17 de agosto de 2012

Duas Taperas...

Fotografia José Milton Schlee

Duas Taperas
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J.J. Oliveira Gonçalves

  A casa cresceu. De repente, ficou imensa. Virou casarão. E eu que sempre quis ter um casarão... Mas não um casarão assim: sombrio, vazio e triste. Ah, um casarão... Não um mausoléu, onde vagueio – zumbi, vivo e esquálido fantasma. Quase ao abandono, a casa, (de repente!), ficou muito parecida comigo. Relegada ao um grau inferior de estima e apreço, fez-se melancólica, silente, taciturna. Suas paredes, inertes e machucadas, parecem-me fazer indagações que também faço. E buscam respostas que não tenho. Imbuído do “espírito das coisas” contemplo os objetos e sinto que eles são parte de mim: inquietos (embora imóveis!) e perscrutadores... Há como que uma cumplicidade tácita e voluntária entre os objetos e mim. Entre mim e as paredes silenciosas. Entre a casa (enorme!) e mim – que me fez menor a pequenez do corpo e o coração me agigantou no peito. E lhe ouço tanger em meus abismos íntimos uma balada contínua e dolorosa... Essa cumplicidade, ainda, parece que me expandiu a Alma e é ela que me contém o corpo –  tal qual na antiga Crença Celta, onde a Alma é o invólucro do corpo. Em sua amorosidade incondicional, a Alma anseia por cuidá-lo, niná-lo e aliviar-lhe as penas, as tensões que o esmagam – qual um pé que,(feroz e frio!), esmaga, indiferente, uma barata! (Ah... ante as armadilhas da Vida, não serei eu uma temível, minúscula e insignificante barata: tonta, torta, trânsfuga, envenenada?)

  A casa se abre aos meus Sentidos. Aos meus Sentimentos. À minha Solidão. Sua Alma (penada!) também mostra ferimentos à flor da pele. Tatuagens? Não! Necroses. Cicatrizes! Ficamos os dois – a casa e eu – com esse ar assim de quem já era... Com esse jeito assim de quem passou... Com esses sintomas de quem adoeceu, morreu, esvaziou-se, chegou ao Nada... Somos o condenado no corredor da morte a esperar o golpe de misericórdia: o choque elétrico, o gás, a injeção letal que mata a Carne. Sinto compaixão pela casa, que me é familiar na mínima rachadura. E sei que ela é recíproca em sua fala emudecida e em seus gestos estáticos, cansados. Ela é testemunha ocular feita da alegria da ilusão dos Sonhos, e da prosperidade que não mais possuo... Ela viu o riso que não mais carrego. E o brilho nos olhos – apagado, ausente. Que ela mesma sorria e brilhava em tempos de Pão e Vinho... de Trigo e Mel... De lá para cá, a casa ganhou, (comigo!), as velhas Dores que nunca me deixaram. E que se somam, se acumulam às Dores novas que chegam, como uma descarga bélica, brutal, de artilharia.

  A casa e eu vivemos da lembrança do que fomos, da Saudade e do spleen que viceja como hera... Não vejo como salvá-la. Nem salvar a mim mesmo. A Solidão é maior do que nós. Densa e voraz. Nos lambe a Alma. E já nos rói os ossos. Nos engole! Vamos os dois, (fiéis amantes!), a casa e eu a virar tapera -  numa agonia doída, lenta e silenciosa... A Esperança, diz o dito, é a última que morre. Porém, não há Esperança sem perspectivas... Nem há futuro se não há mais Sonhos. Só há, (de nós!), nossos escombros. Nosso Passado morto. Restos do que fomos. Espólios de uma História equivocada... E há este  cansaço  em vão - inútil: fundas olheiras em meu olhar-de-espera! Amanhã, talvez, o aziago pesadelo acabe... Será tarde, então. Demasiado tarde...
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JJ Oliveira Gonçalves
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Porto Alegre, 15 de março/2006. 09h18min
jjotapoeta@yahoo.com.br – www.jjotapoeta.art.br
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Fotografia  JM Schlee com GIMP de JL Salvadoretti
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4 comentários:

Gerson disse...

Tchê Vaz, muito boa essa crônica do nosso JJ, esse guapo de Bagé, guri do Estadual, descreveu perfeitamente o que somos e como nos sentimos, realmente somos como um casarão que como o passar do tempo vai se esvasiando, transformando-se numa tapera, e não adianta espernear é a vida, já tivemos nosso apogeu e agora andamos a passos largos para o nosso perigeu. Snif, snif, snif...

Luiz Carlos Vaz disse...

Pois Gerson, estava com esse texto esperando a "tapera". O José Schlee, que mora no "meio do mato" em Arroio Grande, me conseguiu essa, de quincha e torrão, com uma bela placa enferrujada da Coca na porta...

Anônimo disse...

Caro Vaz...

Em minha cabeça maluquinha de poeta, pensara que respondera aos comentários... rs... Me enganei. Mas, como sempre, nunca é tarde para agradecer-te pela publicação de mais esta crônica. E, também, ao José Schlee, (que mora como eu gostaria: no "meio do mato"... rs...), cuja foto ilustra tão belamente meu texto!
Ao nosso querido Gerson posso dizer que ele "absorveu" (porque enxergou, lá, no fundo) este caudal de Sentimentos que corre por dentro de mim! Eta, guri danado de bom, esse, tchê!! Ah, gostei muito, também, dos seus "snifs" confessos... rs...

Abração franciscano a todos!
JJ!

Luiz Carlos Vaz disse...

Obrigado, JJ. Aqui a "tapera" é grande e aconchegante, chegue sempre.