6 de julho de 2020

Enquanto você dormia ou O valor do frete de uma boneca inflável

Imagem do Google


Enquanto você dormia

ou

O valor do frete de uma boneca inflável


Luiz Carlos Vaz (*)

Hoje, tão logo me acordei, a Siri percebeu meu bocejo e me passou várias informações sobre o vinho Tokaji e o preço do frete de uma boneca inflável.

Oh, meu Deus! (ou seria... Oh, My Zuckerberg!)

Há tempos comprei um celular Motorola e fui informado que ele possuía “bateria embutida”. Antes, em caso de aquecimento, ou travamento de algum app, era só tirar a bateria do meu Samsung e ele reiniciava e se comportava direitinho como no dia da compra. Com esse já não era mais possível a infalível e insuperável técnica da informática do “sai e entra de novo”. Pouco tempo depois percebi que os celulares dos meus amigos passaram a ter a tal bateria embutida. Ou seja, não seria mais possível tentar ficar invisível. Os aplicativos aos quais você abre mão da sua privacidade a cada vez que instala uma ferramentinha nova, necessitam saber onde você está, o que está comprando, onde está gastando com o cartão crédito e, pior, o que está falando e com quem.

Esse é o preço que se paga por desfrutar dessas maravilhas impensáveis há dez anos, quando uma ligação DDI, ou mesmo DDD, era caríssima e de duvidosa qualidade. Hoje fizemos “lives” de países distantes, com som, imagem, cor e perfume locais. Perfume ainda não? Tá bem, aguardem...

Não se manda mais carta, não se despacha uma cópia da fita VHS pelo correio com imagens da festinha de aniversário da vovó ou do netinho. É tudo via app do seu “celular com bateria embutida”. O preço disso? Zero. Nada. Grátis. Ou... terá um preço? Tem. Esse preço são os seus gostos, suas preferências, suas opções literárias, políticas, sexuais, sociais, gastronômicas... que você a toda hora explicita nas redes sociais postando, comentando ou apenas curtindo com uma mãozinha que faz o sinal de positivo, ou optando por outras quatro ou cinco possiblidades de reação, como nos hieróglifos decifrados por Champollion.

Você é convidado a usar um app que o deixa mais moço, mais velho... é perguntado sobre três coisas que gosta e uma que não gosta... a saber qual seu posicionamento político-social a partir de respostas a meia dúzia de questões. E esse Algoritmo é muito rápido e inteligente mesmo, ele aprende logo que as hashtags que antecedem as palavras coiso, bostonaro, bolsoburro e outros adjetivos, todas se referem à mesma pessoa.

E esse nosso amigo íntimo, esse tal de “Seu Algoritmo” vai acumulando, calculando, armazenando e dirigindo - ou sendo dirigido, pelo desejo ou possibilidade de consumo, pela cor, tamanho e sabor dos produtos da indústria transnacional que é, em última análise, quem paga toda essa sua diversão de ligar de graça pelo WhatsApp, fazer chamadas locais, nacionais, internacionais, individuais - ou em grupos, que é o must dessa Pandemia.

Quantas vezes a Siri já entrou sem ser convidada nas suas conversas? Ela entra, responde, sugere, explica, assim, sem pedir licença para participar da conversa dos adultos, como se fazia lá na Hulha Negra! Você acha que está livre dela? Não percebeu que toda vez escreve – ou fala em voz alta - sozinho ou com outras pessoas, sobre algum produto ou serviço, aparece em seguida na sua “taimelaine” do Facebook, ou na barra lateral do seu e-mail, ofertas que tentam suprir esses seus desejos secretos de destinos viagem, eletroeletrônicos ou uma simples peça de roupa?

Quando acordei (sim, enquanto o celular está paradinho no bidê, ela obsequiosamente permanece calada) e a Siri me deu as informações sem que eu tivesse comentado ou escrito sobre elas, conclui que ando falando alto enquanto durmo. E falando em coisas caras; e falando também algumas bobagens...
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(*) Luiz Carlos Vaz é Jornalista, Fotógrafo e Editor deste Blog


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