10 de dezembro de 2021

A MARCA DO SCHLEE

 

José Hillal, Guilherme Schuch, L.C. Vaz e João Manoel, no Central Café

Guilherme Schuch (*)

    São tempos difíceis para quem vive aqui, debaixo do firmamento. Guerras virtuais, presenciais, reais, algumas surreais. Notícias falsas que preferiríamos que fossem verdadeiras, notícias verdadeiras que preferiríamos que fossem falsas. O pronome mais usado para conjugar os verbos é o eu, depois o nós e – só então – os demais.

    Neste mar de sufoco contra o viver leve, uma voz sempre foi como um pulmão antienvelhecimento da alma: Aldyr Garcia Schlee. O escritor, o desenhista, o professor, o jornalista, o tradutor – dizem agora os jornais. O contador de histórias e amante do futebol e do cinema – dizemos nós, seus leitores.

    Aquele que, tão lúcido e com tão apurada visão para as nuances da existência, sabiamente desde sempre fez-se de louco e cego para a linha imaginária que insistiam em colocar bem no meio do seu país. A “Linha divisória” existe nos mapas, mas nunca existiu em seu coração fronteiriço. Sempre foi tudo “Uma terra só”.

    Por não conhecer os “Limites do Impossível”, desde sempre aventurou-se. E como era bom escutá-lo contando as tantas histórias com a caligrafia tão bonita pela qual escreveu sua vida. Amante da Celeste, foi o criador da Canarinho. Por isto, morou no Rio de Janeiro, mas viver, mesmo, sempre viveu na Fronteira. Aliás, é tão mais bonito viver na Fronteira, rodeado do que há de melhor na humanidade: a diversidade.

O último autógrafo de Schlee em sua terra natal,
em 26 de setembro de 2018


    Contou sobre o Papa, sobre Rivera, sobre a origem de Gardel. Chegou mesmo a deixar a própria História com inveja por algumas vezes não ter acontecido exatamente como escreveu sua caneta.

    Sobre suas paixões, não poupou palavras e jamais tolheu a imaginação: com seu Contos de Futebol, humanizou de tal forma esse esporte que, se fosse tomado como base pelas pessoas que hoje o comandam, não haveria sequer um estádio vazio ao redor do planeta. Nas Fitas de Cinema, tomou parte nos filmes de forma a impedir que o leitor fizesse a distinção sobre o que era o cenário montado pelo roteirista, o que era montado por ele, Schlee, e o que era montado na cabeça de quem participa devorando a obra. E quem teve o prazer de vê-lo comentando os filmes e sua própria imaginação na Casa do Capitão (este, seu íntimo amigo) sabe bem do que falo.

    Tomou-me uma profunda tristeza ontem quando o Vaz mandou uma mensagem clara, sucinta: “Morreu o nosso Escritor.”. Pronto. Não havia mais palavra a ser dita.

    Que em paz descanses, meu querido amigo de noites sempre imaginadas e nunca vividas. Vá ouvir pessoalmente as histórias do Capitão, os poemas do Lobo da Costa, os contos do Galeano. Eles certamente estão esperando para ouvir os teus. E muito obrigado por todos esses quase 84 anos de ensinamentos e pela vasta obra que deixaste. Com ela será mais fácil continuar tocando os dias nestes tempos tão difíceis para quem vive aqui, debaixo do firmamento.

Escrito em 16 de novembro de 2018

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(*) Guilherme Schuch é "Um sonhador nascido em Pelotas, criado entre a Princesa do Sul e o 3º Subdistrito do Arroio Grande e atualmente morando, trabalhando e amando no Rio Grande. Administrador de formação é pretenso poeta de noites insones." 



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