1 de maio de 2011

1º de Maio - Trabalhadores do futebol

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Uma ideia incomum, um livro luxuoso 
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Imagens desveladas, embebidas de vida
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O fotógrafo Gilberto Perin, numa de suas jornadas solitárias, com sua máquina fotográfica peregrina, cruzando as estradas do Brasil teve uma ideia extraordinária. Ele pesquisou e localizou uma foto antiga, do início dos anos sessenta e constatou um fenômeno de presente impossibilidade.
A imagem, em preto e branco envelhecido, mostra dois jogadores de futebol célebres no passado, dentro de um vestiário, nus e ensaboados, com um sorriso levemente divertido, sendo abraçados por um torcedor em estado de êxtase, de risada aberta em euforia, com óculos de grandes lentes, vestido em terno e gravata, sob a água corrente de um chuveiro a encharcar os três protagonistas. Na fotografia sente-se a presença da quarta personagem, invisível, o fotógrafo que captou aquela imagem. No pensamento de Perin, hoje essa fotografia já não pode ser obtida, pela ausência de dois de seus atores naquele cenário: o torcedor infiltrado no vestiário e o fotógrafo, cuja presença está ali interditada por regras que determinam o comportamento dos jogadores e as rotinas de suas atividades.
Gilberto Perin realizou sua ideia. Fotografar apenas os bastidores dos estádios de futebol, os vestiários e seus segredos, os dramas ocultos, individuais e coletivos e expor os seus segredos. Nada do jogo, nenhuma notícia visual do campo de futebol, do palco do espetáculo. Apenas os segredos dos bastidores, desglamurizados. Resgatou os fantasmas, a aura, o sopro de vida, de esperança e efemeridade, a energia vital que reveste os espaços que também são os de uma paixão coletiva. O universo do futebol que ninguém mais vê, fora os próprios jogadores, os funcionários envolvidos e os dirigentes do clubes. Esse é o conjunto de imagens originais que fotógrafo Gilberto Perin capturou ao acompanhar o Grêmio Esportivo Brasil ao longo de meses, em jogos oficiais. Uma parte dele está presente neste livro.

Para conquistar a sua invisibilidade naquele teatro, o fotógrafo propôs exatamente isso a seus fotografados, a sua transformação na impessoalidade da lente da câmera, a sua mimetização ao objeto, a sua não presença como ser humano, o seu não engajamento de amizade. Ele propôs ser apenas um instrumento silencioso que não lhes dirigiria a palavra, nem solicitaria uma pose ou um enquadramento especial. Propôs aos jogadores uma ausência e eles aceitaram o fato e o seu silêncio, convertendo-o em invisível dentro dos vestiários.
Dessa maneira Gilberto Perin pôde apreendê-los em sua essência, na profundidade de seus dramas, na dinâmica de sua atividade fora dos gramados. Praticamente não se vê a bola nesse jogo da bola, em que o que está presente é a intensidade da vida, suas estranhezas e seus desvelamentos. Nessas imagens permeiam as transcendências especulares em que os reflexos não são os das coisas e sim o que permanece intangível e secreto – como na fotografia do grito no espelho, na lassidão abandonada do cansaço pós-competição ou na passagem fantasmagórica de uma inesperada máscara ritual africana, de passado imemorial.
A letra que nos conta a verdadeira história das verdades que aqui vemos é de Aldyr Garcia Schlee, o grande escritor que além de torcedor apaixonado do Grêmio Esportivo Brasil, foi também um dia o criador do mítico uniforme da seleção brasileira de futebol. E é também a palavra reveladora das penumbras da alma humana, de João Gilberto Noll. O que vemos neste livro está antes do apito inicial e logo após o apito final, ou seja, sem a competição, sem a luta e sem o lúdico, porém intensamente embebido de vida.
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Publicado em ARdoTEmpo
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