19 de setembro de 2011

A fronteira invisível XIII - Sai uma alheira!

As tais "Alheiras" que me provocam a curiosidade...
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PARA CÁ DO MARÃO
Sai uma alheira!
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Antunes Ferreira

Não fazia a mínima ideia; mas a cidade foi o berço de cidadãos conhecidos, quiçá ilustres: Por exemplo, Jesualdo Ferreira, conhecido treinador de futebol, e de Eduardo, o guarda-redes, agora no Benfica e segunda figura na selecção nacional da qual já foi o titular. E de Isaltino Morais, político controverso, que é acusado de corrupção e até já foi condenado em tribunal, mas… aguarda o resultado do recurso que interpôs.

Isto, nos dias que correm; porque no século XIX foi ali que veio à luz do Mundo, um político, professor, jornalista e diplomata que inclusive tem nome em rua de Lisboa, a Luciano Cordeiro, aliás de alguma forma um tanto desacreditada por mor da fauna local e das casas em que exercia a profissão. Hoje, está mais calma, pelo menos é o que se diz. Algumas delas eram Irmãs da Ordem das Camelitas Descalças Até Ao Pescoço, desarranchadas.

Ferreiramigo: Por onde eu começo???
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Chego ali, com o palato ansioso. Mas, por certo, perguntaram-se já, que raio de enigma é este e de que terra se trata? E têm carradas de razão. Este suspense – à maneira de Hitchcok? – é mais o que os apresentadores dos Óscares em Hollywood usam: e o prémio do melhor intérprete vai para… E os dignos assistentes, ainda que suspeitem com fundadas razões, fingem que esperam uns segundos, expectantes.

Bom, é altura de elucidar os leitores: é Mirandela, a das alheiras. Mas também da professora Bruna, uma real maravilha que apareceu e bem peladinha na Playboy. Adiante, é exactamente a das alheiras. Eleitas há dias entre as Sete Maravilhas da Gastronomia Portuguesa, acompanhadas pelo caldo verde, pelo queijo da serra da Estrela, pelo arroz de marisco, pela sardinha assada, pelo leitão da Bairrada e pelos pastéis de Belém. Cada uma de entre 21 finalistas e classificadas por categorias. Boa malha.
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A professora Bruna, que faz concorrência às Alheiras
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Vamos pelo IP4, em direcção a Bragança e eis-nos no local do crime. Mirandela tem, para além dos famosos enchidos, paisagens deslumbrantes e, vejam lá, dá-se ao luxo de ter um microclima, por força de se encontrar rodeada pelos eternos montes. Verões quentes e abafados, que lhe dão o nome de Terra Quente Transmontana.

Encostada ao rio Tua, no vale do mesmo nome, numa zona quase plana com solos xistosos muito férteis, é também chamada por isso mesmo a Princesa do Tua. Recordo que o rei D. Afonso III deu-lhe a carta de foral a 25 de Maio de 1250. Depois foi o decorrer dos anos e dos séculos, como vila; foi elevada a cidade em 1984. Os romanos, dos quais há numerosos vestígios arqueológicos, chamavam-lhe Caladunum.

Antes de nos atirarmos à alheira, ouçamos o que nos dizem gastrónomos e cozinheiros. É um enchido típico da culinária portuguesa cujos principais ingredientes podem ser carne e gordura de porco, carne de aves, pão, azeite, banha, alho e colorau, cuja origem já tem uns séculos. Segundo a tradição, este enchido terá sido criado por cristãos novos que, em segredo, continuavam a guardar costumes da sua renegada religião judaica, a fim de dar a entender a toda a sociedade que eram cristãos assumidos, bem integrados e bem comportados.

A ligação da alheira com os cristãos novos talvez não passe de uma ideia romântica popular e não há factos concludentes que a suportem. Mas que é original e demonstrativa do engenho dos judeus «convertidos», lá isso é. Mesmo sem os tais factos concludentes, fico-me com ela, renegando especialistas e teóricos.  Como o judaísmo proíbe o consumo da carne de porco, alguns dos supostamente recém convertidos teriam inventado um chouriço onde discretamente a carne de ave substituía a carne de suíno, tradicional entre os cristãos. Desta forma, nas primeiras alheiras foram usadas várias carnes alternativas ao animal impuro, tais como vitela, coelho, peru e galinha.

Na região de origem, Trás-os-Montes, no nordeste, a alheira é consumida grelhada, ou assada em lume brando, acompanhada por batata cozida com um fio de azeite, e legumes da época variados. Para o sul o mais natural é encontrar os menus com a alheira frita, batatas fritas, ovo estrelado e saladas de alface e tomate. Por vezes, é também acompanhada por grelos de couve. É uma presença habitual nas ementas dos restaurantes de todo o País.

E como viemos a Mirandela para apreciar alheiras en su sitio, porque a mais famosa delas é precisamente daqui, e que é considerada a de melhor qualidade, principie-se por apresentar a receita simples e mais carregada de tradição sulista: com batatas fritas e ovo estrelado. Que agora reina por todo este desgraçado País e até já emigrou para outras paragens e novas latitudes.

 O tal "golpe"

Ingredientes para duas pessoas:
Duas alheiras de Mirandela
Batata para fritar q.b.
2 ovos               
Óleo para fritar q.b.
Sal fino q.b.
Preparação:
1. Comece por dar um golpe na alheira de uma ponta a outra.
2. Numa frigideira coloque óleo suficiente para cobrir as alheiras e deixe aquecer bem até começar a deitar fumo.
3. Entretanto coloque as batatas a fritar.
4. Quando o óleo estiver quente coloque uma alheira a fritar, deixe fritar de ambos os lados. O golpe verdadeiramente estratégico fará com que a alheira se liberte da tripa.
5. Frite a outra alheira da mesma maneira.
6. Estrele os ovos.
7. Sirva a alheira com o ovo, as batatas e com uma salada. 

O que me (nos) deixa espantado(s) é o facto de sermos informados que já há alheiras de bacalhau, vegetarianas, só de caça e, até em gelado. Pasmo eu e pasmamos todos. Falam-me de dois chefes que estão à cabeça destas inovações, mas, infelizmente, não há tempo para falar com eles. Aqui registo, apenas os nomes de dois ousados: Manuel Gonçalves da Costa e Rui Cepeda. Que até já foram objecto de reportagens.

Do primeiro informam-me que já conquistou paladares de Ocidente a Oriente com o «atrevimento» das suas criações culinárias em volta do tradicional enchido transmontano. Da criatividade da apresentação dos pratos à inovação da combinação de ingredientes, o chefe transmontano é capaz de propor uma refeição completa à base de alheira sem enjoar paladares.
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Leve uma almofada, talvez queira comer de joelhos...
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Também me explicam que inovação é o que propõe Rui Cepeda com o lançamento no mercado da alheira de bacalhau e das vegetarianas, à procura de novos mercados para não se deixar abalar pela actual crise. E quantificam: há quatro anos e em menos de três meses, já colocara no mercado cerca de cinco toneladas de alheiras de bacalhau, que são vendidas mais caras do que a tradicional, e mil quilos de vegetarianas, estas a preços mais módicos.

Com todas estas dissertações, foi necessário mandar vir mais alheiras para a mesa porque as iniciais tinham esfriado e assim não têm o mesmo sabor. E lá vieram elas, tostadinhas, com batatas fritas depois de cozidas e grelos. Os ovos estrelados vinham à parte. Foi um festim. De lamber os dedos e aconchegar a pança. Não menciono as bebidas e as sobremesas com receio de que um relato mais completo possa causar indigestão ou, quando muito, azia. E depois já não tive coragem nem capacidade no tubo digestivo paras novas alheiras. Pois se até os abades têm limites... Apenas provei um gelado. Enfim, pois, prontos (sem s) - tenho de confessar que tenho de me habituar.
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Antunes Ferreira
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Notas
1- Henrique Antunes Ferreira, que amanhã no 20, chega aos 70, é o editor do blog A Minha Travessa do Ferreira. Escritor e grande jornalista, foi editor do Diário de Notícias mas, antes disso tudo, é um excelente amigo que chegou até mim através desta coisa incrível que é a www, e que me recebeu em Lisboa - junto com sua Raquel, como se um Rei eu fosse.
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2 - Outro amigo português, José Doutel Coroado, já colaborou aqui no Blog com uma bela crônica intitulada O mistério das alheiras, lembram? Acho que em Outubro vou ter que provar essa iguaria... 
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6 comentários:

Gerson disse...

Tchê Vaz, isso deve ser muito gostoso, até é bpom que eu não vá à Portugal pois ja passei dos 113 kg. Um baita abraço.

Luiz Carlos Vaz disse...

... mas isso não engorda, Gerson, o que engorda é o pãozinho que servem no couvert.

Anônimo disse...

Vazamigo

Nem sei como te agradecer a gentileza(*). Ela, sim, agradece-se; a Amizade vive-se.

Fiquei até comovido com as NOTAS que Vossa Insolência publicou; não mereço tanto, juro pelas alminhas.

Um único senão: a Bruna Real é mesmo um espantooooooooo!!!! como diz o nosso Jô Soares. Bem merece fotografia, porque, aqui para nós, é muito melhor do que a alheira e come-se com muito prazer. A alheira, tá claro...

Espero-te por oitembro (que já se perfila no calendário) Depois comeremos a Bru.., ops, as alheiras.

Abçs & qjs prá famelga, bjs da Raquel, um especial para a Maribel (não lhe mostres a professora, cuidado) e um abração para tu.

(*)Foi uma prenda de aniversário que me mandaste por antecipação.

Anônimo disse...

MESMO SEM PEDIR AUTORIZAÇÃO
respondo ao Gersonamigo

Uma alheira come-se sempre, em qualquer altura e em qualquer lugar. E não engorda: Eu que o diga: são 126,9 quilitos. Bato-te aos pontos.

E vê a Bruna na Travessa e/ou no Google imagens. Bom proveito

Abç

Luiz Carlos Vaz disse...

Ferreiramigo, desde cá, do outro lado, daquele que se avista do Cabo da Roca, um forte abraço Setentino... Estás agora com 70, mas, cá para nós, com um corpinho de 69...

Gerson disse...

Ferreiramigo, então com a certeza que tu e o Vazamigo me dão que não engorda, já estou dando de mão nas ferramentas e de-lhe aleiras.