20 de novembro de 2011

Os bombêros da Vidiguêra


À VOLTA KÁTESPERO
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Os bombêros da Vidiguêra (*)
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Palavra de honra que esta também não é minha. O meu Amigo João Esteves, camarada da tropa, alferes miliciano que seguiu para Angola no mesmo Uíge em que eu também ia, foi agora quem me enviou a estória. Posso aditar que já a tinha recebido antes e de várias origens, mas desta feita, não a posso ignorar.

Um escriba é sempre...

Mas, um escriba é sempre um escriba, desde o Egipto até agora. Por mais que vos diga para me absolverem, não há nada a fazer. Quem conta um conto, acrescenta um ponto, mesmo que seja de cruz ou de Arraiolos ou mesmo de Portalegre. Que estas tapeçarias portuguesas me relevem a falta que cometo ou mesmo a ousadia espúria.
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Penso que sabem que não gosto de me engalanar com grinaldas alheias. Ou sim, ou sopas. Nestas coisas da redacção não há cinzento que valha quando o branco se quer substituir ao preto. Falo de cores, obviamente, não sou de racismos, abrenúncio. Por isso, confessando o crime de alargar a estória alargando a escrita, ela aqui fica. Com a admiração e os maiores cumprimentos a quem a inventou. E a quem ma enviou, o Esteves.
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Antunes Ferreira,
directo de Lisboa
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“Um fogo deflagrara numa grande herdade da Amareleja no distrito de Beja, freguesia alentejana, propriedade que nos tempos da reforma agrária tinha sido ocupada por uma cooperativa que viera a dar com os burrinhos na água. O patrão, devolvido que lhe foi o latifúndio, também não se preocupou muito em introduzir-lhe novas culturas ou métodos mais actualizados de a tratar e desenvolver. Candidatara-se, porém e naturalmente, aos subsídios comunitários e era um daqueles que exibia um todo-terreno, a que uns quantos mal intencionados chamavam os jipes da CEE. Despeitos, invejas.
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Nestes trotes da agricultura intensiva, a intervenção do MFA (se calhar ainda uns quantos se recordam da sigla, mas para os mais desatentos, distraídos ou alegadamente esquecidos, tratou-se do Movimento das Forças Armadas que foi o autor confesso do 25 de Abril de 1974 que trouxe a Liberdade e a Democracia ao povo português). O esclarecimento não é só dirigido a esses que atrás se mencionaram, mas também se destina a quem nos lê e não é Luso.

As preocupações foram aumentando
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Pois então, volte-se ao incêndio que lavrava (fórmula calina, característica de noticiários estereotipados mas usada a torto e a direito em noticiário que se preze) na enorme seara e ameaçava as casas do monte, as alfaias agrícolas, os rebanhos de ovelhas, caprinos e bovinos, e mesmo o feitor e os seus familiares, bem como alguns trabalhadores rurais que ali habitavam. Dado o alarme, as preocupações foram aumentando com o alastrar do sinistro. Entretanto tinham sido chamados os soldados da paz. Uma outra anotação, de resto a compasso da anterior sobre o verbo sem arado. São, como é sabido, os bombeiros.
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Que rapidamente chegaram, estenderam mangueiras, afivelaram os capacetes e deitaram mãos ao trabalho. Os senhores da Protecção Civil também compareceram, não se sabia muito bem para quê, mas estavam presentes. Era ainda o tempo dos governadores civis, agora extintos, utilizando terminologia a condizer com o desastre. Mas o Governo actual ainda não estava no poder e os titulares dos governos civis tinham automóveis, pessoal e gabinete. Sic transit gloria mundi.

Porém o fogo estava cada vez mais forte e os bombeiros não conseguiam dominar as chamas. O proprietário que igualmente havia chegado, deitava as mãos à cabeça, ai que desgraça, e fazia contas de sumir. De entre os presentes e de muitos mirones que assistiam à ocorrência, mesmo dos guardas-republicanos que diligentemente ali se tinham de igual modo deslocado - autoridades são autoridade e um incêndio de tal envergadura não acontecia todos os dias - saltara um consolo maioritário para o senhor.
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Mais duas corporações combatiam denodadamente as labaredas, requisitara-se os meios aéreos, mas estavam empenhados noutra situação também ela calamitosa, tinham prometido que viriam o mais depressa que lhes fosse possível, literalmente a voar, mas a situação já estava a ficar fora de controlo. A nuvem de fumo fora-se avolumando, as faúlhas levavam o lume a outros locais da planície, os braseiros cresciam; não era, ainda, o fim do Mundo, mas era sim o fim da herdade.
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Foi então que, no meio da exaltação contagiante e até de algum desvario, alguém sugeriu que se chamasse o grupo de voluntários da Vidigueira. A Vidigueira é uma vila do mesmo distrito do Baixo Alentejo, então com cerca de 3.000 habitantes. Hoje, os dados do Censo ainda não estão completamente esclarecidos, mas tudo indica que devem ser menos. É sobejamente conhecida a diminuição da natalidade entre nós.
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Existiam algumas dúvidas quanto às capacidades e ao equipamento dos vidigueirenses, mas, de qualquer jeito, sempre seria mais uma forma de auxílio em tamanha emergência. Há que dizer que nestes casos são sempre mais as vozes do que as nozes e que a cavalo dado não se olha o dente, sem qualquer menosprezo quer para os equídeos, quer para os bravos lutadores contra os braseiros. Más-línguas e despautérios. Assim se fez.

Só lhe faltava ser a... pedais
Ei-los chegados, num camião velho, desgastado pelos anos e operações de combate. E nem se detiveram; passaram em grande velocidade e dirigiram-se em linha recta para o centro do incêndio! Entraram por ele adentro e só pararam mesmo no meio das chamas. Estupefactos, os presentes assistiam a tudo, numa expectativa de cortar à faca e num silêncio sepulcral. Podia lá ser.
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No centro do inferno, os voluntários saltaram todos do camião e começaram  a mangueirar freneticamente em todas as direcções. Desenhava-se uma chuva no horizonte vermelho, mas os valentes avançaram na divisão das flamas e aos poucos restavam apenas duas posições de frentes facilmente controláveis. Era uma vitória sem precedentes, quais Cristianos Ronaldos, quais Messis, quais Mourinhos, quais quê.
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Os vivas romperam, as ovações relampejaram, as palmas tornaram-se ensurdecedoras, os abraços esqueceram a fuligem que recobria os salvadores, trouxeram-lhes leite UHV meio gordo em pacotes Tetra Pak, por mor de possíveis intoxicações, vieram umas cervejolas e uns uísques, só não se abriram umas garrafas de champanhe porque não as havia no monte. Mas ficavam para a próxima, cala-te boca aziaga.
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Naturalmente, o mais impressionado com a actuação dos da Vidigueira era o latifundiário, que enfim, respirava de alívio, ao ver a sua herdade libertada das chamas e da devastação concomitante. De imediato e depois dos apertos de mão mais… apertados, dos amplexos mais entusiasmados puxou da carteira e passou imediatamente um cheque de vinte mil euros à ordem da corporação vencedora.

...a porra dos travões

De sopetão um repórter duma rádio local perguntou ao comandante dos bombeiros: Vinte mil euros? Que tal?! Vossemecê já pensou o que vai fazer a tanto dinhêro(*)? Ouça lá compadre, atão(*) nã havera(*) de pensari(*), respondeu o comandante ainda a sacudir a cinza do capacete. Aos bombêros(*) da Vidiguêra(*) nenhum cabrão(*) nos agarra. A primêra(*) coisa que vamos fazeri(*) é arranjari(*) a porra dos travões do camião..."
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(*) A pronúncia é, tanto quanto possível, a local, bem como a terminologia.
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2 comentários:

Gerson disse...

Essa estória dos tugas, é bem interessante, todavia reescrita pelo tugamigo Ferreira fica excepcional.

Gerson disse...

Essa estória dos tugas, é bem interessante, todavia reescrita pelo tugamigo Ferreira fica excepcional.