27 de julho de 2020

O Mundo Acabou!

“Triunfo da Morte”, de Pieter Bruegel, o Velho”, 1562 - Museu Nacional do Prado



O Mundo Acabou!

"Levanta,
me serve um café,
que o mundo acabou!"

Nostradamus, Eduardo Dusek

Luiz Carlos Vaz (*)

O mundo acabou. Ufa! Eu já não aguentava mais.

Era muita guerra, muito ódio, muita matança. As pessoas matavam outras pessoas por um par de tênis ou por um celular; por ciúme ou inveja; outras vezes se morria por dívidas com o tráfico, por alguém dirigir bêbado, ou apenas por caminhar sem olhar para baixo... Venenos e remédios matavam muitas pessoas. Barragens que levavam seu barro até a cumeeira das casas mataram cidades inteiras. Mataram bairros, vilas, animais, árvores, pessoas e as memórias todas dessas gentes, desses bichos e desses lugares. Não ficou um só papel de bombom no meio de um livro, não restou uma única fotografia.

Nem vou falar nas guerras feitas pelos homens que habitavam esse mundo. Essa atividade era muito antiga, muito perversa, e não possuía uma só justificativa que a justificasse. Se matava, ou melhor, se mandava matar, em nome de fronteiras divisórias, rios divisores ou linhas imaginárias. Se matava em nome do petróleo da paz, se matava em nome dos diamantes de amor e sangue ou em nome de algum democrático homem deus. Esse mundo que acabou era um mundo de muito matar e pouco viver. Ainda bem que ele acabou.

Foi preciso um vírus, bem mais forte que qualquer outro, agindo e se propagando muito rápido, para “acabar com esse mundo”. Um mundo egoísta, na primeira pessoa, composto de muitos eus e poucos nós. O mundo que ora acaba, não exerceu a solidariedade, o coletivo, o grupal. As fogueiras ancestrais que reuniam os homens há muito haviam se apagado, suas antigas brasas já tinham virado cinzas frias e inertes. O dinheiro acumulado em espécie não conseguiu encher barrigas; os extensos extratos bancários não puderam ser bebidos na hora da sede e as ações da bolsa, como eram só papeis virtuais, não serviram nem para limpar o traseiro; a riqueza acumulada perdeu o sentido, a terra não dividida perdeu a finalidade e as inúmeras chaves não tinham absolutamente mais nenhum segredo para guardar.

Mas... o que eu temo, mesmo, é que o mundo não tenha acabado. Que depois desse meu pesadelo todo, ele tome a vacina, se recupera e continue assim como está, assim como sempre foi. Com centenas de milhares - ou mesmo de milhões, de vidas a menos, sem dúvidas, mas com as mesmas ideias, os mesmos propósitos e os mesmos vícios.

E aí não estaremos recomeçando, estaremos só fazendo um reset. Vai rodar o mesmo programa. E, já sabemos, que o antivírus não funcionou.
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(*) Luiz Carlos Vaz é Jornalista, Fotógrafo e Editor deste Blog

23 de julho de 2020

Os Demônios de Da Vinci

Imagens do Google

Os Demônios de Da Vinci

Luiz Carlos Vaz (*)
“Pensei que podia resolver as coisas como sempre faço.
O inferno acontece… quando o mal do mundo
excede a crença que podemos conquistar.”
Leonardo Da Vinci 

E de repente, em plena quarentena, eu encontro onde assistir as três temporadas - com seus trinta capítulos, de uma série da qual só tinha visto dois ou três episódios iniciais há muito tempo.

Da Vinci's Demons é mais que uma série para a televisão. É uma verdadeira viagem que acompanha os sonhos, as visões e os demônios de Leonardo Da Vinci e, com certeza, também de David S. Goyer, autor e diretor da série, que foi produzida pela Starz, e que teve estreia nos Estados Unidos, no canal Fox, em março de 2013.

A ficção histórica coloca em cena, na Roma dos papas e na Florença dos Medicis, além de Leonardo, outros personagens, como Lucrezia Donati, Lourenço Medici, Giuliano Medici, Andrea del Verrocchio, Lorde Girolamo Riario, Clarice Orsini, Nicolau "Nico" Maquiavel, o Papa Sisto IV e, numa licença poético-histórica, o famoso Príncipe da Valáquia, Vlad Drakul III, ou... o Drácula, para os íntimos.

A busca pelo misterioso, secreto e poderoso “Livro das Folhas”, permeia toda a história do jovem Leo, com 25 anos, que se intitula - e exerce muito bem, a profissão de engenheiro militar, às voltas com suas ideias prodigiosas e maquinarias mirabolantes.

Só que, terminada a série, precisei buscar o meu “livro das folhas” para exorcizar os meus próprios demônios. Reuni para reler, e consultar alguns capítulos, um antigo exemplar de O Príncipe, editado em 1933 por Calvino Filho, que me foi presenteado pelo Clayton; duas edições novas do Maquiavel, o raro Codex Romanoff e o maravilhoso livro do professor Oscar Brisolara, Sancta Luccrezia dei Cattanei, para poder entrar no clima medieval apropriado para a libertação da minha alma.

Na “viagem” que embarquei com todo gosto e na janelinha, tive que ouvir Leonardo dizer, num dos capítulos iniciais da série, que no futuro “ainda iria aperfeiçoar a forma de fixar imagens numa base qualquer usando nitrato de prata...”


E de repente me vejo outra vez numa sala muito escura do Louvre, em frente a uma enorme folha de papel amarelecida pelos séculos, que contém muitos riscos, inúmeros rabiscos, centenas de códigos e milhares de outros sonhos (ou demônios?) feitos pelo homem mais genial que já foi parido nesse mundo! Leonardo di Ser Piero da Vinci.
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(*) Luiz Carlos Vaz é Jornalista, Fotógrafo e Editor deste Blog

7 de julho de 2020

Mirem-se nas Mulheres das Cavernas

Foto do G1


Mirem-se nas Mulheres das Cavernas

ou

Meu Terceiro Cometa

Luiz Carlos Vaz (*)

Fico imaginando como as Mulheres das Cavernas reagiam ao contemplarem, durante dias e dias, a passagem dos cometas. Elas estavam acostumadas, evidente, às fases da Lua, ao nascer e pôr do Sol, aos períodos de frio, calor, chuvas ou ventos. Mas aquele risco de fogo que surgia assim, do nada, e durava “um tempo” certamente despertava um interesse especial. Nunca era o mesmo, e certamente nenhuma delas viu duas vezes o mesmo, mas eles surgiam de tempos em tempos no céu, e não eram como os riscos de fogo, rápidos e brilhantes, que elas viam seguidamente, durante as noites escuras de então. Esses, os cometas, eram acompanhados de uma trilha de fogo, como pegadas, mostrando o caminho percorrido.

Eu estou ficando velho, já vou para o meu terceiro cometa. O primeiro foi o Kohoutek, que vimos ainda em Bagé, em março de 1973. Com um período orbital de 2.278 dias, nem Jesus Cristo tinha visto sua última passagem. Foi descoberto e estudado por um astrônomo checo chamado Luboš Kohoutek. Nessa época a parafernália midiática não era tão avassaladora, e não lembro, e nem conheci depois, alguma criança batizada com o nome Kohoutek. Fico imaginando a mãe gritando “Vem prá dentro, Cutequi de Deus, teu pai vai chegar” ect etc

Mais tarde, eu já era grande, e vi o famoso Cometa Halley, que, mais simpático, passa em intervalos de 75 anos. Uma voltinha pelo xópim e ele já está mostrando a cara outra vez. Esse sim, foi visto duas vezes por muitas pessoas. Teve sua órbita e sua frequência descobertas pelo inglês Edmond Halley, que era além de astrônomo, uma porção de outras coisas, como todo qualquer cientista da época. Nesse ano choveram produtos relacionados ao nome, bonecos, HQs, roupas, mas não chegaram a fazer sucesso. Foi um acontecimento, digamos, meteórico.

Agora é a vez do Cometa Neowise, que já foi fotografado no céu do Líbano e estará à disposição de todos, a olho nu, durante o mês de julho de 2020.

Normalmente, a essas passagens e aparições sempre são associadas coisas como o fim do mundo, o surgimento de pestes ou o nascimento de gêmeos. Não sei se as Mulheres das Cavernas já faziam essas associações. E, quanto aos homens das cavernas, enquanto as Mulheres admiravam os cometas, as estrelas e a Lua, eles lotavam os bares enchendo a cara e não viam porra nenhuma, só preocupados com o cancelamento do futebol naquele período em que estava passando o tal risco de luz no céu.
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(*) Luiz Carlos Vaz é Jornalista, Fotógrafo e Editor deste Blog


6 de julho de 2020

Enquanto você dormia ou O valor do frete de uma boneca inflável

Imagem do Google


Enquanto você dormia

ou

O valor do frete de uma boneca inflável


Luiz Carlos Vaz (*)

Hoje, tão logo me acordei, a Siri percebeu meu bocejo e me passou várias informações sobre o vinho Tokaji e o preço do frete de uma boneca inflável.

Oh, meu Deus! (ou seria... Oh, My Zuckerberg!)

Há tempos comprei um celular Motorola e fui informado que ele possuía “bateria embutida”. Antes, em caso de aquecimento, ou travamento de algum app, era só tirar a bateria do meu Samsung e ele reiniciava e se comportava direitinho como no dia da compra. Com esse já não era mais possível a infalível e insuperável técnica da informática do “sai e entra de novo”. Pouco tempo depois percebi que os celulares dos meus amigos passaram a ter a tal bateria embutida. Ou seja, não seria mais possível tentar ficar invisível. Os aplicativos aos quais você abre mão da sua privacidade a cada vez que instala uma ferramentinha nova, necessitam saber onde você está, o que está comprando, onde está gastando com o cartão crédito e, pior, o que está falando e com quem.

Esse é o preço que se paga por desfrutar dessas maravilhas impensáveis há dez anos, quando uma ligação DDI, ou mesmo DDD, era caríssima e de duvidosa qualidade. Hoje fizemos “lives” de países distantes, com som, imagem, cor e perfume locais. Perfume ainda não? Tá bem, aguardem...

Não se manda mais carta, não se despacha uma cópia da fita VHS pelo correio com imagens da festinha de aniversário da vovó ou do netinho. É tudo via app do seu “celular com bateria embutida”. O preço disso? Zero. Nada. Grátis. Ou... terá um preço? Tem. Esse preço são os seus gostos, suas preferências, suas opções literárias, políticas, sexuais, sociais, gastronômicas... que você a toda hora explicita nas redes sociais postando, comentando ou apenas curtindo com uma mãozinha que faz o sinal de positivo, ou optando por outras quatro ou cinco possiblidades de reação, como nos hieróglifos decifrados por Champollion.

Você é convidado a usar um app que o deixa mais moço, mais velho... é perguntado sobre três coisas que gosta e uma que não gosta... a saber qual seu posicionamento político-social a partir de respostas a meia dúzia de questões. E esse Algoritmo é muito rápido e inteligente mesmo, ele aprende logo que as hashtags que antecedem as palavras coiso, bostonaro, bolsoburro e outros adjetivos, todas se referem à mesma pessoa.

E esse nosso amigo íntimo, esse tal de “Seu Algoritmo” vai acumulando, calculando, armazenando e dirigindo - ou sendo dirigido, pelo desejo ou possibilidade de consumo, pela cor, tamanho e sabor dos produtos da indústria transnacional que é, em última análise, quem paga toda essa sua diversão de ligar de graça pelo WhatsApp, fazer chamadas locais, nacionais, internacionais, individuais - ou em grupos, que é o must dessa Pandemia.

Quantas vezes a Siri já entrou sem ser convidada nas suas conversas? Ela entra, responde, sugere, explica, assim, sem pedir licença para participar da conversa dos adultos, como se fazia lá na Hulha Negra! Você acha que está livre dela? Não percebeu que toda vez escreve – ou fala em voz alta - sozinho ou com outras pessoas, sobre algum produto ou serviço, aparece em seguida na sua “taimelaine” do Facebook, ou na barra lateral do seu e-mail, ofertas que tentam suprir esses seus desejos secretos de destinos viagem, eletroeletrônicos ou uma simples peça de roupa?

Quando acordei (sim, enquanto o celular está paradinho no bidê, ela obsequiosamente permanece calada) e a Siri me deu as informações sem que eu tivesse comentado ou escrito sobre elas, conclui que ando falando alto enquanto durmo. E falando em coisas caras; e falando também algumas bobagens...
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(*) Luiz Carlos Vaz é Jornalista, Fotógrafo e Editor deste Blog