A avó, bem mais recentemente, usava uma colherinha minúscula para colocar umas bolinhas coloridas por cima do doce já pronto - ao qual dava o nome de "chuva de amor. Esta colher era a única remanescente de um estojo que o bisavô José Luiz Guasque havia ganhado do pai, o também médico homeopata, Ignácio Guasque, para administrar homeopatia. Ele era proprietário da Farmácia Humanidade, que ficava na Sete de Setembro, na quadra do Recreativo, nas primeiras décadas do século XX. Não havia ainda a disseminação do conta-gotas e a colher fazia as vezes de medidor das homeopatias. Hoje essa colher se encontra no MuHM - Museu da História da Medicina no RGS, doada em nome de Orphelina Guasque Barreto.
Na hora das refeições todos aguardavam o patriarca sentar. Segundo o relato da minha avó ele comandava a todos pela força do olhar. Se arqueava a sobrancelha era sinal que o infrator devia sair da mesa.
Depois desse momento ele gostava de tomar um cálice de vinho do Porto como aperitivo. Ia ler no escritório, no meio da sua vasta biblioteca, e escrever nos seus diários.
Extremamente prático, ao fechar um hotel em Bagé, o bisavô arrematou todas as camas e um grande fogão com caldeira. Ao que parece, um dos quartos era uma fileira e tanto de camas, uma ao lado da outra. A filha mais velha tinha um quarto só para ela já que era quem realmente mandava na casa. Tinha o apelido de Dinda, pois amadrinhava os irmãos mais novos. Havia o quarto dos filhos e o do casal. No total eram 17 filhos, mais o casal e alguns agregados.
No tal quarto onde a maioria das irmãs dormia, uma teve a ideia de encher um vaso de jasmins. À noite todas começaram a passar muito mal por causa do forte cheiro que impregnou o ar, até que uma delas conseguir abrir as janelas e ventilar o aposento.
O pátio era um verdadeiro zoo, tinha até filhote de capivara e inúmeras gaiolas de pássaros. Isso fazia com que dois filhos fossem destacados para a limpeza. Um poço coletava água que era usada na limpeza e higiene da grande família, já que naquela época a água encanada era algo desconhecido para a maioria.
Todas eram cozinheiras e doceiras fabulosas, os doces eram reconhecidamente perfeitos. A maioria deles aprendidos na lida diária e com seus detalhes compilados num saboroso livro de receitas. Uma vez por ano a bisavó chamava uma das filhas e pegava uma diligência, tal qual o Velho Oeste, para se deslocar até as terras da família dela, em Cerro Chato, no Uruguai, onde havia a matança de porcos e manufaturas de linguiças, morcilhas, butifarras, queijos e patês. Quem nunca provou uma butifarra não sabe o que é bom!
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Enviado pelo colega
Gerson Luis Barreto de Oliveira
8 comentários:
Mas bah tche explica esse negocio de butifarra, porque eu não conheço, e se é de comer me interessa.
Xará
A butifarra é feita como patê, da carne do lombo do porco, quem comeu nunca vai esquecer, e como se come ?
1 - Compre um pão na Padaria Continental, recém saído do forno.
2 - Abrir a tripinha onde fica a butifarra em si, coloque num prato e amasse.
3 - Passe no pão e coma, mas não pode ser uma, no mínimo três!
Onde se encontaram essas raridades ?
Como são de origem espanhola, se encontram muito em Melo - Uruguai.
Abraço, e vá atrás, cruze a fronteira atrás das butifarras.
Gerson Oliveira
Gerson Corrêa e Gerson Oliveira, a série continua nos dando uma excelente visão do quotidiano dos nossos avós e bisavós, sobre a vida na cidade no início do século XX, através dos textos e do sépia irradiante dessas fotos. Os personagens parecem, ou melhor, não parecem, estão realmente ali nos falando daquele passado venturoso.
E também fiquei interessado na butifarra ! Vamos a Melo buscar !
Quem sabe Dr José Maria del Rey nos dá alguma informação a respeito ?
Hamilton
Pergunte ao teu amigo pelas alheiras, outro prato espanhol muito bom, que também era feito pelas irmãs Guasque.
Abraço
Gerson Oliveira
¡Las butifarras! Voy a intentar satisfacer la curiosidad de don Hamilton Caio.
En la estancia de mi abuela en la campaña de Paysandú, costa del río Queguay Grande se hacían "butifarras".
En el mes de julio se carneaban cerdos y novillos o terneros y se hacían cantidades increíbles de chorizo, morcillas, butifarras, queso de cerdo y patê.
La butifarra se hace con carne de cerdo picada en pequeñísimos trozos, huevo, cebolla, especies y sal y con eso se rellenan tripas de cerdos o de oveja -según mis recuerdos de las vacaciones
de invierno.
No sería justo decir que "es una especialidad del Uruguay". Mi abuela decía que era una costumbre que los inmigrantes españoles trajeron del Mediterráneo: Cataluña, Valencia y las islas Baleares.
En Uruguay se consumen en toda la campaña y en las ciudades. Se suele cortar un pan a la mitad y colocarle entre ambas partes una butifarra cortada a lo largo en dos mitades. En Uruguay son muy apreciadas. Espero que estos recuerdos sean del agrado de don Hamilton Caio.
Bueno explicação dada, agora vou correr atraz das butifarras, isto me parece gostosíssimo. Obrigado xará.
Don del Rey, "me gusta mucho" esse tratamento de "don". Costumo usá-lo para alguns amigos mais especiais. E acho que posso falar por todos os amigos do blog: ficamos "encantados" pela "preciosidad" de suas explicações sobre "las butifarras", e, porque não, por suas recordações do tempo de jovem na estância de sua avó. Haverão melhores lembranças de um jovem do que férias na campanha ? E elas são bem distintas, no verão tem um gosto próprio e no inverno têm um sabor bem diferente. O seu exemplo foi bem próprio. Somando-se a isso, como sempre, um belíssimo texto em espanhol, sempre muito bem vindo. E ainda nos trouxe os detalhes do local de origem mediterrânea, a Catalunha, Valência e ilhas Baleares. Quem sabe você nos poderia dar, também, particularidades sobre as "alheiras" que o Gerson Oliveira nos falou, se era costume prepará-lo no Uruguai. Aguardamos, não tenha pressa.
Não confundir butifarras com Farrasbuti.
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