5 de janeiro de 2013

Um baú no Pampa - XVIII - Quem casa quer casa


A casa vista do alto da serra  - o Barro Vermelho.
Esta foi a primeira visão que vovó Orphelina teve em 1930 de sua futura morada



Quem casa quer casa

Gerson Luiz Barreto de Oliveira

“Minha avó casou numa fria terça feira de junho, em 1930. Casamento simples como ela exigiu, e contrariando a mãe, se casava na Igreja Anglicana. No mesmo dia outra irmã casava no rito católico com o cunhado das duas, viúvo de uma outra irmã, tudo em família.

As duas saíram juntas para as cerimônias, e juntou gente em frente à casa do bisavô para ver duas irmãs que saiam vestidas de noiva, na General Netto, perto da antiga estação ferroviária, hoje Centro Administrativo.

Após a cerimônia não aceitaram fotos, não eram dadas à fotografias, num misto de austeridade e timidez.

Era uma época de efervescência na política nacional, em outubro, com uma cartada de mestre, Getúlio Vargas assumia o poder, após inúmeras arapucas que o gaúcho de São Borja armou para o Washington Luiz e o seu aliado Júlio Prestes.

No interior de D. Pedrito iniciava uma batalha sem tréguas de nora e sogra, na localidade do Cunhatay. A casa está de pé até hoje, impassível com suas paredes de 60 cm de pedra bruta, erigidas no início do século XIX pelos primeiros Barretos.

Quando minha avó Orphelina lá chegou, carregava um rico enxoval de louças e cobertas de mesa e banho, as 11 irmãs a ajudaram a bordar, costurar e tecer, mas o impacto foi grande. Não existia uma cozinha, e muito menos banheiro. No que era para ser a cozinha tinha fumaça do fogo de chão que saia por um buraco no teto de telhas artesanais feitas no local há muitas décadas, ainda na época que no Brasil quem mandava era o velho imperador.

O estreito local onde as refeições eram cozidas tinha um panelão de ferro, tipo caldeirão de bruxa, para a sopa, chão batido, uma trempe de ferro servia como chapa para o assado diário, o cozinheiro era um preto velho, remanescente dos antigos ex-escravos, chamado simplesmente Tio Bento. E era ele que trazia lenha picada e água, carregada em lombo de burro, armazenada em uma pipa, do arroio distante 500 metros, o chamado Paço da Pipa por todos na família.

Primeira providência foi trazer de Bagé o fogão à lenha com caldeira para a água quente, que o pai dela há anos comprara de um velho hotel, a água aquecida também seria usada no “chuveiro de balde” recém-instalado do lado da nova cozinha.

Tantas inovações trouxeram conflitos entre as duas mulheres, que viraram parte do folclore familiar, quanto mais uma resmungava, a outra corria por fazer mais e melhor, administrando e coordenando a casa e muitas vezes as lidas campeiras, na ausência do marido.

Não dava tempo para ficar inerte, as distâncias a serem percorridas até Bagé ou Dom Pedrito, com estradas sofríveis, e sem automóveis eram impraticáveis. O bisavô Barreto tinha um “Ford bigode”, mas era na cidade que ele usava, não se aventurando com ele para ir até o campo, os meios de transporte eram ou a cavalo, ou de aranha, as ligeiras carrocinhas puxadas por um pangaré.

Então a casa tinha que ser autossustentada, se plantava de tudo, das hortaliças, e frutas ao feijão, milho, da cidade era somente o açúcar, café, arroz e farinha, armazenadas na imensa tulha azul da nova despensa, que também tinha sido construída, e para seguir o padrão da casa, toda em pedra.

Dia de carnear boi era uma festa, e dia de matar porco juntava a vizinhança, porque sempre se dividia um pouco das linguiças, queijos de porco, patês e butifarras eram guardados somente para os de casa que, segundo minha avó, “sabiam apreciar”.

Um contingente de empregados e agregados ajudavam e tinham que ser alimentados, na nova cozinha as panelas fumegavam, muitas vezes os ânimos também, mas o que era novo em 1930 hoje parece ser outro tempo muito longínquo, os costumes se modificaram, as distâncias diminuíram, continua a vontade de ver uma comida ser bem feita, o calor da família".

Gerson Luiz Barreto de Oliveira
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8 comentários:

Feliciano disse...

Parabéns, Gerson, pela narrativa que nos levou a vivenciar a situação da época! Você tem mesmo vocação para escrever histórias! Continue e nos brindar com seus relatos.
Abraço
Feliciano

Gerson disse...

Mas abah tchê xará, tu sabes mesmo contar uma estória e acredito que um dia estaremos nós do blog a volta de uma costela exposta às brazas, enquanto numa charla regada a chimarrão, vais nos conta-las. Um baita abraço índio velho.

Anônimo disse...

Vaz, Gerson e Feliciano

Como no Cunhatay, cordeirinho mamão, assado na brasa com cuidado. Barril de chopp estupidamente gelado.
Abraço
Gerson

Anônimo disse...

Gerson, volto 60 anos no tempo e me vejo na estancia do meu avõ Lidio guasque, La coronilla,perto de vichadero no uruguay.Gosto muito dos teus "causos",e agradeço á ti e ao Vaz pela oportunidade de me deleitar com as estórias dos nossos Guasque.ass; mirta guasque prates

Anônimo disse...

Gerson, volto 60 anos no tempo e me vejo na estancia do meu avõ Lidio guasque, La coronilla,perto de vichadero no uruguay.Gosto muito dos teus "causos",e agradeço á ti e ao Vaz pela oportunidade de me deleitar com as estórias dos nossos Guasque.ass; mirta guasque prates

Luiz Carlos Vaz disse...

E qualquer dia já vai ser crime ambiental comer um cordeirinho assim, Gerson. Vamos aproveitar. Um abç

Luiz Carlos Vaz disse...

Posso garantir que deves ter algumas fotos e narrativas dessa época para nós, Mirta. Quem sabe tu te "animas a escrever", (como se dizia lá na Hulha...)

Anônimo disse...

Vaz

Mirta foi autora da palestra mais bem humorada da Guasqueada do Pampa, em 20/09/2010, em Bagé. Com certeza ela tem muito a nos contar.
Abraço
Gerson