18 de outubro de 2021

Um dia em Rio Branco (Século XX)

                                                                  Fotos e Arquivo de Jorge Passos


Jorge Passos (*)


Amanheceu. Da quinta vem o ruído da enxada limpando o pasto na volta dos morangos. São poucos, mas bem cuidados. O terreiro das galinhas já foi varrido e os ovos das poedeiras colhidos. Ouço o trotezito do carro de la panaderia Los Claveles entregando o pão recém saído do forno. Rio Branco vai acordando. Tomo café para ir ao Colégio das Freiras e o pai me avisa que a Rural não pegou. "Sobe lá na Aduana e vê se não tem algum marinero, o Medina ou o Borges, pra me ajudar a dar uma empurrada."

Subo pelas escadinhas da ponte onde já se vê a correria com o Carromotor chegando. Passou pela estação Presidente Getúlio Vargas, Poblao de Vargas como se dice por acá. Vem apinhado.

No meio da ponte já está se aninhando na calçada o Nego Véio vendedor de bananas. Ele larga as bananas ali no chão e os passantes, com suas maletas de garupa sobre os braços que vão comprar açúcar, yerba, rapadura y otras cositas más no Armazém Oscar Amaro em Jaguarão, já vão adquirindo una penca que vai ser derrubada de uma sentada ali na sombra dos arcos da ponte.

Do outro lado, também de um trem, este, um Maria Fumaça que veio de Rio Grande e passou pela estação Basílio, vai descendo o pessoal cruzando a Mauá destino à Casa Azpiroz, Tienda Machado, Casa de las Lanas, Casa Simon, Casa Martinez, el Almacen del basco don Amado e outros comercios chicos que vendem de tudo que é bom do Uruguay: lanas, cobertores, telas balmoral, casacos de burma, quesos, dulce de leche, aceite y galletas Maestro Cubano, aquelas que vem nuns latões grandes que depois é bom de guardar os mantimentos em casa.  Algum desses viajantes até pensa em passar uns dias na fronteira hospedados ali no Hotel Italiano, comer una buena parrilla no Oásis acompanhado por una Norteña e quem sabe dar un paseo de bolanta por la Cuchilla, visitar os parentes que aqui ficaram e curtir la sesion de sabado nel cine Rio Branco, que en la cartelera anuncia la pelicula de guerra "Los Cañones de Navarone". Imperdible!

O velho, depois de me dar uma carona na rural até o colégio, já está na loja. Às vezes, quando tem muito movimento, como parece ser hoje, até almoça por lá. De tarde, depois dos temas feitos, também vou pra loja, ajudo com algum pacote, cevo o mate, mesmo pra algum cliente que puxa conversa, e me entretenho,  por entre o burburinho das mulheres , que essas são mais falantes, experimentando roupas, o rec rec rec das tesouras cortando telas, as negaceadas murmuradas da balconista Muñeca dizendo pra minha mãe: "Esa, baja todo y no compra nada."

Volta e meia, uma vez por mês, no começo da temporada, aparece algum viajante de Montevideo com sua mala cheia de novidades que vai abrindo e mostrando pro Velho. "Ney, eso se va a vender mucho este año", dizia o vendedor, enquanto eu e minha irmã menor ficávamos encantados ali na volta, só mirando porque não se podia falar, admirando aquele mascate fumando cachimbo com relógio de corrente de ouro e mostrando as mais lindas mercadorias da Capital del País y que a los brasileños les iba a gustar mucho.

Depois, já à tardinha, sentado num dos degraus da loja, ficava só  observando tranquilo aquele mundo de gente percorrendo a rua central do Rio Branco, num ir e vir, no  fervor de consumo,   a esperar a passagem  das gurias que saem do liceo.

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Jorge Passos
é um amigo de Jaguarão. Entra tantas coisas que ele faz, digo é fotógrafo, ciclista e apaixonado pelas água do seu Rio, onde nada, rema e navega... Um legítimo fronteiriço. Parte de sua história está narrada no curta metragem Casa de Rio, que concorre a vários prêmios ainda este ano.


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