Um costume que me lembro muito bem era o de colher Marcela no  Cerro de Bagé na Sexta-feira Santa. Cedinho, grupos familiares inteiros  rumavam em direção ao Cerro para colher a Marcela ainda antes do sol  nascer. Claro que essa coleta acabava se estendendo por todo o dia. Mas,  ouvir pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro a dramatização da paixão de  Cristo era também uma "tradição" da Sexta-feira Santa. E era o que se  fazia lá em casa. Talvez numa inconfessável esperança de que em um ano o  povo pudesse escolher Barrabás para crucificar, só para variar um  pouco, minhã mãe ouvia, em meio a chiados e descargas, Pôncio Pilatos  lavar as mãos todos os anos. Depois da radiofonização a emissora  passaria a tocar músicas "de câmara" e clássicos durante todo o resto do  dia. As rádios Difusora e Cultura só entrariam no ar após as seis horas  da tarde, e lá muito de mansinho, tocando algumas valsas, orquestras... o  medo do tal de inferno era muito grande naquela época. A Sexta-feira Santa era o dia em que Deus estava morto, portanto qualquer deslize da  gurizada... 
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O resto do dia era silêncio e nada de pensar em sacanagem...  Minha família nunca foi colher ervas no dia da Paixão, mas tínhamos da  nossa casa uma visão privilegiada e podíamos observar, ainda que de longe, as  pessoas, como gafanhotos, pelarem o Cerro de Bagé com suas Marcelas  bentas da Sexta feira Santa. Hoje não é mais preciso ir ao Cerro de  Bagé, o pessoal colhe Marcela, turbinada com monóxido de carbono, à  beira das estradas e se intoxica barbaramente. Aliás, eu nem sei se as  famílias ainda fazem romaria ao Cerro e se ainda existe Marcela por lá.  Cheiro de Marcela e Sexta-feira Santa são coisas que andam junto na  memória deste guri do Estadual.
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Texto publicado aqui no Blog em 31 de Março de 2010
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2 comentários:
Agradáveis memórias...
Vaz, fico aqui a pensar sobre essa religiosidade que se aprendeu na infância. Falei religiosidade, não religião...
Acredito-a muito saudável, Deu-nos o entendimento de que não somos apenas o que enxergamos...
A compreensão do algo mais existente em nossa constituição faz uma enorme diferença com o passar dos anos...
Bom feriado!
Abraço!
E aprendemos principalmente, Vera, a no creer em Brujas... (pero que las hay, las hay...)
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