Jorge Passos (*)
Amanheceu. Da quinta vem o ruído da enxada limpando o pasto na volta dos
morangos. São poucos, mas bem cuidados. O terreiro das galinhas já foi varrido
e os ovos das poedeiras colhidos. Ouço o trotezito do carro de la panaderia Los
Claveles entregando o pão recém saído do forno. Rio Branco vai acordando. Tomo
café para ir ao Colégio das Freiras e o pai me avisa que a Rural não pegou.
"Sobe lá na Aduana e vê se não tem algum marinero, o Medina ou o Borges,
pra me ajudar a dar uma empurrada."
Subo pelas escadinhas da ponte onde já se vê a correria com o Carromotor
chegando. Passou pela estação Presidente Getúlio Vargas, Poblao de Vargas como
se dice por acá. Vem apinhado.
No meio da ponte já está se aninhando na calçada o Nego Véio vendedor de
bananas. Ele larga as bananas ali no chão e os passantes, com suas maletas de
garupa sobre os braços que vão comprar açúcar, yerba, rapadura y otras cositas
más no Armazém Oscar Amaro em Jaguarão, já vão adquirindo una penca que vai ser
derrubada de uma sentada ali na sombra dos arcos da ponte.
Do outro lado, também de um trem, este, um Maria Fumaça que veio de Rio
Grande e passou pela estação Basílio, vai descendo o pessoal cruzando a Mauá
destino à Casa Azpiroz, Tienda Machado, Casa de las Lanas, Casa Simon, Casa
Martinez, el Almacen del basco don Amado e outros comercios chicos que vendem
de tudo que é bom do Uruguay: lanas, cobertores, telas balmoral, casacos de
burma, quesos, dulce de leche, aceite y galletas Maestro Cubano, aquelas que
vem nuns latões grandes que depois é bom de guardar os mantimentos em
casa. Algum desses viajantes até pensa
em passar uns dias na fronteira hospedados ali no Hotel Italiano, comer una
buena parrilla no Oásis acompanhado por una Norteña e quem sabe dar un paseo de
bolanta por la Cuchilla, visitar os parentes que aqui ficaram e curtir la
sesion de sabado nel cine Rio Branco, que en la cartelera anuncia la pelicula
de guerra "Los Cañones de Navarone". Imperdible!
O velho, depois de me dar uma carona na rural até o colégio, já está na
loja. Às vezes, quando tem muito movimento, como parece ser hoje, até almoça
por lá. De tarde, depois dos temas feitos, também vou pra loja, ajudo com algum
pacote, cevo o mate, mesmo pra algum cliente que puxa conversa, e me
entretenho, por entre o burburinho das
mulheres , que essas são mais falantes, experimentando roupas, o rec rec rec
das tesouras cortando telas, as negaceadas murmuradas da balconista Muñeca
dizendo pra minha mãe: "Esa, baja todo y no compra nada."
Volta e meia, uma vez por mês, no começo da temporada, aparece algum
viajante de Montevideo com sua mala cheia de novidades que vai abrindo e
mostrando pro Velho. "Ney, eso se va a vender mucho este año", dizia
o vendedor, enquanto eu e minha irmã menor ficávamos encantados ali na volta,
só mirando porque não se podia falar, admirando aquele mascate fumando cachimbo
com relógio de corrente de ouro e mostrando as mais lindas mercadorias da
Capital del País y que a los brasileños les iba a gustar mucho.
Depois, já à tardinha, sentado num dos degraus da loja, ficava só observando tranquilo aquele mundo de gente
percorrendo a rua central do Rio Branco, num ir e vir, no fervor de consumo, a esperar a passagem das gurias que saem do liceo.
____________
Nenhum comentário:
Postar um comentário