5 de novembro de 2010

Um baú no Pampa – XIV, Guasque entre Flores e Getúlio

Identificações dos personagens da foto feita por Feliciano (*): Janela esquerda: Iva, bordando seu enxoval. Janela direita: Avó Maria Cecília com Eunides (Nenê) no colo. Da esquerda para a direita: Eurides (Sardinha), Euribíades (Bitoca), Frontino (dentista e poeta), avô Carlos Frontino, Erostildes, Carlos Guasque de Mesquita (meu pai), Oscarlina e Cecília (Cecí).
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"Getúlio Vargas havia chegado ao poder com a união de todas as forças do Rio Grande do Sul e seria o supremo mandatário do Brasil de 1930 a 1945, quando foi deposto, voltando novamente ao Catete através de eleições - nos "braços do povo", para de lá sair só morto.
No inicio do seu governo ele se aliou com todas as forças gaúchas - e as levou com ele, para fazer parte da elite política do país. Só não esperava que um dos seus principais colaboradores passasse a jogar contra ele, Flores da Cunha, que havia ficado como Governador aqui no Rio Grande.
Em tudo se diferiam: enquanto Vargas era dono de uma cultura política imensa, admirador de Maquiavel, preferia agir no jogo dos bastidores, e sem pudores de acabar com quem estivesse contra ele. Flores da Cunha, por sua vez, era o típico político da República Velha; caudilho, exercia a política do compadrio, que a todo custo queria manter para se perpetuar no rincão que era seu, o Rio Grande do Sul.
As coisas começaram a se encrespar com a eleição de governador do Rio de Janeiro, com cada um apoiando candidatos diferentes. O candidato de Vargas ganha indiretamente e Flores contesta as eleições, sendo que Getúlio começa a usar amplamente a Lei de Segurança Nacional para fazer o que bem entendia, e Flores se dá conta, e opõe-se a referida lei, já que isso ira impedi-lo de governar o Rio Grande.
Conforme Vargas fechava o país rumo ao Estado Novo, Flores da Cunha utilizava o discurso liberal e democrático para defender a autonomia administrativa do Rio Grande. O tempo começa a fechar, e Flores começa a comprar armamento,  tornando-se o maior enclave para a consolidação do Estado Novo.
Para diminuir as forças dos governos estaduais os oficiais das brigadas estaduais são recrutados para as forças federais, sendo que em 1937 as forças públicas estaduais são federalizadas. Não restava outra opção senão o exílio para Flores da Cunha, e ele parte rumo a Montevideo.
Do Uruguai ele continuava a conspirar contra seu antigo aliado, e Vargas respondia com uma campanha difamatória contra a administração de Flores. E mais, Flores da Cunha foi acusado do assassinato do jornalista da oposição, Waldemar Rippol, morto em casa em 1934. "A reabertura do caso Rippol demarcava a substituição da ordem caudilhesca, tirânica e bárbara pelo ordenamento racional do estado..."
Rippol escrevia a favor das minorias e contra as elites agrárias, qualquer coronel poderia ser o mandante do crime, mas colocar o foco em Flores era mais interessante ao governo Vargas. A forma brutal do assassinato provocou muita revolta, mas na época foi abafada. Depois com a reabertura o importante era responsabilizar Flores da Cunha.
Após outros processos o que conseguiu incriminar Flores foi a acusação de importação ilegal de armamentos e munições da Alemanha. Quando as armas chegaram a Porto Alegre somente o Major Ramiro Barcellos Feio e o Tenente Coronel Carlos Guasque de Mequita, poderiam abrir as caixas. Com a condenação de um ano de prisão contra Flores, Vargas dava seu xeque mate."
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Enviado pelo colega
Gerson luis Barreto de Oliveira
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P.S.: Utulizei nesta postagem a fantástica dissertação de mestrado "Flores da Cunha x Getúlio Vargas: da união ao rompimento". CAMPOS, Derocina Alves - PUCRS.


Correspondência de Feliciano Guasque de Mesquita (*), militar aposentado, gaúcho de Passo Fundo, hoje morando no Rio de Janeiro - filho do Ten. Cel. Carlos Guasque de Mesquita, para Gerson Luis Barreto de Oliveira:

"As histórias daquela época nem sempre eram verdadeiras devido à forte pressão do governo (qualquer governo) e dos interesses dos caudilhos políticos que mandavam e desmandavam. No entanto, tua mensagem faz sentido com o que meu pai contava.
Foi meu pai que preparou o armamento utilizado para deposição de Washington Luiz,  para que Getúlio assumisse o poder em 1930. Ele também treinou e preparou a tropa para o ataque ao palácio do Catete. A seguir, embarcou com sua tropa num trem em Porto Alegre e desembarcou no Rio de Janeiro onde se dirigiu diretamente para a palácio do Catete, depondo Washington Luiz e garantindo a posse a Getúlio. Ficou acampado alguns meses nos jardins do palácio com sua tropa para garantir a segurança do governo. Com o tempo, foi discordando dos métodos violentos empregados pela turma palaciana (Batista Luzardo) e pediu a Getúlio para ser dispensado da segurança e retornar para Porto Alegre. Getúlio não gostou porque tinha por premissa que todos que não concordavam integralmente passavam a ser inimigos. Ao chegar em Porto Alegre, meu pai foi vigiado e perseguido por algum tempo pelos seguidores de Getúlio. Algum tempo depois, foi convidado por Flores da Cunha para ser chefe da casa militar de seu governo. Pela sua experiência em armamento, foi convidado para abrir as caixas das armas que ele e Flores da Cunha haviam comprado da Alemanha em segredo! Meu pai desenvolveu uma forte amizade com Flores pelo seu senso de justiça.
Históriabraços
Feliciano"
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3 comentários:

Gerson Mendes Corrêa disse...

Barbaridade tche, um relato de nosso passado, como esse, eu não li em nenhum livro de historias, baita texto, parabéns.

Luiz Carlos Vaz disse...

É, Gersom, a história que nos ensinaram não contava tudo isso. Ainda bem que pessoas como o "Guasque" Gerson, abrem os documentos de família para todos. Este espaço sente-se orgulhoso de publicar relatos verdadeiros e esclarecedores como esse.

Anônimo disse...

O objetivo que eu tenho, com a inestimável ajuda do Vaz, é contar o dia a dia de uma família - Os Guasque -, mas mais do que isso de repente me vejo a relatar dados curiosos, descobrir documentos esquecidos, vide a descoberta de um texto inédito do Lobo da Costa entre os guardados no " Baú ", e falar de História, com H maiúsculo.
Todos podem fazer isso, sempre se tem algo para contar, então vamos por as caixas de fotos, os documentos e relatos dos mais velhos numa forma de preservar, explicar, levar a verdade sobre nós e sobre os que nos cercam.
Abraço, e aprecio muito que estejam gostando.
Gerson L. B. Oliveira