Foto Marcelo Soares - diariodecanto |
Antes que seja tarde
Sergio Vaz (*)
Se não
fosse tão covarde acho que o mundo seria um lugar melhor pra viver. Não que o
mundo dependa só de mim para ser melhor, mas se o medo não fosse constante
ajudaria as milhares de pessoas que agem pelo mundo como centelhas tentando
criar uma labareda que incendiasse de entusiasmo a humanidade. Mas o que vejo
refletido no espelho é um homem abatido diante das atrocidades que afetam as
pessoas menos favorecidas.
Porque se
tivesse coragem, não aceitaria as crianças passarem fome, frio e abandono nas
calçadas, essas que parecem fantasmas, nos assustam nos semáforos com armas na
mão, nos pedem esmolas amontoadas em escolas que não ensinam, e por mais que
elas chorem, somos imunes a essas lágrimas.
Você acha
que se realmente tivesse coragem aceitaria uma pessoa subjugar a outra apenas
pela cor da sua pele? Do seu cabelo? Um poema é quase nada disso tudo.
Sou um
covarde diante da violência contra a mulher, da violência do homem contra o
homem, que só no Brasil são 50000 deles
arrancados à bala do nosso pacífico planeta. Que dizer da violência
contra os homossexuais que são apedrejados nas calçadas das avenidas elegantes?
E se
tivesse mais fé na minha humanidade de maneira alguma aceitaria que um Deus
fosse melhor que o outro, mas sou tão covarde que nem religião tenho, e minhas mãos, que não rezam, já que
estão abertas, poderiam ajudar a construir um templo onde caberiam todas elas.
Mas eu que não tenho fé nem em mim mesmo sou incapaz de produzir esse milagre.
De repartir o pão.
E porque
os índios estão tão longe da minha aldeia e suas flechas não atingem meus olhos
nem meu coração, não me importo que lhe tirem suas terras, sua alma, seus rios
e, analfabeto de solidariedade, não sei ler sinais de fumaça, eles fazendo
guerra eu fumando o cachimbo da paz. Se tivesse um nome indígena seria cachorro
medroso.
Se fosse o
tal ser humano forte que alardeio por aí, não concordaria em aceitar famílias
inteiras sem onde morar, vagando em busca de terra, ou morando em barracos de
madeiras indignas, pendurados nos morros, ou na beira de córregos. Não nasci na
favela, mas meu coração é de madeira, fraco.
A lei
condena um homem comum que rouba outro homem comum e o enterra na masmorra
moderna, mas nada faz contra aquele político corruto que rouba milhares de
pessoas apenas com uma caneta, ou duas, e que de quatro em quatro anos a gente
aperta-lhes a mão, quando na verdade devíamos cuspir-lhes na cara. E eu, como
um juiz sem martelo, não faço nada além de condená-lo ao meu não voto. É pouco,
já que sei onde eles se entocam. A lei é cega, mas acho que lhe fizeram
transplante de órgãos numa dessas votações secretas.
Assisto a
falência da educação e o massacre contra os professores e sei que muitas vezes
o resultado de ensino de qualidade mínima é presídio de segurança máxima. Fico
em silêncio quando a multidão desinformada pede redução da maioridade penal,
porém, mal ela sabe que se não educarmos nossas crianças vão ter que prendê-las
com 16 anos, depois 14, depois 12, depois, não teremos mais crianças nas ruas.
E elas, as ruas, serão tão seguras que a gente vai sentir falta das crianças.
Época em que os brinquedos serão visitados nos museus.
Estão
cortando as árvores, cortand as árvore, cortan a árvore, cort árv, co á...
madeiraaaaa! E aceito a cara-de-pau dos donos das serras elétricas e sei que o
machado está nas minhas mãos. Depois fico abraçando o lago poluído quando na
verdade deveria estar mergulhado nele, assim como os peixes mortos.
Pagos os
meus impostos e sei que eles não fazem nada com eles, ainda assim faço
propaganda da minha consciência tranquila. Desconfio que é essa tal consciência
tranquila que está acabando com o mundo.
Calado,
assisto a falsa democracia deste país ilegal, sem alvará de funcionamento e sem
licença pra ser pátria, e me emociono com o hino nacional cantado antes do jogo
da seleção canarinho.
Perdoe-me
por apenas ser poeta, e ter apenas poemas como arma, ainda que ninguém me diga,
sei que isso é muito pouco, quase nada. O sangue que pulsa na veia tinha que
estar nos olhos.
O Mundo
gosta das pessoas neutras, mas só respeita as que tem atitude. Se não posso
mudar o mundo deveria a mudar a mim mesmo.
Acho que é
isso que vou fazer agora.
Antes que
seja tarde.
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Sergio Vaz
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(*) Poeta e fundador da Cooperifa.
www.colecionadordepedras1.blogspot.com
www.colecionadordepedras1.blogspot.com
twiter.com/poetasergiovaz
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4 comentários:
Uma porrada nos bagos, maravilha, dá vontade de erguer barricadas pra fazer o que passados 25 anos ( uma geração) sequer foi lembrado.
Dinheiro para empreiteras, Bancos e mensalões gerir a vida dos "neutros" ricos, da educação e cultura a Globo/RBS se encarregam.
Vamos Sérgio e Vaz!!! às trincheiras.
Colega Vaz:
Consciência do que é preciso fazer nós temos.
O que nos falta mesmo é coragem.
Mas em que momento das nossas vidas nos tornamos tão acomodados? Se quando jovens sonhávamos lutar todas as lutas que valessem a pena. E agora só esgrimimos mesmo é a pena. Bom, já é alguma coisa. Quem sabe se começamos dando voz a quem não pode erguer a voz? É um começo.
Verdade, Ângelo, só resta cantar:
Allons enfants de la Patrie
Le jour de gloire est arrivé
Contre nous de la tyrannie
L'étendard sanglant est levé...
"Mas em que momento das nossas vidas nos tornamos tão acomodados?"
Boa pergunta, Paulo Learci... vamos ser novamente os guris do Estadual!
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