18 de outubro de 2011

A terra da promissão entre a praça e o café


O autor (C), com familiares e amigos, em foto de Bruna Kaster
A terra da promissão entre a praça e o café

Por Carlos Cogoy (*)
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Em outubro no salão Pe. Carlos Johannes da Casa da Criança São Francisco de Paula, João Félix Soares Neto autografou o livro “Na palma da mão – uns contos do sul
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Os meninos crescem. As ideias amadurecem. Mas a referência dos valores está enraizada. Dois guris do interior, Manequinha e “Borrego”. Na então vila Olimpo, as meninices à margem do Piratini. Gurizada de origem humilde. Em casa, distintas narrativas. O Manequinha induzido à Igreja, da mãe ouvindo máximas conservadoras como “A aparência é tudo!”. Já o “Borrego” joga futebol, anima-se com rodeio, circo e quermesse. Ajuda a mãe, vendendo balas no centro da vila. Do pai ferroviário, líder sindical, herdou o viés libertário, maldizendo a “vida social e a burguesia”. Na infância, eles percorrem o mesmo mapa, perambulam pelos trilhos do lugar. No entanto, por conta das recomendações dos adultos, desviam-se da convivência. O tempo transcorre, décadas passaram-se, mas os dois guris ainda estão presentes. Eles estão entranhados nos adultos Manuel e Teodoro. Inesperadamente, na cidade maior, encontro inusitado. Ideia que abre o conto “Na palma da mão”. Autoria do jornalista e escritor João Félix Soares Neto – irmão do cronista e ex-vereador Deogar Soares. No conto que dá título ao livro que será lançado nesta sexta, João Félix recorre a episódio prosaico para evocar temática complexa. Muito além de presumível queda-de-braço ideológica, que poderia escorregar num surrado maniqueísmo, o autor remete a julgamento moral. Trata-se de espelho ao leitor, já que diariamente agendamos julgamentos no tribunal da consciência. Como trunfo, o escritor encontrou no trivial uma fonte para questionar o leitor. Nem santo nem demônio, mas Manequinha ou “Borrego”, ou ambos, um híbrido permeado por mapas desenhados nas vivências. Na palma da mão está uma decisão.
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PROMISSÃO – Pedreira, Palma, São Paulo. No conto “Terra da Promissão”, o autor oferece trama plausível. Há similares por aí. Transitando entre o passado e o desfecho contemporâneo, narra acerca de família pobre do interior. A perspectiva de futuro melhor, amparando-se no aceno de novos investimentos. A exploração do calcário seduz, remete a outras demandas e movimento. Angenor convence a mulher Carolina. Largam a labuta com as vacas e o leite, ajeitando-se numa bodega para atender os operários da pedreira. Essa “promissão”, apanhada pelo escritor, até poucos anos, engambelou cabeças da região. Era o “canto dos eucaliptos”, com grandes empresas anunciando a redenção dos miseráveis. E foram comprando o imaginário, bancando gente das rádios e poderes. No conto, porém, o “blefe” evolui, acontecem mudanças. Aquela família se estabiliza. E o texto envereda por sutilezas. As idas e vindas de um romance, a personagem que considera a humildade como fracasso, uma “falta justificável de ambição”. Hábil no texto burilado, insculpido, enxuto ao encaixar imagens, o autor que admira escritores como William Faulkner (1897/1962), Edgar Allan Poe (1809/1849), Nathaniel Hawthorne (1804/1864), Graciliano Ramos (1892/1953), e Guimarães Rosa (1908/1967), leva a ficção para desfecho ardilosamente humano.
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BANCO entre a Praça e o Café. Memórias do ex-bancário João Félix que ambienta no período da ditadura militar, os contos “Entre a praça e o café” e “Pra frente, Brasil”. No primeiro, episódio bizarro aludindo a Leonel Brizola. No segundo, abordagem sobre uma fase de torpor no País. Suspeitas, prisão de sindicalista, interrogatório inusitado. Nos contos, abordagem que ainda é escassa na cidade. Trata-se do olhar que narra sobre o período repressivo em Pelotas. Entre a praça e o café, risos, medo e esperança.
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CONTOS – São onze no volume. E há espaço para a crueza da velhice. No conto “O Solitário da Rua Benjamin”, enfoque sobre personagem que, diante da vida que esvai, depara-se com a lascívia do passado. O juiz aposentado está só, mira, encanta-se, mas a vida impõe limite. Sedução e perturbações íntimas, estão no conto “Os conflitos do capitão”. Em “Campeão dos Campeões”, nostálgica evocação ao embate entre Vasco e Pelotas. “No velho jornal”, lirismo e ironia. A partir de episódio envolvendo o então estudante de direito Carlos Chiarelli, crônica arrematada pelo colega de redação.
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AUTOR já publicou “O cigarro ensanguentado”, participou dos livros “Centenário do E. C. Pelotas” e “13,5 lugares do Arroio Grande”. O livro “Na palma da mão...” (218 páginas), tem apresentação de  Aldyr Garcia Schlee e a publicação é da editora Ponto de Vista.
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(*) Carlos Cogoy é jornalista, editor de cultura do jornal Diário da Manhã, de Pelotas/RS, e professor de filosofia. Publica no blog 3º Milênio 

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