6 de setembro de 2012

Um baú no Pampa - XVII, As xícaras da discórdia

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As xícaras da discórdia
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Gerson Luis Barreto de Oliveira

  Cresci ouvindo as estórias da casa dos meus avós, um jogo de gato e rato era o mais divertido para nós, os netos. Quando minha avó noivou, a mãe do noivo a convidou para irem juntas á igreja, vó Orphelina que nunca foi carola, o pai dela era adepto da doutrina espírita, não foi ao encontro com a futura sogra, e a implicância começou.

  Os anos foram passando, meus avós casados desde 1930 tiveram dois filhos, minha mãe e o irmão, mas o relacionamento entre a sogra Amélia (Melica), e a nora Orphelina ficava cada vez mais ácido, um ferida aberta. O resultado de duas mulheres fortes que pensavam diametralmente o contrário em tudo, isoladas no meio do campo, aos pés do Cerro do Cunhatay, era como somar um mais um, pura encrenca.

  As sobrinhas do meu avô eram moças e traziam uma grande coleção de amigas do internato de Santa Maria, iriam passar o verão na campanha, inventavam bailes, jogos, passeios, para espantar o tédio da noite. Uma das amigas mais levadas tinha por apelido Zépinha. Segundo ouvi o relato diversas vezes contado, a bisavó se recolhia cedo, esperava o café ser passado após o jantar, retirava as primeiras gotas e levava em um bule para o quarto, gostava de tomar durante a madrugada. Enquanto isso no pátio interno, embaixo do parreiral, o jogo de carta, as brincadeiras pueris corriam soltas, e acabava o café, era a Zépinha a primeira a dizer, “vou pegar mais”, de quatro se esgueirava atrás do bule da bisavó, esta ouvindo um barulho pensava ser algum dos seus gatos, e repetia” chispe gato!!”

  Mas eram nas atividades corriqueiras que sogra e nora mais se estranhavam. Melica era uma avó autoritária, exigia que os netos lhe pedissem a benção, o que Orphelina achava arcaico, e não incentivava os filhos a isso. Em várias ocasiões as faíscas se manifestavam, até um bandeijão cheia de xícaras era motivo de desavença, os objetos foram limpos e estavam esperando serem guardados, pois a mais velha passa a mão na bandeja, para demonstrar que fazia alguma coisa na casa que era sua, e não é que tudo vai ao chão. Minha avó manda as crianças recolherem tudo e estes fazem o “enterro das xícaras”, uma brincadeira marota que deixava os ânimos mais acirrados.

  Em outra ocasião a sogra desdenha das louças da nora, estas são lindas, e minha avó sabia disso; pois se não eram bonitas não eram para serem usadas, e as guardam todas em seus estojos originais.

  No ano de 1937 os bisavós fazem Bodas de Ouro, novamente por iniciativa das netas mais velhas, que adoravam uma festa boa, chegaram para o bisavô e pediram um grande churrasco, este que era festeiro de primeira, aceita. O casal não mais convivia tanto, ela na casa da filha em D. Pedrito, só indo para o campo no verão, ele sempre na casa da fazenda. Mas a festa é organizada como grande evento da família Barreto, vem toda a parentada, até o Rev. Pithan, a quem todos respeitavam, o responsável pela congregação em D. Pedrito.

  E quem faz todo o trabalho é a Orphelina, e se esmera, afinal havia sido um pedido do sogro, com quem se dava muito bem, se tratavam com profundo respeito. Manda apartar os melhores terneiros para o abate, cordeiros mamão para serem assados, junto com leitões, mais linguiças, queijos de porco, morcilhas, butifarras, charque de primeira para o feijão, tudo era manufaturado e ela comandando para isso uma legião de empregadas, mas com os doces era a maioral, os doces de tacho para após o churrasco, e os de calda, mais fios de ovos, bem casados, pudins, flans, e bolos para o chá da tarde. Nesta ocasião aproveita e dá a cartada final no jogo de poder, manda desembrulhar todas as louças, e o faqueiro de prata e cabo de madrepérola, e faz uma mesa magnífica.

  O sofisticado reverendo fica impressionado, e pergunta para Melica, que está sempre ao seu lado, de quem são os objetos tão bonitos. Restou à bisavó dizer: “são da minha nora”, esta ouviu e abafou o sorriso de satisfação, a partida estava ganha.
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Gerson Luis Barreto de Oliveira
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3 comentários:

olmiro muller disse...

Bela crônica.

Gerson disse...

Tchê Vaz, muito bonita a estória do meu xará e tenho a dizer o seguinte: a bem da verdade, os homens tiram sarro da sogra, fazem piadas sobre a sogra e até tem a simpatia das sogras, mas nora e sogra são seres compoletamente diferentes e suas direções contrárias, ou seja, nunca vão se encontrar, e o incrível é,que toda nora não se dá de conta que um dia será a tão malfadada sogra.

Anônimo disse...

Gerson,
Gostei muito; que haja uma continuação e nos brindes com as tuas lembranças familiares; muito interessantes, são a tradição oral da tua família e isso é muito bonito; parabéns.
Sonia Villar