23 de maio de 2011

Dilermando, vó Luiza, Getúlio e as velas de Nª Sª Auxiliadora

... ou de como minha avó Luiza - admiradora de Dilermando Cândido de Assis,
tornou-se devota de Nossa Senhora Auxiliadora
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 Dilermando Cândido foi salvo da guerra pelas velas votivas
acesas pela vovó Luiza para Nossa Senhora Auxiliadora...
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A data de 24 de maio de 1943 marca, segundo vários historiadores, o início da tradição das velas votivas na procissão de Nossa Senhora Auxiliadora, em Bagé. A iniciativa foi do padre Edegar Aquino Rocha, segundo as mesmas fontes. A data coincide com outras efemérides mas não tem ligação com elas. Esse fato ocorreu no auge da segunda guerra mundial. O presidente Getúlio Vargas já havia sido convencido pelo colega norte-americano Franklin Roosevelt a passar para o lado dos “aliados”. Um tour de force do presidente americano já trouxera ao Brasil, além do magnata Nelson Rockfeller, os cineastas Walt Disney e Orson Welles. Éramos os melhores amigos deles “desde criancinhas”. Roosevelt aprovou lei comercial no Congresso americano que colocava o Brasil em condições de ir à guerra. “Em três de março de 1942 o Brasil – através de um acordo de Empréstimo e Arrendamento, fixou em 200 milhões de dólares as importações de armamentos pelo Brasil, com uma redução de 65% nos preços”. Não dava para perder essa barbadinha... Getúlio, como já declarara antes, não queria ser apenas um fornecedor de materiais e gêneros alimentícios no conflito mundial. Ele queria os soldados brasileiros lutando na guerra, afinal nós éramos “do lado deles”. Mães, esposas, filhos e filhas dos soldados brasileiros sabiam o que isso poderia significar. A disposição de Getúlio era clara: os militares brasileiros deveriam lutar na guerra, morrer – se preciso fosse - na guerra, ou sobreviver, e só aí poder voltar para o Brasil, voltar para casa, voltar para suas famílias. Esse fato – da possibilidade do Brasil entrar na guerra (a FEB só foi criada em 9 de agosto de 1943) talvez tenha sido levado em consideração pelo padre Edegar.
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...cuja procissão, em 2011, terá painéis pintados por seu bisneto, 
Carlo Andrei e - pelo que parece, também pelos tetranetos Carlinhos e Alice
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As velas votivas começaram naquele ano a ser acendidas nas janelas das casas por onde passava a procissão, mas, depois, a tradição acabou se estendendo para as outras janelas de Bagé. Nesse ano de 1943 minha avó, que já havia se alegrado com a entrada dos “guris” para o quartel, começou a acender as velas pois temia que se o Brasil entrasse mesmo na guerra, como queria Getúlio,  três de seus filhos fossem combater no front europeu. Um deles, Dilermando Cândido, foi a um estúdio da rua Sete de Setembro e tratou de se “retratar” e presentear sua mãe com uma foto sobre a qual ela derramaria todas as suas lágrimas. Dos três, só ele chegou a ir até o Rio de Janeiro mas não embarcou para a Itália. Acho que minha avó naquele ano – e nos seguintes, acendeu umas duzentas velas para Nossa Senhora Auxiliadora...
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NOTAS
1 - Minha avó achava bonito o nome do militar, nascido na capital gaúcha, Dilermando Cândido, mesmo que o rapaz tivesse ficado famoso por causa da morte do escritor Euclides da Cunha. Dilermando Cândido de Assis era amante assumido de Ana Emília Ribeiro da Cunha e, quando Euclides tentou matá-lo com três tiros na casa dele no bairro da Piedade, no Rio, o engenheiro militar que era perito em armas, reagiu e feriu mortalmente o jornalista e escritor de Os Sertões, com dois disparos certeiros, num domingo, 15 de agosto de 1909. Absolvido após julgamento comentadíssimo em todo o país, Dilermando Cândido casou-se em 11 de maio de 1911 com a viúva Ana da Cunha e foi morar em Bagé. Sua casa passou a ser um ponto de referência cultural na cidade e foi lá que vovó Luiza o conheceu. Engenheiro, o 1º tenente Dilermando Cândido foi responsável por várias construções na cidade inclusive o prédio do Quartel General do Exército, obra realizada entre 1918 e 1922 .

Na época da 2ª guerra, o Dilermando "original" – que emprestara o nome para um dos filhos de minha avó - e meu tio, já estava em Rio Grande comandando o 7º GMAC, Grupo Móvel de Artilharia de Costa. Mas aí já é uma outra história...
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A minisérie Desejo foi ao ar nos anos 90
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2 - A Rede Globo de Televisão produziu e apresentou em 1990 a minisérie Desejo, escrita por Glória Perez, com direção geral de Wolf Maia, contando essa tragédia de amor. Nos papéis principais atuaram Tarcísio Meira, Vera Fischer e Guilherme Fontes como Dilermando Cândido de Assis. O papel de dirigente do Botafogo, time onde jogava Dinorah, o irmão de Dilermando que na tragédia foi baleado por Euclides e acabou ficando hemiplégico, foi desempenhado por Valdir Atahualpa Ramirez Espinosa, o Valdir Espinosa (*) técnico do clube, que fez participação especial na minisérie. Dinorah, não suportando a paralisia, suicidou-se em 1921.
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(*) Espinosa atuou como jogador e técnico em vários times de futebol e era o treinador do Grêmio na conquita do Mundial de Clubes de Tókio, em 1983.
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11 comentários:

Igor Vaz disse...

Fantástico, tio. Fantástico !

Valença disse...

Quantas doces lembranças das velinhas de N.S. Auxiliadora... e que painel tu "pintou"! Bagé, N.S.Auxiliadora. Euclides da Cunha. tua vó... que pinceladas!

Luiz Carlos Vaz disse...

Obrigado, Igor, mas cá para nós, essa nossa terra é pródiga em fatos pitorescos. Como diz o título de uma de nossas séries: "Tinha que ser em Bagé..."

Luiz Carlos Vaz disse...

Pois Valença, eu passei mais de uma semana envolvido com essa pesquisa. Quem me tirou o sono foi o Carlo, me mandando essa bela foto do avô dele... e uma coisa foi puxando a outra e se ligando em mais outra. Mas, como vês, todas as "pinceladas" formaram um quadro bem interessante das memórias da cidade.

henrique disse...

Gostei do relato! Parabéns pelo resgate dessas memórias,que corriam o risco de sumir no tempo.Continua escrevendo;continuarei lendo! Abraço,Henrique Pires

Anônimo disse...

Bah Vaz,

Grande destaque para o livro!
Com os devidos cumprimentos.

Abraço,
Alan Melo

Anônimo disse...

So uma curiosidade: essa foto eh do Dilermando original?

Anônimo disse...

Uma curiosidade: essa foto eh do Dilermando original? Eu adorei essa materia. Parabens!

Janaina

Luiz Carlos Vaz disse...

Veja, pela legenda da foto, Janaína, que esse é o Dilermando filho da Vóvó Luiza, que ela "salvou" com as velas votivas de NSAuxuliadora. Obrigado por ler e comentar.

Elô disse...

Primo, adorei ler mais sobre essa história, outro dia, ainda, falávamos, Michele e eu, sobre Os Sertões, sobre a minissérie.... Obrigada por complementar!

Luiz Carlos Vaz disse...

Sim, e com o livro que recebi hoje (ver Facebook) vai ter mais lenha na fogueira...