29 de julho de 2012

Ser politicamente correto não é tarefa fácil


Fotografia LC Vaz

Ser politicamente correto não é tarefa fácil
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Valacir Marques Gonçalves
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Estamos num novo tempo.
Meu sonho é de que as novas denominações melhorem a vida dos seres humanos,
tragam a igualdade, acabem com os preconceitos, tornando as pessoas felizes. 
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Com o surgimento do “politicamente correto” existem momentos que nos confundem, pois surgem a toda hora novos conceitos e novas maneiras de enfrentar velhas questões. Seguidamente põem à prova nossa capacidade de entendimento e de adequação aos tempos modernos, cheios de modismos e novidades. Qualquer palavra mal colocada é um perigo latente; qualquer gesto ou comentário pode dar origem a grandes ressentimentos.

Num passado, não tão distante, um casal era um homem e uma mulher. Ensinavam-nos que o nome do marido da gata era gato e que o da leoa era leão. Agora está tudo mudado. Um ”casal” pode ser formado por dois homens ou por duas mulheres. Um menino me perguntou se podia chamar dois cachorrinhos de casal. Confesso que tive dificuldade para responder. Ele alegava que fulano de tal e o outro fulano eram um casal, que viu na televisão um famoso cantor inglês casando com outro homem, com festa e tudo, além de um grande número de convidados. Disse, ainda, que tinha um colega que afirmou que seus ”pais” eram duas mulheres. Ele era insistente, logo queria saber o que significava a palavra lésbica e como era o nome do marido da lésbica. Fiquei acuado. Tentei explicar que o mundo mudou, sem deixar de enfatizar que, até onde sei, os bichos não aderiram à novidade. Mudei logo de assunto, puxei conversa sobre futebol…

Mas o garoto não desistia, logo enfileirou outras indagações: por que não podia se referir ao anão conhecido por Tampinha, o anãozinho da rua onde morava, por essa denominação? Tinham informado para ele que se referir a alguém como anão era algo feio, que deveria referir-se ao seu conhecido como ”verticalmente prejudicado”. O garoto explicava que se referir a uma pessoa como verticalmente prejudicado era algo difícil e inexplicável para ele – quase concordei. Eu tinha esquecido dessa denominação. Sempre que vejo algum baixinho lembro da palavra e sou obrigado a admitir: chamar alguém pelo tal nome é realmente complicado, mas como não quero ferir susceptibilidades, procuro não esquecer.

A tortura continuou. Os cegos, por que não eram mais cegos? Estavam enxergando agora? Disse que não, que uma pessoa cega não enxergava. Ele me contradisse, dizendo que não existiam mais cegos, que todos haviam se transformado em deficientes visuais. Queria saber se deficiente visual enxergava mais do que cego. Expliquei que enxergavam a mesma coisa, que não mudou nada, apenas trocaram de nome. Ele continuava sem entender: se continuavam sem enxergar, se não mudou nada, por que deveria chamar os cegos de deficientes visuais? Expliquei que faria uma pesquisa, perguntaria para os sábios da praça, o porquê da mudança do nome, explicando, também, que o importante era respeitar as pessoas, não importando a denominação que davam para elas.

A conversa estava me perturbando, achei que tinha terminado. Voltei para o terreno ameno do futebol. Perguntei se ele continuava admirando o Ronaldinho. Descobri, contrariado, que tinha escolhido o assunto errado… Logo me perguntou por que agora estavam chamando as pessoas negras de afro-brasileiras. Disse que sempre ouviu se referirem ao Pelé, ao Robinho e outros craques como negros. Queria saber se essa denominação era ofensiva. Se precisaria se referir a eles como afro-brasileiros. Expliquei que sim. Que era uma maneira de resgatar a história de um povo que muito contribuiu na construção do Brasil e foi sempre injustiçado. Ele concordou, não sem antes perguntar se o seu companheiro de peladas, conhecido por Neguinho, centroavante considerado, figura imprescindível do time, era, também, afro-brasileiro. Expliquei que o seu amigo deveria ser chamado pelo próprio nome, não precisava de denominação alguma, além do nome que seus pais lhe deram.

A conversa fluiu, muitas outras palavras politicamente corretas foram discutidas. Foi uma tarde diferente. Aprendi muitas coisas com o menino, pois a inocência das crianças nos dá grandes lições. Expliquei para ele que estou aprendendo a conviver com os novos tempos. Expliquei que sou de um tempo em que o telefone era preto, geladeira e cueca eram brancas; comprava-se em armazém anotando em caderneta; bunda era palavrão, homem usar brinco e rabo de cavalo era, vamos dizer, estranho; sonho de consumo era ter um fusca; não existia novela e todos conversavam em casa, e por aí afora.

Estamos num novo tempo. Meu sonho é de que as novas denominações melhorem a vida dos seres humanos, tragam a igualdade, acabem com os preconceitos, tornando as pessoas felizes. Quanto aos amigos, como disse o poeta, "é coisa pra se guardar debaixo de sete chaves, dentro do coração". Não importa como são chamados.
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Valacir Marques Gonçalves
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e-mail vala1@uol.com.br
blog www.valacir.com
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3 comentários:

Maribel disse...

Show de bola essa visão! Muito inteligente! Realmente são outros tempos. E creio que muitas vezes veem chifre em cabeça de cavalo. Se é que é correto usar essa expressão. Muitas vezes já não sabemos como nos referir a coisas que nos acostumamos desde a infância. Me pergunto se isso é bom. Não sei ao certo o que pode e o que não pode, mas ainda acho que tudo que está na lei ainda pode. Penso, contudo, que o que deve nos orientar é o bom senso, e também o coração. Não há que se ter preconceito, afinal, como diz o filósofo John Rawls, são muitas as doutrinas abrangentes e diferenças devem ser respeitadas. Odeio, no entanto, essa expressão "politicamente correto". Parece que quer sempre nos colocar como os errados da vez..

Sérgio M. P. Fontana disse...

Este post me fez lembrar de outra questão relacionada, o [agora chamado] bullying, que sempre existiu, e era reservado aos gordinhos, raquíticos, orelhudos, narigudos, dentuços, baixinhos ou gigantes magricelas da turma. Ou seja, muitos já sofreram na infância e adolescência algum tipo de discriminação - resolvida a socos e pontapés, ignorada ou levada na esportiva.
Agora, qualquer deslize nesse sentido é capaz de virar processo. É a confirmação do ato de ver chifre em cabeça de cavalo, como escreveu a Maribel, acima.

Gerson disse...

Tchê Vaz, muito bem colocada esta crônica do Valacir, como também os comentários da Maribel e do Sergio. Tenho a dizer com isso é que: o mundo em que vivemos melhorou em vários aspectos e regrediu em outros tantos, só por exemplo hoje temos um sistema de comunicação eficiente e rápido, mas em compensação as pessoas perderam a noção de certo e errado, hoje em dia vivemos numa ditadura mundial racismo/homofobia, ou seja o homem (geniricamente falando) esqueceu que DEUS criou uma raça só, a raça humana não importa se o homem é preto, branco, amarelho, vermelho. E que na mesma criação DEUS criou homem e mulher. E no meu pensamento o que estiver fora disso é errado.