A Philips-550 comprada pelo seu Otacílio |
Do trauma de 66 à Copa na TV
Sérgio Fontana (*)
Em 1958, quando o Brasil foi
campeão mundial pela primeira vez, eu não estava nem na barriga da minha mãe.
Quatro anos depois, apesar da capacidade de, talvez, dar os primeiros chutes em
bolas de futebol de brinquedo, ainda não sabia de nada. Só quando aprendi a
ler, mais tarde, é que decifrei o que queriam dizer aquelas imagens das
revistas Fatos & Fotos que enalteciam as façanhas do escrete canarinho na
Copa do Chile.
Num certo final de tarde,
enquanto driblava adversários imaginários representados por pedaços de lata,
pedras e vassouras de bruxa espalhados no pátio da sede de uma associação, na
Rua Flores da Cunha, em Bagé, me dei conta que sabia, posição por posição, a
escalação do time do Grêmio: Arlindo ou Alberto, Altemir, Airton, Áureo e
Ortunho; Cléo e Sérgio Lopes; Marino, Joãozinho, Alcindo e Vieira. Pronto. Foi
como se uma luz acendesse e mostrasse um caminho novo, um pouco além das
transmissões das jornadas esportivas das rádios bageenses, cujo ápice - para
mim - eram os comentários de Octacílio Fontana.
Quando a Copa da Inglaterra
chegou, em 66, eu estava preparado e achava que a seleção brasileira também
estava. A vitória contra a Bulgária no primeiro jogo, com gols de Pelé e
Garrincha, não deixavam dúvidas. Era um bom começo.
O rádio de baquelite preto,
valvulado, estava instalado sobre o beiral interno da janela basculante do
corredor que dava vista para o pátio. Junto à mesma janela, encostada à parede,
uma mesa de estudos destinada para mim, e que também servia para a minha mãe
passar roupa. Ali foi a primeira vez que acompanhei, do início ao fim, um jogo
da seleção. Chovia e fazia frio naquela tarde de julho, enquanto as ondas
curtas da Rádio Guaíba narravam a partida do Brasil contra a Hungria. O sinal
da rádio, acompanhado por frequentes descargas atmosféricas, e cada vez mais
fraco à medida que a tarde caía, não me fez desistir de "lutar" até o
fim por uma vitória do Brasil. Foi injusta, para o guri de 6 anos, a derrota
por 3 a 1.
Embalada por uma vitória de
3 a 1 contra a Hungria e outra de 3 a 0 contra a Bulgária, a seleção de
Portugal já estava quase classificada quando lhe coube enfrentar o Brasil pela
terceira rodada da primeira fase do torneio. Confiante, eu imaginava que Pelé,
Garrincha e os outros poderiam derrotar o time que, àquela altura, parecia ser
o melhor da Copa. Pelé saiu lesionado, depois de repetidas entradas violentas
dos zagueiros portugueses, quando o Brasil já estava em desvantagem no placar e
não era permitido efetuar substituições. Assim, deixei o rádio em segundo plano
e fui brincar de goleiro com uma pequena bola de borracha no hall de entrada da
casa. Atirava a bola na parede e tentava defender na volta, me jogando no chão
ainda que não fosse preciso.
Mesmo sem o Brasil na Copa
continuei acompanhando os jogos das quartas-de-final, semifinais e final. Não
sei o motivo, mas torci contra os ingleses até o fim.
A TV Philips-550, comprada à
prestação na loja do Aracely, chegou lá em casa no outono de 1970, acompanhada
de um estabilizador de tensão, logo apelidado por nós de "malinha"
porque, com aquela alça parafusada em cima, se parecia com uma. Desconfiei das
intenções do meu pai. A televisão não era para a minha mãe ver as novelas, era
para a família ver a Copa do México.
Valeu a pena. Vi e venci,
pela primeira vez, a Copa do Mundo; Jair, Tostão, Pelé e Rivelino formaram um
quarteto fantástico; e essa foi a melhor seleção brasileira da história. Estava
superado o trauma de 1966.
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(*) Sérgio Fontana, engenheiro de profissão, é bageense e entendido em futebol, pois é filho do memorável comentarista esportivo Otacílio Fontana.
(*) Sérgio Fontana, engenheiro de profissão, é bageense e entendido em futebol, pois é filho do memorável comentarista esportivo Otacílio Fontana.
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Um comentário:
Ótima crônica, parabéns!
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