida o filme com James David Graham Niven e Fortino Mario Alfonso Moreno Reyes - o Cantinflas, vivendo os papéis de Mr. Phileas Fogg e Jean Passepartout, sacramentou minha condição de dependência literária ao escritor Júlio Verne, como traduzimos seu nome por aqui.

Ele, e mais dois ou três autores, são os que recomendei sempre aos meus filhos e a qualquer jovem que demonstre interesse pela leitura dos clássicos juvenis. Além de A volta ao mundo..., Vinte Mil Léguas Submarinas, A ilha misteriosa, Viagem ao centro da terra e outras tantas das suas 51 aventuras, deveriam ser, ainda hoje, 156 anos depois da publicação de sua primeiro livro - Cinco semanas em um balão, em 1863 -  leitura obrigatória para todas as crianças que desejam sonhar, imaginar e despertar a criatividade.

Júlio Verne antecipou a maioria dos “inventos modernos” e as possíveis e impossíveis conquistas científicas da humanidade um século antes. Para nossa sorte, viveu à frente de seu tempo e nos legou uma vasta obra que encanta ainda hoje a todos que o leem.

Foi ele, de certa forma, que despertou em mim o gosto por viajar, conhecer o mundo. Já andei por vários lugares... Menos do que devia, no entanto, mais do que podia...

Não posso descrever a alegria, a satisfação, a emoção... sei lá que soma de sentimentos foram, quando meu filho, ontem, me presenteou com uma nova edição de A volta ao mundo em 80 dias, desta vez, comprada por ele. Sei lá, mas foi um alento nesses dias tão tristes e violentos em que vivemos. Dias de agressões à Cultura e às Artes em geral. Numa mistura de Capitão Nemo e William W. Kolderup, me senti forte, rejuvenescido e em condições de defender “minha ilha misteriosa” dos ataques da ignorância, do atraso e do obscurantismo que tentam nos tirar a alegria de viver!

Longue vie à Monsieur Jules!

(*) Luiz Carlos Vaz, jornalista e editor do Blog


23 de outubro de 2019

O choro do Coringa





Imagens: Divulgação


O choro do Coringa

Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar

Angenor de Oliveira, o Cartola


Luiz Carlos Vaz (*)

Há um Coringa dentro de todos nós que ri. Ri para não chorar, como dizia o Angenor de Oliveira. A pessoa que se comporta assim com frequência é portadora da Síndrome Pseudobulbar, diz a ciência. Essa síndrome alterna as reações do rir e do chorar em situações ditas inapropriadas.

Mas Arthur Fleck não tem apenas a Síndrome Pseudobulbar. Ele é um compêndio ambulante de sintomas causados por afetos mal resolvidos, abandonos, traumas de infância, problemas sociais e familiares de toda ordem. Ele tem todos os motivos do mundo para odiar os membros da “certinha” família Wayne.

Morar com a mãe, tão ou mais traumatizada do que ele, reforça a cada dia e a cada momento todos os sintomas do homem que ganha a vida como um palhaço propagandista que caminha triste, por trás de uma máscara alegre, pelas ruas de Gothan City.

As possíveis revelações, as verdades ou as mentiras, que poderiam conter nas respostas às cartas que sua mãe envia, e que nunca chegam na sua caixa de correspondência, acabam fazendo com que o palhaço portador da Síndrome Pseudobulbar vá ao encontro dessas respostas, ao encontro do seu passado, e nelas encontre o seu futuro, o seu destino. Mas a memória criada pela Senhora Penny Fleck, que mais busca uma ajuda financeira do que respostas às suas cartas, é fruto mais de sua imaginação do que da realidade.

É impressionante como alguns filmes polêmicos, ditos violentos por boa parte da crítica, têm chegado até nós, os “mansos”, os que “herdarão a terra”... Eles carregam um pouco dessa nova violência, dessa violência dos tempos atuais. Violência do abandono, da banalização da morte, da mentira e da imaginação; das fake news, da manipulação de massas proveniente dos laboratórios de formação de opinião pública, que produzem uma enorme quantidade de informações que não geram conhecimento algum!  Não percebemos o quanto temos nos transformado em jokers dia após dia.

O filme Coringa não é violento. Não é triste. O momento em que vivemos é que é. Triste e violento. Há um Coringa dentro de todos nós. E um senhor Wayne dentro de alguns de nós. Há muitas Pennys e muitos Jokers. Muitos com pouco. Poucos com muito. Muitos com quase nada. Poucos com quase tudo.

E você, que me lê agora? O que quer? Rir ou chorar? E eu? Ora eu... Deixe-me ir, preciso andar, vou por aí a procurar, rir pra não chorar. Quero assistir ao sol nascer, ver as águas dos rios correr, ouvir os pássaros cantar. Eu quero nascer, quero viver... Deixe-me ir, preciso andar, vou por aí a procurar, rir pra não chorar. Se alguém por mim perguntar, diga que eu só vou voltar depois que me encontrar.

(*) Luiz Carlos Vaz, jornalista e editor do Blog

14 de outubro de 2019

Por que hoje é Domingo!

Divulgação


Por que hoje é Domingo!

Parafraseando Vinícius,
na epígrafe de O Dia da Criação,

“Macho e fêmea os criou.
Bíblia: Gênese, 1, 27”

Luiz Carlos Vaz

Fui assistir Domingo. E era um sábado. Um filme rodado na cidade onde moro, que mostra lugares e pessoas que conheço, já é um bom álibi para comer dois ou três pacotinhos de Bibs, ou um saco, tamanho G, daquela pipoca fedorenta e gostosa sem sentir remorso algum.

Fiz como em Bacurau por conselho de um amigo cinéfilo que me disse “vai assistir e não lê nada antes a respeito de Bacurau”. Fui sem ler nada sobre Domingo.

Domingo se passa num fim de semana, na virada de 2002 para 2003. Em um churrasco é apresentada a realidade de uma família conservadora de classe média, dessas que se sentem muito mais próximas das pessoas que faturam 50 ou 70 mil por mês, do que daqueles que ganham apenas mil; ou seja, apenas cinco ou sete vezes menos do que eles. C'est la vie!

Domingo mostra que as questões como sexualidade e gênero assustam mais a família média brasileira do que o adultério ou mesmo as relações quase incestuosas, desde que estas sejam entre “macho e fêmea”, como sentenciou Deus no livro da Gênese. Entre homem e mulher vale o que quiser, só não vale dançar homem com homem e mulher com mulher, já cantava o Tim, antes de dizer, claro, que agora vale tudo! Amores impossíveis entre patrão e empregado, professor e aluna, filho da casa com filha da empregada... tudo pode acontecer, afinal, será entre macho e fêmea.

Empregado pobre com medo do comunismo (mas não acabou em 89?), e os patrões classe média (que se portam como ricos) com medo das futuras obrigações trabalhistas com relação a esse empregado idoso, tão ou mais conservador do que eles... e tudo num domingo, com churrasco de ovelha carneada no dia, na virada do ano, à beira do Arroio Pelotas, num casarão velho e precisando de reformas... na data histórica em que um operário analfabeto assume a presidência do Brasil.

Acredito que você, meu querido leitor, tenha ficado curioso pois o filme só está sendo comentado nessas tais redes sociais. Há um silêncio obsequioso por parta da chamada “grande média” e por parte dos críticos bondosos da sétima arte roliudiana. Mas... se você acha - ou vive dizendo - que não existe mais esquerda e direita, pois o muro caiu em 1989, e insiste em repetir que a luta de classes é coisa da esquerda, vá assistir Domingo. Mismo que sea una vez, solamente una vez!

Preferiblemente nun Sábado.
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Luiz Carlos Vaz, jornalista e editor do Blog

20 de setembro de 2019

Der Trafikant, ou A Tabacaria de Sigmund

Cartaz do filme                                                   Foto: L.C.Vaz


Der Trafikant, ou A Tabacaria de Sigmund

Luiz Carlos Vaz (*)
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos (e pesadelos) do mundo.
A Tabacaria, Álvaro de Campos

Por recomendação da amiga Suzana fui ao cinema assistir A Tabacaria. À primeira vista, é claro que lembramos de Fernando Pessoa. Mas não há qualquer referência a ele ou a qualquer de seus heterônimos.

O filme, que foi lançado no Brasil este mês (Der Trafikant teve estreia nacional dia 5 de setembro), é ambientado na Viena de 1937 e conta a história da impossível ou improvável amizade que surge entre Freud e um jovem de 17 anos.

Por recomendação de sua mãe, o jovem deixa o interior da Áustria para a capital, a fim de trabalhar numa tabacaria frequentada regularmente pelo já reconhecido psicanalista. Na “cidade grande” Franz conhece e se apaixona por uma “experiente corista” da Boêmia, Anezka, descobre a história de um dos charutos preferidos de Freud, e também meus, os Hoyo de Monterrey, aprende como deve ler jornais e como enfrentar o desamor.
Acompanha a ascensão do Reich, se enoja com o comportamento abjeto dos traidores da pátria ao mesmo tempo em que anota freneticamente seus pesadelos e sonhos, por recomendação de Freud, assim como também “sonha” em poder deitar um dia em seu famoso divã.

O filme aborda o pesadelo recorrente do nazismo que sempre assombrou a Europa, afinal, ele nasceu, morreu e ressuscitou lá. Faz pouco tempo que esse pesadelo, digno de ser anotado e levado até o Dr. Sigmund para análise, começou também a nos perturbar.

Todos sabemos que a América passou a ser o endereço de milhares de nazistas no pós-guerra. Mas... como estamos em 2019, também sabemos que nenhum deles sobreviveu. O que sobreviveu foi a ideia. Porque ideias não morrem. Sobrevivem aos seus criadores como semente ruim em meio à terra fértil pouco cultivada.

Ironias cinematográficas à parte, é interessante ver o ator Bruno Ganz, recentemente falecido (16 fevereiro de 2019) que celebrizou as cenas de Hitler no filme A queda, interpretar o Dr. Freud fugindo justamente do nazismo.

Ultimamente o cinema tem me tirado o fôlego. Mas, com ou sem fôlego, o que não quero é que me tirem o cinema, embora esteja mais para Otto Trsnjek do que para Franz Huchel... Por via das dúvidas estou anotando desde já todos os meus sonhos e pesadelos.

P/S Um dia desses encontrei o meu amigo Armando com um boton novo na lapela. Elogiei e ele disse: É Fernando Pessoa, um Regalo que a querida Manu me trouxe de Lisboa. Respondi, Armando, Pessoa não usava barba, esse é Freud! E não é que essa história juntou uma Tabacaria, como a de Pessoa, e o Freud da lapela do Armando?

Mas... eu insisto com o Armando. É Freud. Pessoa usava só um bigodinho. Tirem suas conclusões olhando a foto.

(*) Jornalista, fotógrafo e editor deste Blog

17 de setembro de 2019

“As lanternas da cidade” – VIII, Fim de partida

Arquivo do autor


Fim de partida

Angelo Alfonsin

no dia que vim embora
minha mãe gritou muitos
ais
não para que eu ficasse
mas que me mandasse
dali
estava doendo aquela
saída
não era saudade
nem medo
um mangue de cobrir a cara
de caretas rindo do meu
primeiro embate
de santo guerreiro contra o dragão
da realidade
a gritaria da mãe era de corar
as paredes
resfolegando como o último trem
da estação
era o início de aprender
que a vida cobra uma fortuna
pelo ar respirado
mesmo dos afortunados
para usar a alcunha de vivos
com a compreensão eternamente torta
do que possa ser essa alucinação
em que se é expulso quando se pensa
ter chegado
e
deportado quando não se tem mais
para onde ir

14 de setembro de 2019

Meu formigueiro, minha vida!

Algumas fotos que fiz das invasões e um cartaz de filme


Meu formigueiro, minha vida!

Luiz Carlos Vaz (*)

dedicado ao poeta Pedro Gonzaga

Pela terceira vez num espaço de três anos, formigas que devem ter um comando central em algum lugar aqui da parede do prédio, se alojam na tampa da minha garrafa térmica e começam uma ocupação prá valer. Só percebo os sinais da invasão anual pré primaveril quando, tomando mate de manhã cedo, num repente, surge uma invasora desesperada fugindo do excesso de calor na tampa-ninho-berçário.

Como já desmontei e remontei mais de uma vez as inúmeras peças que compõe a tampa-sifão em cada ocorrência, e higienizei tudo com detergente, sabão e até com álcool para tirar qualquer vestígio de rota, cheiro, feromônio, mapa... penso em comunicar à NASA o fato, pois esses pequenos seres me parecem, que além de teimosos, são alienígenas em busca de vida inteligente por aqui. Mas... logo agora?

Creio firmemente que as pioneiras da descoberta do lugar “quente, agradável e protegido de predadores”, deixaram um caminho, uma meta, um compromisso... na memória genética do grupo para as próximas gerações a fim de garantir o futuro dessa espécie.

Lembro sempre dos velhos filmes de ficção científica de Hollywood quando esses minúsculos e ainda desconhecidos seres, tão combatidos durante milênios, foram protagonistas de diversas cenas de suspense em cinemas lotados. 

Mas... cá para nós, por que tinham que escolher logo a tampa da minha garrafa térmica de estimação? Estou pensando em comprar uma garrafa sem sifão ou passar a tomar mate usando uma tradicional chaleira de ferro...

A propósito, alguém aceita convite para matear comigo amanhã cedo?

Para meditar, o poema
Formigas do Colorado, do
Pedro Gonzaga

À luz de um sol branco
- dezembro arde em Porto Alegre -
busco abrigo às cegas
na fachada do antigo sebo
tantas vezes percorrida
em horas mais cálidas.

Mergulho na penumbra,
e um cheiro doce
quem sabe a mofo
brota dos cadáveres,
silenciosos e encadernados faraós
desprovidos de pirâmides.

Enquanto meus olhos
se acostumam à noite ali dentro
meus dedos percorrem com vaga cautela
as estantes empenadas em que
livros de fantasiosas ciências,
roucos,
apelam da escuridão:
um compêndio de biologia,
um tratado de química orgânica em espanhol
que cansou de dizer a realidade em 1940,
tantos carbonos e hidrogênios
inutilmente
desperdiçados.

Pouco depois,
uma grossa lombada diz
em inglês
Formigas do Colorado.

Assusta-me o fato de que um homem
perdido entre longínquas montanhas
tenha dedicado sua vida às
formigas do Colorado.

Que promessa de felicidade terrena
ou eterna
pode levar alguém
a dedicar a força de seus membros
a usina de seu cérebro
o combustível limitado das gônadas
às formigas do Colorado?

Quase posso vê-lo,
senhor das formigas,
circunspecto
lustroso de autoridade,
garboso na sala decorada com esmero
madeiras escuras
e envernizadas
o feltro verde sob o tampo
o digno gabinete
do digno autor de
Formigas do Colorado.

Você não tem seriedade,
mr. Gonzaga,
você se farta na galhofa.
Onde está sua obra,
mr. Gonzaga,
onde está o seu legado?

A custo
penso nos dois volumes de contos
e no exíguo livro de versos
à espera de publicação.

Uma coisa, no entanto, me consola,
senhor Formigas do Colorado,
e a você dedico este semi-sorriso frouxo
que meus lábios não labutam para manter:
eu estou aqui,
vivo,
meu sangue ferve,
posso ser fera esta noite,
meus músculos vibram
e tenho uma mulher
que me espera.

Tudo isso passa, eu sei,
mas, ah,
que se fodam
as formigas do Colorado.

2 de setembro de 2019

Pegue uma canção triste e torne-a melhor

Imagem promocional


Pegue uma canção triste e torne-a melhor

Yestarday, o filme

Luiz Carlos Vaz (*)

No fundo o filme Yesterday é apenas mais uma história de amor. Como assim “apenas mais uma história de amor?”

Sim, é! Mas é uma história de amor com muitas referências a outros filmes, outros momentos, do cinema e da arte, para poucos entenderem, alguns apreciarem e para todos curtirem. Ed Sheeran ao perceber o talento de Malik relembra Amadeus, do Milos Forman, dizendo a ele “eu sou apenas Salieri, você é Mozart”. E não só a memória dos Beatles que desapareceu após o blackout mundial, a Coca Cola também sumiu do planeta!!! Em uma cena com Rocky ele faz referência a vontade de fumar um cigarro, ao que o “assistente” responde perguntando o que é cigarro? Muito humor britânico ao “escolherem” no cardápio da lanchonete fish and chips... e a precisão inglesa, também por parte de Rocky, ao cronometrar com detalhes de segundos o tempo que ainda sobrava a eles na gare. No rastro do “desaparecimento da memória dos Beatles”, some também da pesquisa Google o grupo Oasis... mas qual jovem se lembrará que em 1966 Noel Gallagher disse que o disco Definitely Maybe mostravam que sua banda era maior que os Beatles?

Mas Yestarday é uma história de amor... o amor entre Malik e Ellie, que começa aos dez anos de idade, que os transforma em “irmãos”, e é a barreira conservadora para que ele não floresça nos primeiros cinco minutos do filme... Yesterday vai atropelando um pouco nossa emoção por não dar tempo para curtir completamente as músicas que vão compondo a trilha sonora e vão saltando aos pedaços. A apresentação “pela primeira vez” de Let it be, “como se fora um privilégio dado para apenas para três pessoas assistirem Leonardo pintando Mona Lisa”, se transforma em comédia quando o pai diz, para desespero de Malik, “pule a introdução, eu já ouvi três vezes...”
Quando uma empresária caricata de L.A. perceba o possível sucesso de Malik, e o leva aos EUA, onde, no estúdio, rejeita todas as músicas efetivamente de sua autoria, como Summer Song, (ela também só gosta de “Beatles”) Malik começa a ter pesadelos com medo de ser descoberto mundialmente como um enganador... mas seu intuito é de apenas manter a verdade da célebre frase: “o mundo seria bem pior sem o Beatles”... É John, um pintor recluso morando numa casinha à beira da praia, já com 78 anos... que aconselha Malik,
Diga a ela que a ama! Só isso.

Para quem já não aguenta as trapalhadas de Jack Malik, ao final, Hey Jude, com seus generosos seis, oito ou dez minutos, mostram os extensos créditos do filme e nos colocam de volta aos anos sessenta.... 
Hey, Jude
Hey, Jude, não fique mal 
Pegue uma canção triste e torne-a melhor 
Lembre-se de deixá-la entrar em seu coração 
Então você pode começar a melhorar as coisas 
Hey,Jude, não tenha medo 
Você foi feito para ir lá e conquistá-la 
O minuto que você deixá-la debaixo da sua pele 
Então você pode começar a melhorar as coisas 
E qualquer vez que você sentir dor 
Hey, Jude, vá com calma 
Não carregue o mundo nos seus ombros 
Você bem sabe que é tolice 
De quem lida com isso com indiferença
Por deixar este mundo um pouco mais frio 
Na na na na na na na na 
Hey, Jude, não vá me desapontar
Você a encontrou, agora vá e a conquiste 
Lembre-se (Hey, Jude) de deixá-la entrar em seu coração 
Então você pode começar a melhorar as coisas 
Então coloque para fora e deixe entrar
Hey, Jude, comece 
Você está esperando por alguém com quem realizar as coisas 
E você não sabe que essa pessoa é exatamente você? 
Hey, Jude, você vai fazer! 
O movimento que você precisa está nos seus ombros 
Na na na na na na na na 
Hey, Jude, não fique mal 
Pegue uma canção triste e torne-a melhor 
Lembre-se de deixá-la debaixo de sua pele 
Então você começará a melhorar as coisas 
(melhorar, melhorar, melhorar, melhorar, oh!) 
Na, na na na na na, na na na, Hey, Jude 
Na, na na na na na, na na na, Hey, Jude

(*) Luiz Carlos Vaz
    jornalista e editor deste Blog

7 de junho de 2019

A Máquina de Hemingway

A máquina onde foi escrito O velho e o Mar. Foto L.C. Vaz

A máquina que pertenceu a Hemingway agora é minha. Foi um longo caminho desde a Alemanha, passando por Nova York... até chegar ao Brasil, via porto de Rio Grande. Obrigado, José Antonio Hillal! Vou dedicar a ti, e à nossa antiga amizade, a primeira coisa que escrever com ela. Por enquanto ela está passando por uma revisão.

2 de maio de 2019

Amanheci com a Macaca!

Montagem com de fotografias do Google


Amanheci com a Macaca!

Luiz Carlos Vaz


Hoje, exatamente às sete horas e 25 minutos, revi no Max Prime a cena do macaco (*). A cena que mudou a vida do macaco. De todos os macacos. Do cinema... e a minha vida, macaco de auditório que eu era do Cine Avenida lá em Bagé. A cena a que me refiro é uma das cenas iniciais do filme 2001, uma odisseia do espaço, do genial diretor Stanley Kubrick, baseado no livro de outro gênio da raça, Arthur Clark. Na cena, após ter tido contato com o simbólico monolito preto, o macaco adquire repentina inteligência, que a usa para o bem e para o mal, num tempo em que o bem e o mal não haviam sido separados pelos homens... era então a Aurora do Homem. Ou do macaco?

Nesses tempos de hoje, que foram antevistos de forma poética pelo Mario Quintana, relacionei imediatamente minha perplexidade adolescente de então ante a criatividade de Kubrick e a presença do tal monolito, que tira o tal macaco da brutalidade animal e o leva à brutalidade humana. O macaco torna-se perigoso, pois o contato sub-reptício com aquele “livro de filosofia” muda completamente o rumo da sua vida, o da sua família, o do seu povo, o dos seus concorrentes e o da sua descendência.

Creio que estamos precisando urgente de uma Anomalia Magnética Tycho Um. Embrutecidos pela ganância, pelo desejo exacerbado de consumir coisas sem sentido prático e pelo capital predatório explorador, precisamos partir a caminho de nosso Júpiter. As barbaridades não são mais feitas às escondidas, na tal “calada da noite”, durante a Copa ou do Carnaval. São anunciadas ao vivo, pelas tais redes (anti)sociais e nem precisam ser justificadas. Anunciam 40 milhões em emendas para quem votar “com o governo” como se fosse apenas um passe livre para um fim de semana no Beto Carrero. Estamos com um forte sinal de rádio que ensurdece os nossos ouvidos, caímos nas mãos de HAL 9000 que quer nos impedir o contato com os monolitos espalhados pela galáxia das livrarias e universidades.

Precisamos de imediato ir a Júpiter e Além do Infinito. Nosso casulo precisa ser puxado para dentro do túnel de luzes coloridas. Que ele nos desoriente já, nos faça viajar em alta velocidade através de vastas distâncias da ignorância que nos separam da verdadeira democracia. Precisamos ter a experiência de Bowman, antes que estejamos muito velhos, deitados em uma cama... Que o monolito do pensamento nos faça flutuar no espaço, e ao lado de todos, possamos contemplar nossa descendência livre, leve, solta e feliz.

(*) Em dezembro de 2014 nosso grupo de fotografia, pela gentileza especial do Alfredo Aquino, trouxe a Pelotas o fotógrafo francês Pierre Yves Refalo, para uma conversa sobre fotografia, que reuniu inúmeros aficionados dessa arte que nos encanta, na Secult. Fiquei sabendo algum tempo depois, que o primo dele, o Joe Refalo, era um dos atores “dentro dos macacos” do filme 2001... Que coisa, hein? 

Essa vida nos proporciona cada encontro que até o Monolito duvida!!!

Em 2 de maio de 2019