18 de março de 2011

São Lourenço do Sul - Vida que segue

Um sol de fim de verão joga pela última vez sua luz sobre móveis e eletrodoméstcos...

que, descartados na rua, viraram lixo e levam consigo parte da memória da cidade
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É muito difícil visitar uma cidade onde temos amigos ou parentes e perceber que algo de muito ruim aconteceu com ela. Mesmo num dia com sol pleno ainda é possível constatar o estrago causado pela enxurrada na cidade de São Lourenço do Sul, situada às margens da Laguna dos Patos, a 200 km de Porto Alegre. De uma população de 43.000 habitantes, 20.000 foram atingidos diretamente pelas águas e tiveram suas casas invadidas pelo lodo e pelos resíduos trazidos por um tsunami de rio. Andando pelas ruas se observam verdadeiras mudanças à beira das calçadas. São os restos de móveis, roupas, pertences pessoais e eletrodomésticos que havia no interior das casas e que, agora, viraram entulho e lixo, nada mais do que isso. A solidariedade de moradores e prefeituras da região - somada ao esforço sobre-humano dos funcionários da prefeitura de SL e da defesa civil do estado é que estão fazendo a vida, aos poucos, retornar à rotina. Mesmo que metade do município nada tenha sofrido, todos os moradores de São Lourenço estão em estado de choque. Com a adrenalina altíssima, tratando de recompor as próprias vidas e ajudando vizinhos e parentes, ainda “não caiu a ficha” da maioria dos cidadãos. Tudo parece um sonho ruim, que não  deve ter acontecido... Mas aconteceu. 
É impossível à imprensa descrever o acontecido. Mesmo mostrando milhares de imagens não se conseguirá transmitir o sentimento de perda e desolação dos moradores da cidade - formada inicialmente pelos imigrantes Pomeranos que vieram da Europa a partir da segunda metade do século XIX, como bem narra Jairo Scholl Costa em seu livro - O pescador de Arenques. Atormentada desde 1941, quando da primeira grande enchente na cidade, São Lourenço busca forças em suas raízes étnicas de trabalho e vida dura. A cidade fundada por Jacob Rheingantz se reerguerá, não tenham dúvida. Mas boa parte da sua memória foi perdida. Os antigos retratos das famosas Noivas de Preto, que ornamentavam as paredes de centenas de casas, desapareceram para sempre. Também se perderam muitos álbuns de fotografias em preto e branco, dos anos 40, 50 e 60... as primeiras fotografias coloridas, já meio esmaecidas, dos anos 70, foram com as águas. Também viraram lixo centenas de computadores com seus arquivos fotográficos repletos de imagens contemporâneas que contavam a história de vida de milhares de lourencianos. Quantos amores iniciados durante os Repontes da Canção Nativa perderam seus registros fotográficos para sempre?
Mas, a vida em São Lourenço segue. Um pouco mais pobre. Mas segue. Outras histórias começam a partir de agora. Uma delas é a da enxurrada de 2011. Uma história que todos gostariam de não contar. Uma história que será contada e recontada. Milhares de vezes. Principalmente por quem sobreviveu à madrugada do dia nove de março de 2011. Um dia para esquecer. Um dia para lembrar. Para sempre.
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3 comentários:

Gerson Mendes Correa disse...

Bem diz o ditado: "Quem foi rei, sempre será majestade", e São Lourenço antes dessa enchente tinha o codinome "A Pérola da Lagoa", todavia continua sendo e será sempre essa pérola. Até porque, o povo Lourenciano é forte e vai reconstruir o que caiu da da nossa Pérola da Lagoa.

Manoel Ianzer disse...

A administração pública gasta muito com fatos e efeitos simbólicos ou faraônicos, mas a realidade é outra. O político não tem mais a arte de governar com habilidade, direcionando os negócios para o bem estar do povo.
Que tal preparar caminhos, canais, desvios e barreiras para evitar novo desastre?
Acredito no gaúcho. Acredito no povo de São Lourenço do Sul, para com raça continuar a luta por dias melhores e assim vislumbrar a paz e a harmonia com a natureza.

J.J. Oliveira Gonçalves disse...

Oi, Vaz!
Pois, fiquei triste, chocado com o que aconteceu com a bela, bucólica e pacata São Lourenço do Sul. Por uma meia dúzia de vezes, lá estive recebendo prêmios por participação no concurso literário anual - poética e justamente intitulado "Pérola da Lagoa". Concurso esse já tradicional do "Clube de Escritores Lourencianos". São Lourenço é uma cidade onde vicejam a Cultura, a Arte e o culto às Tradições - além da hospitalidade de seu povo. Vi, paralisado, cenas de um pesadelo vivo, impiedoso... de caos!! Apesar das Dores e das Perdas, São Lourenço continuará a ser a "Pérola da Lagoa". Será a Fênix que se erguerá de seus Destroços! O que é lamentável, meu caro Vaz, é que o bicho-homem se nega a aprender - mesmo com a própria Dor... Ele se põe - em sua arrogância e em eseu "frágil" poder - acima da Natureza, embora a Natureza esteja sempre a mostra-lhe que ele é um simples Ser da Natureza. O que é esse homem dinheirista e egoísta ante as Forças de Mãe-Natureza? Nada!! Ah, como bem disse Nietzsche, sem dúvida e, cada vez mais, "o homem é o mais cruel dos animais."
Abraço,
JJ!