10 de janeiro de 2013

Gargalha tuas mágoas

Foto Marcelo Soares


Gargalha tuas mágoas

Marcelo Soares


Publico tanta coisa que corro o risco de estar me repetindo, mas deu vontade de contar uma história.

Tinha eu uns 15 anos quando resolvi fazer um curso de fotografia com meu tio – Deogar Soares.

Deogar era um ídolo, para mim um artista com tudo do imaginário romântico que um adolescente tímido pode ter em relação a ser artista: talentoso, livre, criativo, cercado de pessoas interessantes, parte de um mundo especial que não se pode escolher vive-lo.

Por ele fui aceito, mas, para mim fotografia era o inatingível da técnica: dos números, dos ângulos, lentes, profundidade de campo, dos reveladores, do controle da luz, dos truques, etc. De caderno em mãos e olhos atentos preparei-me para a primeira aula, até o primeiro tema: sair às ruas e registrar algo que dissesse: “Gargalha tuas mágoas”.

Decepcionado nem cumpri a tarefa, queria mais - saber da matemática, da física, da química.

O tempo passou, Deogar continuou sendo um motivo, e eu voltei a fotografar só quando adulto, sem pretensão, apenas por prazer e para expressão pessoal. Ainda tento aprender as técnicas que também mudam, procuro entender os números e as possibilidades para estender meus olhos.

Meu tio se foi, mas hoje, quando estranhamente me cumprimentam como fotógrafo, só posso agradecer a ele, e com atraso, publico a imagem que poderia ser do primeiro tema.
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Marcelo Soares
Mais de MS em Diário de Canto
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5 comentários:

Maribel disse...

Texto de incrível sensibilidade. Como a foto. Talvez um palhaço viva mesmo de gargalhar lágrimas..

Anônimo disse...

As fotos que pedem atenção à primeira vista para serem decifradas, fazem eco na memória, dão uma vontade de escrever tudo que não escrevi.

Hamilton Caio Vaz disse...

Maribel, acompanhando o espírito do texto e do teu comentário, assiste a ária Vesti la Giubba, da ópera Pagliacci, de Ruggiero Leoncavallo, interpretada por Luciano Pavarotti. Observa a grande dramaticidade da interpretação, quando o ator/tenor virtualmente veste “a giubba” do palhaço. A estreia dessa ópera foi em Milão, em 1892. Leoncavallo, o compositor e também o libretista, já ao final do primeiro ato teve que aparecer doze vezes no palco para ser aplaudido. Esta ária foi bisada. Dirigiu a estreia um maestro que se tornaria lendário, Arturo Toscanini, que tinha então apenas 25 anos.

http://www.youtube.com/watch?v=v-H-MWJ4f14

Maribel disse...

Que maravilha, Hamilton! É uma ópera fantástica! Nada como ter comentadores cultos como tu! Valoriza o que é postado no Blog!

Hamilton Caio Vaz disse...

Obrigado pela bondade, Maribel. Foi instantânea a lembrança dessa ária do Pagliacci, ao ler o título, o texto e o comentário.
Aqui vai o libreto, no original em italiano e a tradução, para os amigos acompanharem a impecável interpretação do Pavarotti. Copiei de um também impecável vinil de 40 anos de idade!

Recitar!... Mente preso dal delírio / non so più quel che dico e quel che faccio! / Eppur... è d’uopo... sforzati! / Bah, sei tu forse un uom? Tu se’ Pagliaccio! / Vesti la giubba e la faccia infarina. / La gente paga e rider vuole qua. / E se Arlecchin t’invola Colombina, / ridi, Pagliaccio... e ognum applaudirà! / Tramuta in lazzi lo spasmo ed il pianto; / in una smorfa il singhiozzo e’l dolor... / Ridi, Plagliacci, sul tuo amore infranto! / Ridi del duol che t’avvelena il cor!

Recitar!... Enquanto presa de delírio / não sei mais o que digo e o que faço! / Entretanto... é necessário... esforça-te! / Ora, és tu talvez um homem? Tu és Palhaço! / Veste o Gibão e o rosto enfarinha. / O povo paga e rir quer aqui. / E se Arlequim te toma Colombina, ri, Palhaço... e todos aplaudirão! / Transforma em brincadeira o tormento e o pranto; / em uma careta o soluço e a dor... / Ri, Palhaço, sobre teu amor estraçalhado! / Ri da dor que te envenena o coração!


Mais detalhes: por coincidência, o grande maestro Toscanini faleceu em um 16 de janeiro. O ano era 1957.