28 de agosto de 2011

Buenos Aires perde o tradicional café Richmond para a Nike

Foto Juan Mabromata/France Presse
Piqueteiros protestam no Richmond, na tentativa de evitar
a venda do local; café foi fechado três dias depois
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Buenos Aires perde o tradicional café Richmond para a Nike



Lucas Ferraz
Sylvia Colombo
de Buenos Aires

Um dos cafés mais famosos de Buenos Aires acaba de fechar as portas. E de um modo brusco. Quem passar no número 458 da calle Florida, em vez de encontrar a imponência da tradicional fachada do Richmond verá pichações e uma porta lacrada.

Conhecido por ter sido frequentado por escritores como Jorge Luis Borges, Oliverio Girondo e Leopoldo Marechal, o café foi fundado em 1917 e desde então era ponto de encontro de políticos, escritores e artistas, além de ser uma das atrações turísticas da cidade.

O Richmond integrava a lista dos bares notáveis de Buenos Aires e fez parte do cenário boêmio nos anos de efervescência cultural da cidade. "O café ficou famoso na nossa época de ouro. Buenos Aires era menor, tinha bem menos gente, o tango estava se consolidando, os escritores, surgindo. Depois viriam as revistas culturais. A 'Martin Fierro', por exemplo, tinha tiragem de 50 mil exemplares, o que até para hoje é bastante", diz Álvaro Abós, autor de "Al Pie de la Letra".

O drama do café estendeu-se por vários dias. Neste ano, segundo o Sindicato dos Trabalhadores de Turismo, Hotéis e Gastronomia, o antigo dono do Richmond o vendeu (o que inclui o imponente prédio) para um grupo de empresários argentinos.

Lucro

O negócio foi fechado por US$ 9 milhões (R$ 14,4 milhões). Os novos proprietários optaram por uma atividade mais lucrativa: pretendem abrir uma loja da Nike.
No último dia 15, uma segunda-feira, os 14 funcionários encontraram o café fechado. "Aproveitaram o fim de semana para retirar alguns móveis, os funcionários nem foram avisados do fechamento", diz Armando Rivera, secretário do sindicato. A indenização trabalhista também não foi acertada.
Os trabalhadores, indignados, ocuparam o local com tambores e faixas.
O imbróglio só foi resolvido com a intervenção do Ministério do Trabalho, que negociou a indenização: o equivalente a R$ 680 mil. Discretos, os novos donos não falam sobre o caso.
A Legislatura de Buenos Aires até que tentou evitar o fechamento do café, aprovando de última hora uma resolução, mas já era tarde.
A preocupação do sindicato, como conta Rivera, é que outros lugares notáveis de Buenos Aires tenham o mesmo destino. Ele quer do governo da capital uma medida de proteção histórica.

Foto Juan Mabromata/France Presse
Dias antes do fechamento, clientes e simpatizantes
do movimento se reúnem no café para elaborar abaixo-assinado

Turistas

"Esses cafés e restaurantes notáveis não estão mal financeiramente. Geralmente eles têm uma clientela fiel, antiga, e também recebem muitos turistas", diz.
Este não é o primeiro caso de café histórico ameaçado. Em 1997, fechou as portas por razões econômicas a tradicional Confeitaria del Molino, no centro, também frequentada por famosos, como Gardel.
Em San Telmo, o Bar Británico também passou por dificuldades. Inaugurado em 1960, e com a particularidade de permanecer aberto 24h por dia, também teve de fechar em 2006. Mas seu drama foi mais curto. Adquirido por novos donos, reabriu exatamente como era antes.
Para Abós, o fechamento do Richmond vai na contramão do impulso turístico.
"O governo tem obrigação de tentar preservar o café, articulando interesses privados e públicos", diz. Frequentador do Richmond desde 1958, o aposentado Juan Carlo Higues, 72, lamenta a perda de mais um lugar de "diálogo", como definiu o café onde jogava bilhar.

Por dentro do Richmond

Endereço: Calle Florida, 458; fundação: 1917; visitantes: escritores ilustres, como Jorge Luis Borges, Oliverio Girondo e Leopoldo Marechal; cenário: em seu salão foram filmadas cenas de "A História Oficial", de Luis Puenzo (1985), que foi vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro; decoração: de estilo inglês, tem cadeiras Chesterfield, sofás de couro, colunas de mármore italiano e luminárias holandesas; ambientes: no primeiro, ficava a confeitaria, no segundo, o restaurante, no terceiro, embaixo, o salão de bilhar; confeitaria: servia café, chá e lanches. O prato típico era a torta Richmond, com biscoito de chocolate, chantili e morango.
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