22 de março de 2022

Os Cem Anos da Minha Mãe

Arquivo da família


Pedro Moacyr Pérez da Silveira (*)

    Minha mãe, que daqui partiu há onze anos, treze após meu pai, estaria fazendo, neste 21 de março, cem anos. Eu nunca mais a verei. Nunca mais verei meu pai. Nunca mais nos encontraremos, seremos pó e, depois, nada. Ela já não vive, ele morto já é, assim como seus pais, meus avós, todos mortos há anos sobrepostos a outros. Mil, dois mil anos passarão, e nada de nós restará em lembrança alguma de alguém da minha espécie (se ela sobreviver, o que não me parece provável).

    Todavia, mesmo que tudo desapareça e o mundo seja formado apenas por estúpidas estrelas dançando a esmo, sem terem sequer o sentido vão que a elas emprestamos com certos esforços da mágica poética que julgamos tanger o sublime quando por aqui vivemos, ah, mesmo que tudo seja o que não é, e que talvez tenha o próprio tudo se tornando uma bolha morrente, exausta, servindo apenas para acomodar um deus único e solitário que tudo criou, mas que perdeu a paciência e também já dá sinais de que deseja se ir, e que sua única criatura restante venha a ser então essa bolha fenomenal, do tamanho que o mundo é hoje, e venha assim o universo a ser um colossal vazio, onde haverá apenas o ar adoecido para este deus triste respirar seu ar empestado e tossir seus arrependimentos, oh, mesmo que assim seja, minha mãe, quando eu nada for e nem a senhora, quando não formos nem recordação n'alguma alma vaga e ainda talvez humana - mesmo aí, nestas condições - quero que a senhora saiba que o pequeno atrito aquecido da sua mão na minha mão produzirá o raro e exclusivo pólen que instalará no meu impossível jardim a planta, linda e imaginária, do amor que um dia recebi de ti, e saberei que planta mais linda não houve, não há e não haverá no que quer que possa existir ou estar sucumbido para sempre. Tuas mãos nas minhas, mãe, tuas mãos nas minhas, quando estes apocalipses terrificantes não assustavam o teu menino porque tuas mãos estavam, aquecidas, sobre as dele. 

    Saudade, mãezinha.
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(*) O professor Pedro Moacyr é doutor em educação, diretor da Faculdade de Direito de Pelotas, e autor do livro a Memória é um cavalo selvagem, a quem foi me dada a honra de escrever a apresentação e fazer a Foto do Autor.



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