20 de abril de 2021

O Zapzap das flores



O Zapzap das flores

Athos Ronaldo Miralha da Cunha (*)

Não sei porque cargas d'água alguém me adicionou em um grupo do Zapzap para falar de flores. Fiquei imaginando o que eu falaria de flores... veio em minha mente o premiado curta “Ilha das flores”, o sabonete “Alma de flores” e o Flores da Cunha. E parei por aí.

Não saí imediatamente para não ser mal-educado. E eu poderia aprender algo sobre flores. Algum manejo para deixar meu jardim mais florido. Sei lá, eu poderia aprender a cultivar rosas.

Na manhã do dia seguinte acordei com uma avalanche de mensagens no celular.

Bom-dia! Bom-dia! Bom-dia!

Durante todo o dia ninguém falou de flores. Uma guria postou a foto de girassóis com abelhas. Linda! Outra com borboletas e flores desfocadas ao fundo. Bela foto. Dona Margarida postou a foto de uma samambaia que, aliás, não tem flores. Mas relativizei, afinal era a Dona Margarida... uma flor.

Lá pelas 10 horas da noite começou outra saraivada de mensagens.

Boa noite! Boa noite! Boa noite!

Então eu fui no YouTube e copiei o linque da música “Pra não dizer que não falei das flores” e colei no grupo. Pensei que não poderia ser uma boa ideia e, realmente, não foi. Ato contínuo, seguiram os comentários exacerbados. Estávamos em período eleitoral e os ânimos acirrados.

#Bolsonaro17!

Vai pra Cuba!

Pão com mortadela!

13 de cabo a rabo – e carinhas sorridentes.

Cirão da massa 12.

Fiquei na moita e não comentei nada. Seriam estas as flores do mal? Nestas horas o silêncio é a melhor solução. Na manhã seguinte a mesma avalanche do dia anterior. Alguns incrementavam as postagens com emojis floridos.

Bom-dia! Bom-dia! Bom-dia!

E durante todo o dia ninguém falou das flores. Apenas o comentário e foto sobre Ora-pro-nobis dizendo que tinha muita proteína e era excelente alimento. Confesso que não sabia. Tinha certeza que aprenderia alguma coisa.

À noite a Dona Margarida postou a foto de uma erva-daninha. E um ramo de Macela colhida na páscoa passada. E a mesma ladainha.

Boa noite! Boa noite! Boa noite!

Então postei a foto de uma bandeja com laranjas, goiabas, bananas, bergamotas e maçãs. E a foto da ex-primeira-dama, Marcela, sorridente.

De vereda alguém retrucou.

Este grupo é para falar das flores! Juntando ao texto emojis raivosos.

Fui até a cozinha peguei um copo e enchi de leite desnatado, bati a foto e postei.

– Um copo de leite, pessoal! – comentei e em enchi a postagem com kkkkkk.

– Tu tá de brincadeira, né – alguém comentou.

Postei uma carinha risonha e fui dormir. Na manhã seguinte a mesma avalanche.

Bom-dia! Bom-dia! Bom-dia!

E ninguém falou de flores. Só que aconteceu o seguinte. Por volta das 13h30, logo após o horário político, Dona Margarida teve a brilhante ideia de dar “boa tarde” ao grupo, toda faceira. E foi outra avalanche.

Boa tarde! Boa tarde! Boa tarde!

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{Athos saiu do grupo}

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(*) Athos Ronaldo, que é um santamariense por adoção, é um filho de ferroviário que nasceu em Santiago e estudou engenharia na UFSM. Foi funcionário da "Caixa", participou de algumas antologias, publicou vários livros de contos e já recebeu vários prêmios literários com eles. Esta crônica, o Zapzap das flores, está no recente Em prosa e verso, volume XIII, da Academia Santamariense de Letras. Athos, um colorado convicto, também está presente no livro de crônicas O gol iluminado, publicado em 2009. 

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