2 de março de 2011

O direito de chorar

Carlo Andrey, óleo sobre tela
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Os míopes, como eu, sabem: a chegada dos 40 é especialmente dolorosa, pois, à vida cansativa soma-se a vista cansada.
Em minha última ida ao oftalmologista veio a revelação: sofro de ressecamento ocular.
Tenho olhos áridos, retinas desérticas. Logo eu, que choro feito criança em filmes românticos de finais felizes. Logo eu, cuja vida ridícula se assemelha a um dramalhão mexicano, um vale de lágrimas que começa na desgraça e acaba no riso (ou vice-versa). Logo eu, agora perdi o direito sagrado de chorar.
Mas não doutor, não serei presa do riso fácil, amarelo e sem graça que acomete os quarentões perdidos. Não abrirei mão de minhas lágrimas. Nem que sejam lágrimas secas, evaporadas nas porradas da vida. Disso não abro mão, doutor. Chorar, choramingar, diluir-me, liquidar-me, liquidificar-me, secar no sal das lágrimas que queimam minhas retinas fatigadas.
Só assim não cegarei.
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Victor Colonna
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Publicado em deitando o verbo 
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2 comentários:

Maribel disse...

Que legal! Uma prosa poética! Tem mesmo que deitar o verbo!
Como diz naquele famoso livro, "no princípio era o verbo"..

Luiz Carlos Vaz disse...

O Victor é muito bom.