18 de maio de 2015

Sabes tu o que são essas coisas todas, moço?


Fotografia: Luiz Carlos Vaz


Pedro Moacyr Pérez da Silveira

Sabes o que é olhar paredes nuas muitas horas do dia? Elas ficam ali, moço, como se desde sempre formassem a estrutura da casa. Há também esses móveis, objetos parados, que nunca se movem, pousados em seus lugares como OVNIs ali deixados por mãos já esquecidas. Há a cama que sempre se arruma para depois recolocar o corpo e amarfanhar seus lençóis, e arrumá-los de novo e de novo, numa repetição assustadora e interminável. 

Moço, tu sabes o café na frente, a xícara na mesa, o pão sem gosto, a vida sem gosto também? E vê tu esses entrares e esses saíres através de uma porta sem falar a ninguém, porque ninguém há para um cumprimento ou um relato breve sobre donde se vem. E essa liberdade que não fixa pressas, demoras, atrasos e nem a sensação de que se está ainda no mundo, sabes bem o que é essa liberdade, moço? E esse televisor ligado que vira gente, pra gente achar que tem visita porque uma voz fica dizendo coisas e coisas, quaisquer coisas, mas que são melhores do que as coisas desaparecidas dos olhos, dos ouvidos e da boca? E os assobios dos momentos de asseio, sob a água do chuveiro, entoando músicas imaginárias quase, deixando-as encarceradas num desses boxes sem alma, o inox e o acrílico, substâncias tão modernas e frias? 

Procura pensar tu, moço, num esquentar o almoço e num requentá-lo para a janta, acompanhado por cadeiras sem proprietários, dispostas ao redor da tua távola desabitada. Pensa, e pensa bem, como se a isso puderes ver. Estás assim, moço, nessa desolação e nessa indigência de companhia, confiando num súbito fantasma a aparecer, que te assusta também, mas que ao menos ao teu lado se posta?

Estás? Ora, não te compunjas tanto de teu destino e do momento em que tua vida flutua, como se do nada viesses ao nada fosses. Vem sentar-te nessas cadeiras, almoça comigo e vamos dar cabo desse teu isolamento. Por que te convido? Ora, moço, não me apetece falar um pouco sobre o que não sinto, ainda que possa muito falar sobre o que não conheço. E agora vou parar de chorar, confio que venhas. Traz algum amigo se puderes, que amigos dão luz à vida. Um abraço, vou preparar as coisas todas para recebê-lo em minha casa. Vem um tanto alegre, por favor. Procurarei assim estar também. E traz alguma bebida para espantar o que não me lembro, mas há mais coisas que não fazem bem a espíritos como o meu, quando estão em plena vigília...
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O bageense Pedro Moacyr Pérez da Silveira é escritor, poeta e ensaísta; professor da Faculdade de Direito da UFPel e Doutor em Educação.

Um comentário:

J.L. disse...

Muito bom!...