17 de novembro de 2010

O Jabuti do Estadual

 Sergio e José Carlos em noite de autógrafos


Os autores foram entrevistados sobre o prêmio e o livro no programa do Jô
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Sim, nós temos o nosso Jabuti! Ele é o Sergio Saraiva que, junto com José Carlos Blat, ganhou o prêmio na categoria reportagem, em 2001, com O Caso da Favela Naval. A Janice, prima do Sergio, nos recupera este fato, enviando um texto de Arquimedes Pessoni, da Universidade Metodista de São Paulo, sobre o livro/reportagem.

“Corram, que a polícia vem aí
Arquimedes Pessoni
Quem cresceu acostumado a assistir aos seriados americanos – tipo Batman – não consegue esquecer as frases de efeitos utilizadas pelos heróis enlatados, como "o crime não compensa" ou "o criminoso sempre volta ao local do crime". É mais ou menos o que aconteceu em Diadema, em 1997, e que acabou virando livro, só que com o discurso às avessas: "o crime quase sempre compensa" e "os criminosos trabalham no local do crime". No popular, diria Chico Buarque, "Chama o ladrão, chama o ladrão!"
Partindo das cenas que chocaram o País no dia 31 de março de 1997, exibidas no Jornal Nacional, e que foram gravadas por um cinegrafista em busca de um furo de reportagem de plantão no local, a blitz supostamente montada pela Polícia Militar de Diadema para detectar tráfico de drogas terminou com imagens de espancamento e morte de gente inocente moradora da Favela Naval e cujo único crime era estar no lugar errado e na hora errada.
O episódio – como bem lembraram os autores – fez tremer as instituições brasileiras, afetando fortemente a imagem externa do país (p.84) a gerou uma série de pesquisas, entre elas a do InformEstado, mostrando que, uma semana depois da veiculação das imagens, entre 52% e 64% dos paulistanos, dependendo da faixa social, temiam os policiais militares (p.85).
Toda a história de bastidores e que poucos profissionais da imprensa preocuparam-se em mostrar foi reunida em 240 páginas no livro O caso da Favela Naval. Polícia contra o povo (São Paulo, 2000, Contexto) escrito pela dupla dinâmica José Carlos Blat e Sérgio Saraiva. O trabalho foi um dos ganhadores do Prêmio Jabuti 2001, na categoria livro-reportagem. O esforço do promotor Blat e o talento do jornalista Sérgio Saraiva garantiram um trabalho de qualidade mostrando que, quando o Judiciário e a Imprensa se unem para fiscalizar e denunciar, o resultado é nitroglicerina pura.
Num ritmo extremamente ágil, O caso da Favela Naval - Polícia contra o povo surpreende pela facilidade com que o leitor mergulha na história de Mário José Josino, a vítima dos policiais militares de plantão na favela e que, graças a um esforço corporativista da PM, quase passa de vítima a vilão da história. Os autores Blat-Saraiva mostram de forma clara como é o funcionamento da máquina destinada a garantir a impunidade de PMs assassinos e transformar trabalhadores humildes em inimigos nº 1 da população.
Utilizando bastante a fórmula "enquanto isso, no outro lado da cidade", o livro reserva aos futuros leitores o conhecimento das histórias de fundo dos personagens de carne e osso que entraram "de gaiato" na obra maior que foi o caso da Favela Naval. Com a leitura deste trabalho de Blat e Saraiva, a forma como os PMs tentaram se autoproteger e reescrever de maneira distorcida o que realmente aconteceu no dia 3 de março de 1997 e todo o esforço que a Justiça precisou adotar para que a verdade viesse à tona, o futuro leitor de O caso da Favela Naval - Polícia contra o povo, com certeza, começará a ver com reservas aquilo que é mostrado como verdadeiro pela imprensa. E muito mais: quem nem só de gente boa é composta a PM.
Mostrando que Herbert Marshall McLuhan não exagerou quando afirmava que "o meio é a mensagem", logo no início do livro os autores já mostravam como a Polícia pode atuar de forma comprometedora na hora de comunicar fatos que afetam negativamente a imagem da corporação: "Quando a escolta policial que protegia Jefferson da própria polícia saiu em direção à delegacia Sede de Diadema, pouco antes das três horas, o soldado de plantão no pronto-socorro já havia comunicado o caso e começara o registro do boletim de ocorrência na Polícia Civil. As estratégias de sempre para confundir inquéritos – algumas improvisadas – já estavam em curso. Plantavam-se as sementes da impunidade"(p.19).
Como na vida real histórias com final feliz não são regra, mesmo com todo o empenho da Imprensa e do Judiciário, a punição pelas cenas que chocaram o Brasil e que levaram à óbito Mário José Josino ficou apenas para parte dos envolvidos. Os que estavam acima do baixo clero se safaram – como sempre – e os poucos que levaram a pior, como o soldado Otávio Lourenço Gambra - o Rambo - condenado a 45 anos de reclusão, acabou, posteriormente, tendo sua pena reduzida. Para a família de Josino ficou as saudades, uma pensão de R$ 782 para a viúva e a certeza de que a presença da polícia, que deveria oferecer segurança, às vezes, é motivo de medo.
Para os autores, fica a sugestão de atualizar o conteúdo do livro numa segunda edição, mostrando como os condenados no episódio mudaram (se é que mudaram) sua conduta. No geral, paira a impressão de que, ao se deparar com uma blitz da PM no nosso caminho, o primeiro pensamento que vem à mente é: corram, que a Polícia vem aí.”
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