1 de agosto de 2010

"As lanternas da cidade..."

Um "Gostosão" da Ouro e Prata como este levou muita gente para a Capital
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Rito de passagem

"No dia em que eu vim-me embora

Não teve nada de mais..."

Um dia, chegava a hora da partida - que, sabíamos, seria definitiva. Terminado o Científico ou Clássico, quem queria continuar estudando quase sempre tinha que partir. A FUnBa ainda oferecia poucos cursos, nem sempre os desejados; nesse caso, o jeito era mudar-se para outra cidade. Era uma coisa que mexia fundo com a gente... Havia a curiosidade, a vontade de novos horizontes, o desafio. Mas havia um aperto no coração em deixar tudo para trás - nossa casa, nossa família, nossos amigos de muitos anos - e um friozinho na boca do estômago: será que vou aguentar? Será que vou conseguir?...

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Não havia muita escolha. Semanas ou meses antes já começavam os preparativos: era preciso encontrar um lugar para ficar. Um apartamento estava quase sempre fora de cogitação, e não podíamos ficar hospedados por cinco anos na casa de uma tia; nosso destino geralmente era uma pensão indicada por alguém. Faziam-se contatos para obter referências do lugar, e enquanto isso nossa mãe esmerava-se em separar nossa melhor roupa, verificando pela décima vez se todos os botões estavam bem pregados. Nós mesmos procurávamos não pensar demais nisso, agir como se fosse algo banal, que nem nos preocupava - na verdade não era bem assim...

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Então, chegava o dia... e de repente era tudo muito simples e rápido. Um almoço melhorado, a mãe escondendo os soluços, o pai fazendo piadas para disfarçar. E na hora, íamos para a Rodoviária, ali no centro. Abraços e beijos, lágrimas que por fim saíam livremente, os indefectíveis e preocupados conselhos, quase súplicas. O motorista fechava a porta, um último aceno, e estava feito. Enquanto as ruas passavam pelas janelas do ônibus, sabíamos que voltaríamos - primeiro a cada poucas semanas, depois meses, depois cada vez mais raramente. E quando entrávamos na estrada, um ciclo da nossa vida estava encerrado.

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"Afora isto ia indo, atravessando, seguindo

Nem chorando nem sorrindo

Sozinho prá Capital..." (*)
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Enviado pelo colega
José Luiz Salvadoretti

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Foto: edição de JLS sobre imagem do site www.memoriagaucha.com.br
(*) Caetano Veloso
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16 comentários:

Manoel Ianzer disse...

Exatamente isso que me aconteceu.
O Salvadoretti soube descrever com detalhes - o sentimento de todos os bageenses que deixam sua terra em busca de um futuro melhor. Cada um deixa para trás a saudade dos parentes, dos amigos, dos colegas de escola e do trabalho. E nossa cidade de Bagé, tão amada e querida?
É de doer a mente, o coração, o estômago, as pernas e tudo mais.

Gerson Mendes Corrêa disse...

Tche Josè Luis, fizestes eu lembrar quando fui embora de Bagé para prestar serviço militar na Base Aérea de Canoas, senti-me revivendo os últimos dias em casa de meus pais, e com essa viagem colocar o mundo futuro ao sabor de minhas decisões. A tristesa de uma despedida, embora não defintiva mas uma despedida, e a alegria de estar indo para um lugar onde eu decidamente queria estar, que por sinal tive que convencer os pais, que naquele momento era idiscutívelmente e necesaria a minha saída. A rodoviária era, digamos atraz em diagonal com QG, e a despedida aconteceu tal qual relatasse, abraços , lágrimas, recomendações mil e finalmente o último aceno a partida, o casario que passa pela janela, e por fim a estrada que serpenteia e se esconde no horizonte trazendo no entido contrário, a saudade que a partir dali se instala no peito da gente, daí pra frente, tudo que se refere àquela cidade e ao que deixamos, nos traz recordações. Então depois de muitos anos passados um visionário jornalista decide criar este blog, com o nome da escola que nos formou para a vida, "O Velha Guarda do Estadual", o qual é nada mais nada menos que, o nosso passado.

Pedro Barcellos disse...

Admito que me emocionei. Estou prestes a passar por essa mesma situação. Gostei do blog!

Manoel Ianzer disse...

PREFIRO BAGÉ

prefiro o interior
ao exterior

prefiro a terra
à pedra

prefiro o campo
ao deserto

prefiro pescar
à caçar

prefiro o bairrismo
ao desatino

prefiro o Guarany
ao Grêmio Bagé

prefiro a fronteira
à porteira

prefiro ser digno de amar Bagé
a cidade dos meus sonhos

Manoel Ianzer

Manoel Ianzer disse...

A poesia "Prefiro Bagé" - está no youtube.

http://www.youtube.com/results?search_query=manoel+ianzer&aq=f

Hamilton Caio disse...

Um excelente texto sobre esse período delicado e difícil da vida do estudante daquela época, aqui em Bagé. E um título irretocável, caiu com perfeição, sintetizou exatamente o que era todo esse conjunto de episódios: um ritual de mudança total na nossa vida. Parabéns Salvadoretti !

Luiz Carlos Vaz disse...

Fala ai, Pedro! Te apresenta para nós... Obrigado por ler e comentar no Blog!

Luiz Carlos Vaz disse...

O Gerson já está convocado...ok?

Luiz Carlos Vaz disse...

O Ianzer também...

Anônimo disse...

De médico , poeta e louco, cada um um tem um pouco. Ouvi , pela primeira vêz estas palavras do Antoninho Louco, nosso controvertido professor de fisica.
Mas o cientista louco, sempre foi e será você.
Fico feliz em saber de ti, sinto, tb. até hoje, como foi dificil deixar pra trás amigos, colegas, ... e seguir viagem. The show must go on...e hoje aqui em São Paulo, mato a saudades de figuras tão ilustres que o tempo não dissolveu, ficaram conservadas e irão se perpeturar...
abraços,

Ademir Quintana Cabral,
PS. Ainda devo possuir , lá em Bagé,algumas fotos revelas no quintal da tua casa...lebra do filme russo ORWO, em preto e branco?

Manoel Ianzer disse...

Vaz pode contar comigo. Vou procurar mais fotos, mais lances do meu destino que rolou alegria, tristeza, choro e sorriso em Porto Alegre ou mesmo em São Paulo.

J.L. disse...

A todos, meu muito obrigado pela fantástica recepção, ainda mais considerando que escrever não é bem a minha praia... É que nunca esqueci a sensação desses últimos dias em Bagé, a aproximação do dia, todas as dúvidas e esperanças que tinha - e menos ainda do momento exato da partida. Tinha certeza que essas emoções eram comuns a quase todos que partiram de lá com a mesma idade, na mesma época; era sem dúvida um divisor de águas, como a música do Caetano marca muito bem - e acho que essas emoções continuam as mesmas.

Ademir, quanto tempo!... sabe que em algum lugar por aqui ainda tenho uma lata de 35 m do ORWO NP22?...

Pedro, faço eco ao amigo Vaz: seja bem-vindo, e conte mais!...

J.L. Salvadoretti

jeronimo disse...

Salvadoretti. Senti a mesma coisa quando fui assumir meu cargo no Bco do Brasil lá na distante São Borja. Parecia que subiria pelas paredes do quartinho do Hotel, troncho de saudade.
Mudando de assunto, não se pode mesmo elogiar: Pois não é que o Lanzer tinha que se bobear? Tinha que ter um defeitão: Preferir o Guarani ao meu Abelhão, Grêmio Bagé, hehehe.
Abraço
Jerônimo!

J.L. disse...

Era uma barra, não, Jerônimo?... Vim para uma pensão na Volta do Gasômetro, dividindo o quarto com um cara de Sta. Rosa e outro de D. Pedrito, ambos gente finíssima, para minha sorte. Mas a saudade era de matar... bem que pensei em desistir e voltar!

Salvadoretti

Manoel Ianzer disse...

Jeronimo para sua alegria, minha mãe "Geraldina" que mora em Porto Alegre
é torcedora do Grêmio Bagé.
Estive com ela de 04.08 a 11.08.10, e abracei-a muito e nem liguei para a abelhinha sem ferrão pois meu coração é vermelho e branco, sou índio da fronteira de pelear e ganhar do adversário de lavada. Abraço

Zenab disse...

Parabéns e obrigada Manoel por suas palavras,gostei tanto que tomei a liberdade de postá-las no grupo dos bageenses!Sou visitadora assídua desse blog, confesso que não tinha conhecimento dele,mas desde de o momento em que o conheci não parei mais de usá-lo em todos os sentidos.Obrigada novamente!