24 de dezembro de 2020

Diário da Pandemia - especial de Natal, 281º dia

 

                                            Imagem Google dos arquivos do Fabio

Diário da Pandemia - especial de Natal, 281º dia

Fabio Schaffner

24 de dezembro e nós aqui, confinados. Todo mundo sabia que havia riscos de uma segunda onda, mas ninguém imaginava celebrar o Natal por videoconferência. Antes, a piada era que a família se emperiquitava para ficar na sala. Agora, o cara se arruma pra ficar sozinho abanando para a câmera do celular. Pior é a falta de perspectivas. A pandemia acabou com o Natal, o Réveillon, o veraneio e o carnaval. Pelo menos pra mim. Tem muita gente por aí numa aglomeração suicida, como se a pandemia tivesse acabado. Deve ser espírito natalino covídico, essa alucinação coletiva que faz as crianças acreditarem no Papai Noel e os adultos no Osmar Terra. Vai saber...

O certo é que vai longe a peste e logo ali, no alvorecer de 2021, estaremos alcançando a marca dos 200 mil mortos. Nem a Páscoa está a salvo num país em que o governo nega não só a gravidade da doença, mas também a cura. Quase três milhões de pessoas já foram vacinadas mundo afora, mas por aqui segue a cantilena da cloroquina, uma mistificação criada por políticos que tripudiam da esperança alheia enquanto UTIs e necrotérios seguem lotados.

Comecei esse diário em 19 de março, o dia em que Porto Alegre registrou o primeiro caso de transmissão comunitária – ou seja, não dava mais para saber quem pegou de quem. Duzentos e oitenta dias depois, estamos batendo recordes de mortes diárias. O que parecia um arrefecimento da pandemia ali em setembro, quando cansei de escrever sobre a desgraça cotidiana, era só recuo pra pegar impulso. O resultado é essa nova voadora a nos abater o peito justo quando o abraço é tão fundamental, o afago tão necessário, sobretudo depois de nove meses sem chegar perto de muitos daqueles que amamos. Não está sendo fácil, já cantava a Kátia. Mas vamos em frente. Pode ser nosso Natal mais difícil, mas, se a gente se cuidar, não será o último.

Boas Festas a todos!

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Fabio Schaffner é Bageense, Jornalista do Grupo RBS, e publica desde o dia 19 de março seu Diário da Pandemia nas redes sociais.

16 de dezembro de 2020

Assim seja!

                                                                                     Fotografia Luiz Carlos Vaz



Assim seja!

Eliana Valença

Às vezes me faltam palavras, às vezes quando as tenho em profusão, não sei como usá-las.

Não sou hábil com elas, por vezes ficamos de mal e, com a intenção de acentuar sua importância, passo a me comunicar só com imagens.  Sei que ela se ressente...

Mas depois ela entende que é por nunca usá-la para fins duvidosos ou mentirosos que me nego a fazê-la de confete para quem não mereça, ou defender causa com a qual não concorde.

Não é à toa que nossa primeira palavra neste mundo é comemorada e lembrada, às vezes, por toda a vida por nossos familiares.

Nossas últimas palavras também vão ficar por muito tempo na mente de quem nos há de lembrar.

Então, nada mais justo, que esse intervalo seja preenchido de forma mais verdadeira possível: às vezes, dura e cortante, outras, doce e harmoniosa; talvez determinada e firme ou quem sabe, imperceptível ao resto do mundo, por soarem como um sopro suave no ouvido de alguém. Mas sempre coerentes com as ideias e atitudes. E por tantas vezes, tirá-la de cena, saber que sua ausência é o melhor a fazer. Silenciar é preciso!

Palavras iniciaram guerras e também selaram períodos de paz. Hoje é usada para os fins mais inescrupulosos... são tempos obscuros para a palavra. E imagino a incredulidade de alguém, daqui há algumas gerações, achar no Google, entre aspas, algumas citações de autoridades de nossos dias.

Palavras podem nos ferir profundamente mas serão também a nossa cura.

Enfim, a maneira mais usada para demonstrar impressões, emoções e sentimentos não deve ser usada em vão.

Portanto, não espere do outro palavras doces, quando ele assim não está; não espere do próximo as mesmas palavras que saem da sua boca, mas também não se ofenda se elas não andarem na mesma direção das suas.

E embora nem sempre se consiga, procure usar as palavras com cuidado e com respeito que elas merecem buscando dar a elas o verdadeiro sentido que elas têm: sagradas.

Assim seja!

Eliana Valença, Dezembro/2020

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Eliana Valença é Artista Plástica, Professora e edita o Blog da Eli Ana Valença
que pode ser acessado clicando aqui
 http://liavalenca.blogspot.com/


12 de dezembro de 2020

O Sulque de Rodas vermelhas

 

                                                              Fotografia Luiz Carlos Vaz

O Sulque de Rodas vermelhas

Luiz Calos Vaz

Há uns trinta anos, lá no século passado, numa tarde ainda quente de março, eu andava por uma das calles de Montevideo, despacito, saboreando un helado de chocolate, quando entrei em uma livraria. Vira daqui, mexe dali, e me deparei com um livro cuja capa trazia uma ilustração que sempre esteve no meu imaginário quando li, por primeira vez, o conto O Sulque de Rodas Vermelhas, do Schlee.

Esse conto faz parte do livro Linha Divisória, lançado em 1988, pela Editora Melhoramentos. Por muitos anos tentei roteirizar o conto para o cinema, pelo seu conteúdo dramático, sua beleza fotográfica, e sua narrativa cinematográfica. Mas, a prudência falou mais alto, e a história de Doña Lydia, a “quitandeira uruguaia, que ficara viúva de um brasileiro bêbado, que morrera num bochincho depois de levar uma tuzina de rebenque, e que lhe deixara seis filhos para criar, numa escadinha de um a sete anos”... ainda espera um roteirista à sua altura. Certa vez falei desse meu desejo para o Perin, mas estávamos envolvidos com outras coisas e passou... numa dessas, quem sabe?

Quando ajudei a Marlene na organização do livro Os Vinte Melhores Contos de AGS, edição comemorativa ao aniversário de 80 anos do Escritor, na lista que coletamos durante vários meses junto aos seus leitores, o “meu conto” não teve votos suficientes e não constou na publicação de Edições Ardotempo, de Alfredo Aquino, finamente impressa na Gráfica Mosca, em Montevideo. Outros vinte, tão melhores e tão marcantes para seus leitores, foram os escolhidos.

Um dia desses, remexendo nos meus arquivos, encontrei o registro fotográfico que fiz da dedicatória do tal livro que achei naquela livraria e que comprei para o Schlee. Era um dicionário de expressões populares, isso eu lembro bem, mas não recordava que o autor era José María Obaldia, o mesmo Obaldia que o Schlee cita na abertura do seu Dicionário da Cultura Pampeana-sul-riograndense, quando nos brinda com a máxima desse autor uruguaio: “A fala, quem faz é o povo!”

E lá na capa daquele livro de Obaldia - “El habla del pago”, que achei em Montevideo, há trinta anos, e que dei ao Schlee, o que vemos? Ora... O Sulque de Rodas Vermelhas, claro, que era o sonho de Doña Lydia... “Um sulque de altas rodas vermelhas, pretinho, que seria puxado pelo cavalo manso que carregava a pipa.” O cavalo que puxa o sulque, não dá para ver direito, mas, ao invés do petiço manso, bem que poderia ser Punto Fijo, o que tinha “a cara branca, entre malacara e picaço porque não era nem uma coisa nem outra, nem claro e nem escuro, sendo antes lubuno, só com a estrela de meio dos olhos, escorrendo até o focinho de narinas e beiços cor-de-rosa. Cavalo baldoso que nem puxava água, mas aguentava os quase cem quilos de Doña Lydia se desiquilibrando por cima”... E mais, é possível que o Sulque esteja indo visitar Paco e Terezita...

Isso faz tempo, mas podemos usar ainda hoje a expressão colhida por Obaldia junto ao povo sobre nosso despresidente e o vírus:

“Mirá que dos: el reumatismo y la tos!”

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Luiz Carlos Vaz é Jornalista, Fotógrafo e Editor deste Blog

7 de dezembro de 2020

No te rindas

Foto do Google


No te rindas

Mario Benedetti

 

No te rindas, aún estás a tiempo

De alcanzar y comenzar de nuevo,

Aceptar tus sombras,

Enterrar tus miedos,

Liberar el lastre,

Retomar el vuelo.

No te rindas que la vida es eso,

Continuar el viaje,

Perseguir tus sueños,

Destrabar el tiempo,

Correr los escombros,

Y destapar el cielo.

No te rindas, por favor no cedas,

Aunque el frío queme,

Aunque el miedo muerda,

Aunque el sol se esconda,

Y se calle el viento,

Aún hay fuego en tu alma

Aún hay vida en tus sueños.

Porque la vida es tuya y tuyo también el deseo

Porque lo has querido y porque te quiero

Porque existe el vino y el amor, es cierto.

Porque no hay heridas que no cure el tiempo.

Abrir las puertas,

Quitar los cerrojos,

Abandonar las murallas que te protegieron,

Vivir la vida y aceptar el reto,

Recuperar la risa,

Ensayar un canto,

Bajar la guardia y extender las manos

Desplegar las alas

E intentar de nuevo,

Celebrar la vida y retomar los cielos.

No te rindas, por favor no cedas,

Aunque el frío queme,

Aunque el miedo muerda,

Aunque el sol se ponga y se calle el viento,

Aún hay fuego en tu alma,

Aún hay vida en tus sueños

Porque cada día es un comienzo nuevo,

Porque esta es la hora y el mejor momento.

Porque no estás solo, porque yo te quiero.

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O presidente do Uruguai, Tabare Vázques faz seu último discurso no cargo. Seu partido, a Frente Ampla, governou o país durante 15 anos e perdeu a eleição para Luis Lacalle Pou, do Partido Nacional. Diante de milhares de eleitores, Tabare reforçou a importância da luta política ao declamar o poema "Não Te Rendas", de Mario Benedetti. Assista o vídeo e leia o poema completo no link a seguir. https://www.youtube.com/watch?v=SfKPN8B20kk


4 de dezembro de 2020

É O QUE TEMOS PARA O MOMENTO

 

                                                                   Foto Luiz Carlos Vaz

É O QUE TEMOS PARA O MOMENTO

(cerveja quente e comida fria)

 

Ângelo Alfonsin

 

 

Sentado à beira do precipício

Dos precipitados

A memória pede moratória

Para lembrar que existo

O corpo doi-codi

O tempo exige alteração

No Código de Hamurabi

Óculos por óculos

Prótese por prótese

O Robocop me disse

Não ter jogo de cintura

É uma roubada

Na  Milícia Fashion Week

Destacam-se os corpos cadavéricos

Das modelos vestindo elegantemente

Seus ossos esculturais

A morte jamais sai de moda

A vida é um cursinho de verão

"Corrida contra o destino de pobre"

Alguém precisa não viver para sustentar

Os zumbis da vida pública

A profissão do futuro é coveiro

Influencer

Profissão eterna

Que ternamente nos coloca 7 palmos

Dentro dos piores corações

Sob uma salva de palmas

Ou vaia com Dios

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Ângelo Alfonsin é Poeta. E é meu amigo.

25 de novembro de 2020

Quarto de Despejo

 

 Fotos, montagem, Luiz Carlos Vaz


QUARTO DE DESPEJO


Favela, o quarto de despejo de uma cidade.

Luiz Carlos Vaz

Estou lendo, aos trancos, Quarto de Despejo. Num misto de raiva e tristeza, ódio e esperança, lágrimas e risos... vou vencendo cada folha como se fosse, eu também, um catador de papéis. Minha filha Juliana quando me deu o livro disse: pai, vê se não chora muito!

Escrito em folhas sujas de papel catado, a partir de meados dos anos 50, década em que eu nasci, o diário de Carolina Maria de Jesus, uma favelada, uma catadora de papel que gostava de livros e de ler, só se tornou público uma década depois... Prefaciado pelo colega jornalista Audálio Dantas, o repórter descobridor de Carolina, Quarto de Despejo é também o jornal de uma época. Um jornal que traz notícias velhas, mas que continuam novas; notícias que, lamentavelmente, podem ser escritas hoje, tamanha a atualidade que contêm. Mas não são “notícias” escritas por jornalistas, foram escritas por quem viveu do outro lado das velhas máquinas de escrever Royal; são verdadeiras reportagens sobre a miséria, sobre o abandono, e o descaso social... e escritas por quem “vive sem amanhã”.

Outro dia eu conversava com uma jornalista, minha colega de turma, sobre a vontade que temos, nós dois, de escrever nossas memórias e mandar uma porção de gente à puta que pariu. Ou, pelo menos, à merda, já que as mães não tiveram culpa de gerar gente tão hipócrita, tão insensível e tão usurpadora dos sonhos e das alegrias alheias.

As pessoas que têm, graças ao trabalho alheio, depósitos de milhões, bilhões em bancos do Brasil, do mundo, não percebem que com dez por cento das “suas” fortunas poderiam devolver a dignidade e a esperança aos desvalidos da sorte, além de acabar com a fome e a sede de todos os miseráveis do Planeta. Só dez por cento! Os mesmos dez por cento que os falsos profetas-pastores roubam dos pobres-crentes que ganham apenas UM salário mínimo. Ou menos!

Carolina Maria de Jesus, que estudou somente até “o segundo ano”, lia e escrevia muito. E catava papéis; e catava livros; e catava cadernos escolares de todas as matérias; e lia muito; e escrevia muito. E assim ela escreveu o seu diário. Nele – onde por força da veracidade editorial, está mantida a grafia original, encontramos anotações como essa:

13 de junho  ... vesti as crianças e eles foram para a escola. Eu fui catar lixo. No Frigorifico vi uma mocinha comendo salsichas do lixo.

16 de junho ... O José Carlos está melhor. Dei-lhe uma lavagem de alho e um chá de ortelã. Eu zombei do remédio da mulher mas fui obrigada a dar-lhe porque atualmente a gente se arranja como pode. Devido ao custo de vida, temos que voltar ao primitivismo. Lavar em tinas, cozinhar com lenha.

... Eu escrevia peças e apresentava aos diretores de circos. Eles respondia-me: - É pena você ser preta. Esquecendo eles que eu adoro a minha pele negra, e o meu cabelo rustico.

15 de julho Hoje é o aniversário de minha filha Vera Eunice. Eu não posso fazer uma festinha porque isto é o mesmo que querer agarrar o sol com as mãos. Hoje não vai ter almoço.  Só jantar.

16 de agosto Passei na sapataria. O senhor Jacó estava nervoso. Dizia que se viesse o comunismo ele havia de viver melhor, porque o que a fábrica produz não dá para as despesas.

31 de dezembro ... levantei as 3 e meia e fui carregar agua. Despertei os filhos, eles tomaram café. Saimos. O João foi catando papel porque quer dinheiro para ir ao cinema. Que suplicio carregar 3 sacos de papeis. Ganhamos 80 cruzeiros. Dei 30 ao João.

...  Eu fui fazer compra, porque amanhã é dia de ano. Comprei arroz, sabão, querosene e açúcar.

... Espero que 1960 seja melhor do que 1959. Sofremos tanto no 1959, que dá para a gente dize:

Vai, vai mesmo

Eu não quero você mais.

Nunca mais

 

1 de janeiro de 1960 Levantei as 5 horas e fui carregar agua.

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Luiz Carlos Vaz é Jornalista, Fotógrafo e Editor deste Blog

5 de novembro de 2020

DE CU PRA LUA

 

                                                                                                        Fotografias Luz Carlos Vaz

DE CU PRA LUA

Luiz Carlos Vaz (*)

Minha Mãe sempre usava esse termo, de cu pra lua, quando se referia a alguma pessoa, conhecida ou não, que tinha tido por um momento - ou sempre, uma vida boa, cheia de regalias, ou cercada de coisas ótimas; essa pessoa, segundo minha Mãe, havia “nascido de cu pra lua”. 

Pois eu recebi hoje pelo correio o novo livro do Nelson Motta, DE CU PARA A LUA, e ainda ganhei de brinde o 101 CANÇÕES QUE TOCARAM O BRASIL, este lançado em 2016. Depois de passar alquigel em tudo, abri a caixa e fui conferir o conteúdo da compra, feita ainda no período da pré-venda, lá por setembro ou outubro... valeu a pena o preço, a espera, o brinde, tudo... 

O escritor Nelson Motta escreve como os jornalistas escrevem. Dessa característica, muito forte em determinados colegas-escritores, eu e a colega Vera Lopes gostamos muito. Nelson Motta teve muitas oportunidades na vida, como várias pessoas, aliás; a diferença é que ele soube aproveitá-las. E aproveitou-as muito bem. Conviveu com os maiores gênios da música, da arte e da literatura brasileira. É autor de mais de 300 músicas, com as parcerias mais variadas, desde os tempos da Bossa Nova, da Jovem Guarda, do Tropicalismo, e  inclusive com nomes bem atuais que a gente nem se lembra, ou nem sabe. São dele as canções Como uma onda, Bem que se quis, Dancing Days, Um novo tempo... e por aí vai. Nessa linha musical-profissional produziu também shows pelo mundo afora com os mais variados artistas brasileiros. 

Amado por uns, odiado por outros, Nelson Motta, redator e repórter, trabalhou em vários jornais, emissoras de tevê e participou durante muito tempo do programa Manhattan Connection. Escreveu mais de dez livros biográficos e de ficção. Este livro, lançado agora, é também um documento historiográfico e fotográfico do Brasil, na área da arte, da música e da política. 

Aviso desde já, como sempre faço, que o livro está à disposição, mas... é só para consulta local. Vou dar um tempo nas redes, deitar numa rede, e quem vai ficar lendo, DE CU PRA LUA, agora sou eu.
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(*) Luiz Carlos Vaz e Jornalista, Fotógrafo e Editor deste Blog

31 de outubro de 2020

Never Say Never Again.

Imagens do Google


Never Say Never Again

Luiz Carlos Vaz (*)

Tive que esperar sete anos para ver Úrsula Andress emergir da praia de biquine branco. Tive que esperar longos e intermináveis sete anos para ver o único homem que tinha permissão da Rainha para matar, acabar com o Dr. No. Mas valeu a pena. Eu era uma criança, o filme de James Bond era proibido para menores de 18 anos... hoje ele é exibido na “sessão da tarde”... fazer o quê? 

Depois de Sean Connery, o verdadeiro e único agente 007, nada mais foi igual. Um desfile de atores tentaram encarnar o charme e a discretíssima violência de Bond, James Bond, mas não conseguiram. Sean Connery voltou a fazer o papel, em 1983, mas ele já não era mais aquele guri que enfrentara a Spectre há vários anos. Hoje ele nos deixou. Provou que realmente só os diamantes são eternos. 

Mas a memória que temos dele também é. Fico imaginando sua chegada “no outro lado” e, ao lhe perguntarem o nome ele dirá: meu nome é Bond, James Bond! E, claro, como primeiro pedido dirá, um Vesper Martini, "batido, não mexido".

Adeus, James, Never Say Never Again.
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 (*) Luiz Carlos Vaz é Jornalista, Fotógrafo e Editor deste Blog

21 de setembro de 2020

Que bobagem, isso só acontece no cinema...

 

...a casa era um pedaço de Saigon. Foto L.C.Vaz

Que bobagem, isso só acontece no cinema...


Luiz Carlos Vaz (*)

Sempre quando estou assistindo um filme, e aparece a cena corriqueira em que um cara, seja policial ou detetive... sei lá, o mocinho - ou a mocinha, resolve sair da delegacia, do escritório, enfim, do seu local de trabalho, e vai sozinho, sem comentar com ninguém onde pretende ir, e acaba entrando num casa abandonada, num antigo depósito... e, muitas vezes, acha uma escada que vai até um porão escuro, e ele desce, imaginando que lá poderá encontrar, por ter seguido seu instinto ou uma pista quente, uma pessoa que está desaparecida, um local usado como cativeiro, uma parede com centenas de recortes, fotografias que justifiquem as ações de um serial killer, eu repito sempre: “Isso só acontece em filme mesmo; que bobagem! como uma pessoa vai se embretar num lugar assim, sozinho e sem dizer para ninguém?

Hoje, cheguei em casa e disse: Comprovei que estou errado. Vivi uma cena de filme de terror. Entrei, sozinho, numa casa abandonada!!!

Eu tinha colocado o carro na garagem, já ia para casa, quando olhei mais ao longe, e percebi que uma casa, aqui perto onde moro, estava sem a porta da frente e sem as janelas; elas haviam sido arrancadas. A casa tem um pequeno pátio na frente, e duas grandes árvores dão uma certa cobertura à visão da sua fachada. Mas essa luz, já de Primavera, faz milagres aos olhos de quem sabe ver.

Com a minha inseparável Nikon em prontidão, caminhei uma meia quadra, e percebi que era possível enxergar o pátio dos fundos pelo corredor principal. Como um detetive ingênuo – ou um protagonista de série pra lá de esperto, eu já estava me achando um Perry Mason. fui entrando casa adentro. Os clics iam se sucedendo e eu lembrava, não da minha máxima sobre os caras que se aventuram sozinhos por uma casa desconhecida adentro, eu lembrava do Emílio Santiago. Parecia que uma bomba havia explodido ali... era mais do que uma briga de casal, aquilo era mesmo um pedaço de Saigon; era uma terra arrasada. Nada que tivesse algum valor estava inteiro. Não havia sequer uma porta interna, nenhuma janela havia; nem uma pia de cozinha, uma torneira; um vaso sanitário, ou uma saboneteira sequer, nos dois banheiros... E eu, de forma imprudente e automática, como o jovem Wallander, procurava a escadinha que me levaria a um possível porão.

O cheiro era horrível, e eu só ouvia os meus passos, lentos e compassados, que desviavam de coisas maiores, jogadas para tudo que é lado, evitando pisar em “alguma evidência do crime”.

Com os olhos fixos no visor da máquina fotográfica, sem pensar em mais nada, aproveitando a generosa luz da tardinha que entrava pelo lugar onde antes havia janelas ou portas, uma sensação me invadiu! Tem alguém atrás de mim!

Senti então várias coisas ao mesmo tempo: meus batimentos aumentarem, um suor frio correr pela coluna vertebral e, sem olhar para trás, “vi” um vulto, com alguma coisa na mão, pronto para me atingir pelas costas! Eu tinha no bolso 45 reais que eu recém havia recebido numa casa lotérica, resultado de um bolão da Quina; meu celular e a minha bolsa com meu equipamento fotográfico que, vamos combinar, vale bem mais do que 45 reais...

Me preparei para a pancada que, conforme a força e o local, seria fatal ou não... Nessas situações de perigo a adrenalina é injetada pelos rins, em milésimos de segundo, na corrente sanguínea. É um aditivo natural que te prepara para lutar ou para correr, como me ensinou o Dr. Claudio, meu médico, há muito tempo atrás.

Eu estava ali, imóvel, com cara de detetive esperto de série, já esperando que um diretor gritasse “coooorta”, e eu pudesse me recompor do cagaço, quando um gato passou pelo meu lado, correndo em direção à rua, pisando em todas as evidências, mas, certamente impressionado, com a minha coragem de estar ali naquele lugar, “sem ter avisado aos colegas, sem dizer exatamente onde ia”...

Mas, toda história de aventura e suspense tem que ter um final feliz, uma série boa tem que ter uma segunda temporada. Achei que as fotos batidas já estavam de bom tamanho, e me dirigi para a saída sem ter achado “a escadinha que levava ao porão”. Foi quando percebi no chão algo parecido com uma antiga agenda de anotar telefones, um álbum com capa aveludada, cor de vinho...

Bingo! Era “a minha escadinha para o porão!” Um antigo álbum de fotografias de família estava ali no chão, diante dos meus olhos... era a prova que naquela casa, antes, morava uma família, que comemorava aniversários, natal, visitas de parentes... mas também é a prova de que não damos valor para a nossa memória, para os nossos antepassados, para as nossas raízes. Destruímos casas, memórias, e a nossa cultura. Esse álbum de retratos, não será destruído, ele agora está comigo, e como sempre digo e repito, “eu minto muito, mas sempre mostro as provas”.

Fiz meus estudos de pós graduação sobre Memória Social e Patrimônio Cultural; está escrito lá na assinatura do meu e-mail: “Luiz Carlos Vaz, pesquisa fotografia, arquivos fotográficos e memória social”.

Ou seja, cada detetive que entra sozinho numa casa abandonada acha

“a escadinha para o porão que merece”.

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(*) Luiz Carlos Vaz é Jornalista, Fotógrafo e Editor deste Blog

26 de agosto de 2020

A última vez!

 


A última vez!

Luiz Carlos Vaz (*)


A última vez que estive no Mercado foi em 9 de março de 2020. Eram precisamente 17 horas e 15 minutos, segundo o registro do arquivo digital da última foto que fiz ali, do Deus Mercúrio. No dia seguinte fui com o Chapon fotografar o Canil, em outro fui pagar umas contas, jogar na loteria e passar na farmácia, como faz qualquer pessoa na minha idade. Tá bem, podem rir, e dizer “qualquer velho da tua idade”. Não me importo, isso significa que eu cheguei lá. Cheguei vivo e aposentado. (Agora, quem ri sou eu!)

Desde janeiro já circulavam notícias de uma epidemia de gripe na China, causada por um novo vírus, um vírus conhecido, mas mutante. Alguns parentes e amigos estavam viajando para lugares bem distantes, bem perto da cena original, como a Tailândia, ou dos desdobramentos e das consequências imediatas, como a Itália e a Alemanha... Alguns inclusive já tinham levado máscaras na bagagem, das mais simples às mais sofisticadas, para serem usadas no “antes, no durante e no depois” dos voos, dos aeroportos e dos metrôs lotados. E o assunto começou a ser tratado na imprensa internacional como Pandemia! Eu, preocupado, torcia para que fosse “apenas uma gripezinha”, pois nem todos que tinham viajado possuíam “um passado com perfil de atleta”. Só que não era mesmo uma gripezinha. Não foi. Não está sendo. Matou e está matando gente. Matou lá fora. E agora já mata aqui, mais do que o total da China até agora.

Dia 16 de março, uma segunda-feira, dois dias antes das escolas pararem oficialmente as aulas, iniciamos, consciente e responsavelmente, a nossa Quarentena. Passamos no supermercado para umas compras rotineiras, suficientes para uma ou duas semanas, como sempre se faz, fechamos a porta e demos início ao nosso conclave. Um conclave à moda vaticana, com vinhos, queijos e massas, para provocar o Alfonso. Não saí mais; parei de fotografar as ruas da cidade, seus passantes, suas portas e janelas, suas praças... e o meu Mercado. Não contei mais filmes ao Hillal, não comentei com a Suzana sobre as últimas fotos do Canezinho e muito menos marcamos data para comemorar a jubilación da Neia. Não compramos mais Tri Legal do seu Zé Colmeia. Não encontrei mais com a Mirian e a Angela nos dias de Feira Ecológica, nem com a Inara à procura das rapadurinhas da Dona Jurema e da Jani. A ida a Rio Branco com a Vera e a Julia, “só para comprar Nevex”, está suspensa... e me preocupo com o regime da Nazaré, pois não encontro mais com a Isolete comprando os petiscos para ela, ali pela volta do Escritório, o Central Café, da Carla e do Joaquin.

Tenho saudade das conversas com o Guilherme, com o Pellegrin, com o Fábio. Saudade de fotografar o Armando, sempre passando apressado por ali, mas também sempre parando para um papo rápido e fraterno. Do Torino não tenho notícias, nem sei continua indo à tardinha comprar pão na Molon. Outra pessoa querida, que sempre eu fotografava e que não vejo é a Baiana, sempre com um sorriso largo, dizendo que o meu artesanato está quase pronto (a essa altura... já deve estar). Não faço mais selfie com o Charles, para mandar para o Alex e o Bruno, como prova de sua incansável labuta... mas ainda soa nos meus ouvidos a maravilhosa música do Julio - Julinho do Cavaco, nos fins de tarde no Bem Brasil, onde o Rafles sempre estava tomando um suco de laranja e se deliciando com alguma coisa “sem carne”.

Não tenho mais notícias do Rodrigo, do rapaz das Duas Tesouras Por Dez Reais e nem do “meu afilhado”, que tem nome de desembargador - Júlio Fábio de Oliveira Domingues Lafuente, que é o único pedinte honesto, pois só pede “dois real para completar uma garrafa de cachaça”.

Nesses dias todos da Quarentena tenho me dedicado apenas a fotografar um sofá; ele foi jogado na calçada aqui da frente num domingo, dia 22 de março. E permanece lá, há quase três meses, impávido que nem Muhammad Ali, apaixonadamente como Peri...

Já o Deus Mercúrio, que foi restaurado pela Isabel, não tenho mais visto nem fotografado. Imagino que ele esteja lá, em seu pedestal próximo ao portão de entrada do Mercado, pela rua Tiradentes, embora muitas vezes eu o tenha visto sentado ali, no tal sofá vermelho... tranquilo e infalível como Bruce Lee.

Mas... eu acho que o que vejo pela janela é mesmo só um sofá vermelho, sem ninguém sentado nele; um velho e surrado sofá vermelho, que foi jogado na calçada num dia de domingo. E eu detesto quando os sábados (e todos os outros dias dessa Quarentena) se parecem com um Domingo. Mismo que sea una vez, solamente una vez!

(*) Luiz Carlos Vaz é Jornalista, Fotógrafo e Editor deste Blog
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Ilustra o post, a última foto que fiz do Mercúrio, o tal sofá - onde eu o vejo seguidamente sentado, e uma foto minha feita pelo Armando antes disso tudo começar. Arte JL Salvadoretti.

15 de agosto de 2020

Os velhos estão nus

 

Foto Luiz Carlos Vaz


Os velhos estão nus

O Athos escreve como fala. Como se tornou um bom contador de histórias, acaba nos colocando como ouvintes de seus relatos, e não como leitores. Dessa forma, o jeito é cevar um mate, e sem pedir licença, entrar na roda da conversa para ouvir esse narrador do cotidiano.

Aos poucos vamos descobrindo que a Trilogia dos Metais vai ganhando corpo com este segundo livro que sucede os Contos de Chumbo. Suas narrativas desta vez não estão mais situadas nos anos da ditadura, mas na fase da “prata nos cabelos” de seus protagonistas, que não pensem que se compõem apenas de velhinhos afáveis e bonzinhos.

Vamos encontrar nos contos desse seu novo livro inúmeros velhos de cabelos brancos, ou prateados - como ele diz, muito mais reais do que aqueles das famílias margarina. Athos não os endeusa, os despe; e nus, esses “moços da terceira idade”, vão nos remetendo a outros tantos que conhecemos, que já vimos, que já fotografamos ou que já ouvimos, quem sabe, quando por algumas vezes, falamos com nosso reflexo diante do espelho!

Depois destes, os de prata, já estou só pelos Contos de Ouro!

Luiz Carlos Vaz (*), aos 150 dias da Quarentena 2020

Contos de Prata, Athos Ronaldo Miralha da Cunha, Editora Penalux, 2020

https://www.facebook.com/athos.miralhadacunha

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(*) Luiz Carlos Vaz é Jornalista, Fotógrafo e Editor deste Blog

11 de agosto de 2020

Navigare necesse; vivere non est necesse!

 


Navigare necesse; vivere non est necesse!


Luiz Carlos Vaz (*)

E de repente, não mais que de repente

o mundo virtual cai sobre a gente

explode nosso depósito de cuidados

sacode tudo, arrasta nossas vidas que,

envolta em uma fumaça tóxica,

não define mais o que era,

o que é ou que poderia ser...

as certezas, as dúvidas e os saberes

se desfazem no clicar descuidado em um botão

e revelam um mundo que não é simpático,

solidário ou afável

em cada esquina da rede

há uma "outra" rede

que busca, malha, preda e humilha

liquida os sentimentos, rouba a alegria e tira a nossa paz

Mas... como disse o general Pompeu (*) aos seus marinheiros:

Navegar é preciso, viver não é preciso!


Luiz Carlos Vaz é jornalista, Fotógrafo e Editor deste Blog,
teve seu celular clonado dia 10 de agosto e está P. da vida!

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"Navigare necesse; vivere non est necesse". Assim o general romano Pompeu, (106-48 aC.) se dirigiu aos seus marinheiros amedrontados que se recusavam a viajar durante a guerra. Citação feita por Plutarco, no livro A vida de Pompeu.

7 de agosto de 2020

Eu acho que lembro de vocês... ou L'année dernière à Marienbad

Imagens do Google
Eu acho que lembro de vocês... 

ou 

L'année dernière à Marienbad

 

Luiz Carlos Vaz (*)

 

Hoje revi L'année dernière à Marienbad, o filme de Alain Resnais que causou um verdadeiro frisson nos espectadores, lá nos já distantes anos sessenta. Ninguém mais foi o mesmo apreciador de cinema depois de assistir Marienbad. Resnais usou as técnicas da narrativa cinematográfica com criatividade e ousadia; plongées, contra plongées, cortes abruptos, sequências em ambientes quase infinitos, à meia luz, num preto e branco invejável, inesquecível, com todos os meios tons imagináveis. Um narrador de voz grave, e diálogos mínimos entre as personagens, nos conduzem em um labirinto de sedução montado em um antigo hotel, onde o tempo é inexplicável, intangível e, ao mesmo tempo, protagonista dos acontecimentos do filme.

Escrevo isso depois de rever o filme, pois assim tenho me sentido durante essa quarentena que já pode ter seu número de dias multiplicado por quatro. Fico dando voltas no tempo, num mesmo prédio, encontro sempre as mesmas pessoas, com roupas diferentes, e não sei mais se o hoje foi ontem ou o será só amanhã. Não faz mais diferença se é dia ou noite, se o que como e bebo é almoço, café ou jantar.

Chego até a janela e enxergo (ou imagino?) um extenso jardim quase sem fim, onde pessoas paradas, fixadas nos passeios como manequins, aguardam também que passe o tempo, os minutos e as horas que não fazem mais sentido... e eu mesmo tenho uma impressão de que já as vi antes, pode ser, não tenho mais certeza de nada, não sei se é memória ou só imaginação; deve ser o vírus, talvez... mas acho que já as vi antes, sim, foi no ano passado, em Marienbad...
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Luiz Carlos Vaz é Jornalista, Fotógrafo e editor deste Blog

3 de agosto de 2020

Filhos... Filhos? Melhor não tê-los!

Arthur em Curral Alto - Foto Luiz Carlos Vaz


Filhos... Filhos? Melhor não tê-los!
Mas se não os temos/ Como sabê-los?
                                                               Vinícius de Moraes
Luiz Carlos Vaz (*)

Há 15 anos minha vida mudou de rumo. Uma freada brusca mudou a direção natural que eu vinha seguindo. Diminuí as idas ao cardiologista e passei, novamente, a frequentar o pediatra. Parei de comprar os remédios para a pressão e comecei a me importar com o preço do Tylenol bebê e seus genéricos!

Voltei a frequentar as sessões infantis dos magazines de “roupas para toda a família”, o setor de brinquedos da América Latina, e as prateleiras de livros juvenis da Mundial. Comecei a buscar matrícula numa escolinha e a levar e buscar um filho no colégio.

De repente fui impedido de continuar o caminho da “terceira idade” e fui obrigado a me comportar outra vez como um jovem. Ensinar o filho a caminhar, a andar de bicicleta; comprar talco Jhonson e cantar as velhas canções de ninar voltou à minha rotina. Comecei a ver os netos também como filhos e todos acabaram crescendo juntos.

Hoje, quando o Arthur completa 15 anos, e vi pela porta do banheiro que ele estava fazendo a barba, só pude repetir a velha frase: Parece que foi ontem! O três de agosto de 2005 foi um dia quente, fez um calor que se estendeu até tarde. O Arthur nasceu às 19 horas, e naquela sua primeira noite entre nós, lembro que dormi de janela aberta no Hospital São Francisco, enquanto, no quarto ao lado, “Mãe e Filho passavam bem!”

Na família os papeis de pai, filho, tio, sobrinho e neto acabaram sendo uma coisa só, e há pouco tempo, nos encontros de Natal e aniversários, a criançada anda não sabia bem quem era primo de quem, quem era sobrinho de quem, e como era possível ter um irmão muito grande e um muito pequeno.

Sou um homem feliz. Tenho onze filhos. Seis com pimenta e cinco com açúcar! Descobri há pouco que o nosso sobrenome “Santos” está relacionado à família de Alberto Santos Dumont... por isso posso receber, já sem espanto, num mesmo dia, uma foto da gelada Antártica, uma do verão da Califórnia e outra do Canadá; pelo whats pode chegar uma imagem das muralhas da China, de um metrô de Tóquio ou Hong Kong; pelo Instagram fotos do museu Hermitage, em São Petersburgo, do Vaticano, da Finlândia, de Havana ou Varadero; cenas gravadas no Chile, no Peru, em Montevideo ou Buenos Aires... aventuras de um safári na África do Sul, passeios pela Áustria, em Berlim, na Tailândia ou nos Emirados; selfies tendo ao fundo Londres, Amsterdã, Paris e, claro, mostrando também as praias do Cassino ou do Hermena... “lives” feitas de Porto Alegre, das Minas Gerais, de Brasília, do Rio ou de Natal; mas também do Bolaxa, da Hulha ou de Rio Branco e Jaguarão.

E eu... continuo sempre correndo atrás deles, mas agora, claro, com a certeza de não poder mais alcançá-los e abraçá-los todos juntos, pois criaram asas e já não cabem todos na mesma fotografia.
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(*) Luiz Carlos Vaz é Jornalista, Fotógrafo e editor deste Blog


27 de julho de 2020

O Mundo Acabou!

“Triunfo da Morte”, de Pieter Bruegel, o Velho”, 1562 - Museu Nacional do Prado



O Mundo Acabou!

"Levanta,
me serve um café,
que o mundo acabou!"

Nostradamus, Eduardo Dusek

Luiz Carlos Vaz (*)

O mundo acabou. Ufa! Eu já não aguentava mais.

Era muita guerra, muito ódio, muita matança. As pessoas matavam outras pessoas por um par de tênis ou por um celular; por ciúme ou inveja; outras vezes se morria por dívidas com o tráfico, por alguém dirigir bêbado, ou apenas por caminhar sem olhar para baixo... Venenos e remédios matavam muitas pessoas. Barragens que levavam seu barro até a cumeeira das casas mataram cidades inteiras. Mataram bairros, vilas, animais, árvores, pessoas e as memórias todas dessas gentes, desses bichos e desses lugares. Não ficou um só papel de bombom no meio de um livro, não restou uma única fotografia.

Nem vou falar nas guerras feitas pelos homens que habitavam esse mundo. Essa atividade era muito antiga, muito perversa, e não possuía uma só justificativa que a justificasse. Se matava, ou melhor, se mandava matar, em nome de fronteiras divisórias, rios divisores ou linhas imaginárias. Se matava em nome do petróleo da paz, se matava em nome dos diamantes de amor e sangue ou em nome de algum democrático homem deus. Esse mundo que acabou era um mundo de muito matar e pouco viver. Ainda bem que ele acabou.

Foi preciso um vírus, bem mais forte que qualquer outro, agindo e se propagando muito rápido, para “acabar com esse mundo”. Um mundo egoísta, na primeira pessoa, composto de muitos eus e poucos nós. O mundo que ora acaba, não exerceu a solidariedade, o coletivo, o grupal. As fogueiras ancestrais que reuniam os homens há muito haviam se apagado, suas antigas brasas já tinham virado cinzas frias e inertes. O dinheiro acumulado em espécie não conseguiu encher barrigas; os extensos extratos bancários não puderam ser bebidos na hora da sede e as ações da bolsa, como eram só papeis virtuais, não serviram nem para limpar o traseiro; a riqueza acumulada perdeu o sentido, a terra não dividida perdeu a finalidade e as inúmeras chaves não tinham absolutamente mais nenhum segredo para guardar.

Mas... o que eu temo, mesmo, é que o mundo não tenha acabado. Que depois desse meu pesadelo todo, ele tome a vacina, se recupera e continue assim como está, assim como sempre foi. Com centenas de milhares - ou mesmo de milhões, de vidas a menos, sem dúvidas, mas com as mesmas ideias, os mesmos propósitos e os mesmos vícios.

E aí não estaremos recomeçando, estaremos só fazendo um reset. Vai rodar o mesmo programa. E, já sabemos, que o antivírus não funcionou.
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(*) Luiz Carlos Vaz é Jornalista, Fotógrafo e Editor deste Blog