10 de setembro de 2011

Uma Crônica para Marina...

Fotografia de Marcelo Freda Soares
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Uma Crônica para Marina...
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J.J. Oliveira Gonçalves
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Aonde andará Marina?

Aquela menina franzina e clara. De cabelos escorridos e ensolarados. De vívidos olhos cor-de-mel, onde um sorriso nostálgico despontava entre uma alegria, quem sabe, reticente... Ainda me fará tácita e anônima companhia neste mundo, vasto mundo como diria Drummond, incorporando o célebre Raimundo, ou já terá partido para o Outro Lado, onde mundo e Raimundo poderão continuar sendo rimas sem solução? Apesar de tudo, (e de todas as Crenças!), há um Elo Misterioso entre corações, ou Almas, ou Espíritos, que permanece além da ausência, do silêncio, mesmo do Tempo... É um Elo Sagrado, indestrutível. Velado. Ele faz parte dos Enigmas da Vida. E deste Milagre de sermos todos Frutos da Árvore do Jardim de Deus. E, sendo assim, contermos o mesmo Pai em todos nós: sermos grãos de areia, sermos centelhas, sermos irmãos - embora, infelizmente, alguns não pareçam...
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Não sei por que, mas esta manhã lembrei-me de Marina com intensidade, com tanta clareza... com suspirosa saudade... Não que em outras oportunidades não tenha dela me lembrado. É a saudade daquele tempo quando a Vida era calma e o boi era manso... Quando descobri Chico Alves alegrando o rádio de minha casa humilde, e Libertad Lamarque fazendo desse mesmo rádio, portenho, na interpretação magistral de um tango – visceral, lírico, dramático! Era aquele tempo em que comecei minha ida ao Grupo Escolar “15 de Novembro”. Em que subia, às vezes, pela manhã, às vezes, pela tarde, a espichada lomba – a pique – da Panela do Candal. Não importava se o Sol brilhava, se se escondia entre o cinzento e fofo edredom das nuvens, ou se chovia abundantemente... Importava, isto sim, ir à escola. E, quando chovia, parece que a aula ficava ainda melhor, mais leve... Como se uma outra Energia refizesse a aura infantil dos pequeninos corpos, apascentasse o coração, polisse o Espírito... E era ainda nessas ocasiões diversas, nessas adversidades (?) meteorológicas, que também encontrava Marina – em seu tapa-pó branco, com o mesmo sorriso triste, com a mesma franqueza no rosto, com a mesma singela e singular pureza... Enfim, com aquele mesmo e familiar jeitinho de uma irmã – que nunca tive...
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Me admirava da disposição e do bom-humor de Marina. Ela que vinha de tão longe. Lá da São Judas. Andava mais que o dobro do que eu, para estudar. Às vezes, ao sair de minha rua, lá vinha Marina – e eu a esperava. Outras, Marina já ia lá adiante – e eu a chamava. Era a sua vez de esperar-me. E seguíamos os dois num matraquear alegre e inocente para a escola. Curioso que, apesar da latente timidez, ainda me vejo conversando com Marina. Quem sabe, Marina era um Anjo... e eu não sabia... Ou uma Fada – cuja Varinha de Condão ela ocultava sob suas vestes pobres, mas agradáveis e alvas, de menina da periferia...
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Ah, mas arraigado, quem sabe, a escrúpulos supérfluos, vejo-me obrigado a voltar à cor dos olhos de Marina. Na verdade, passado mais de meio século dessas cenas de ternura, não tenho certeza se eram olhos cor-de-mel ou azuis... azuis da cor do Mar – de onde vem seu nome... Quem me lê, me perdoe a dúvida, ou a memória das retinas – já sem viço... Ou a emoção que mexe nos sentidos e lhes altera a percepção... O que importa, porém, é que, cor-de-mel ou azuis, os olhos de Marina ficaram-me na Alma, ganharam o coração... Perpetuaram-se nas ramagens das lembranças – perenes e esmeraldinas.
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Agora, no momento em que o coração – a sussurrar – sugere me despeça de Marina, a imagem daquela menininha é tão clara, tão nítida, tão viva, que, nessa mescla de beleza e de humildade, os olhos de Marina me espiam furta-cor: daquele poético furta-cor dos arrebóis... Ou da Alma... Afinal, não são os olhos indesmentíveis janelas... ou espelhos da Alma? Assim, deixo aqui esta crônica: um pouco de Marina e de mim. De mim, a nostalgia. A Emoção. De Marina, a saudade que guardo dela... De seu sorriso de Amar... De seus olhos de Ternura... De seu nome que lembra o Mar: misto de Mar e Janaína...
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JJ de Oliveira Gonçalves
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9 comentários:

Valença disse...

Marina, onde está você?...

J.J. Oliveira Gonçalves disse...

Oi, Vaz...
Quando abri o PC, hoje, pela manhã, "dei de cara" com esta agradável surpresa, não somente por ver este texto na abertura do "Blog", mas pelo que, aí, escrevi, com indesmentível Emoção reminiscente!
Ah, Marina... uma doce e distante personagem de carne-e-osso, menina, naquela época - creio que um ano ou pouco mais do que eu. O texto o escrevi com a memória das lembranças, sim, mas, muito mais, com a saudosa memória do coração! Depois que "me formei" no Primário - no inesquecível "15 de Novembro", Marina desapareceu assim feito uma personagem de algum conto... (de Fadas?) Apesar disso, Marina ficou - para sempre - com seu olhar claro, sua boca sorridente e seu alvíssimo "tapa-pó" - em minhas retinas... Diria que nos gratos rincões da Alma...
É isso, prezado Vaz.
Grato, por valorizares meu texto, tão bela e infinitamente, com a "lente mágica" do nosso Marcelo Freda Soares - eis que a Musa é aquela que encanta ao poeta e o Mar é um Mistério Infinito onde o poeta se debruça...
Fraterno abraço a ambos!
JJ!

Luiz Carlos Vaz disse...

Pois é Valença, não foi só o JJ, o Dorival Caymmi também se encanou com (ou por) ela...

Luiz Carlos Vaz disse...

JJ, a "Marina" é um texto belíssimo, terno e cheio de nostalgia... parabéns, quem agradece é o Blog.

Camafunga disse...

Quando o Vaz me pediu uma foto para ilustrar tão belo texto percebi o quanto seria difícil, pois, embora tão particular e nostálgico da vida de J.J., de imediato me veio uma imagem pronta, que de certo, não encontraria em meu acervo: a Marina -tomada por posse- do meu imaginário. No entanto esta pode ser a mais próxima a unir a ambas, assim espero.

J.J. Oliveira Gonçalves disse...

Olá, Valença e Vaz...
Pois, também gostaria muito de saber onde Marina está... Ah, por onde andará Marina? (Vinícius - num belo e apaixonadíssimo samba - pergunta a uma de suas musas: "Aonde anda você?")
Ah, essa crônica traça um "perfil", digamos assim, do meu olhar e dos meus sentimentos sobre a vida e as pessoas. Sou um cara muito emotivo e sofro de hipersensibilidade - infelizmente... Passando sob a "linha do tempo", (que me enluarou os cabelos!), creio que fiquei "pior" nesses dois "lados" terríveis de meu "eu".
Abraço a ambos!
JJ!

J.J. Oliveira Gonçalves disse...

Caro Marcelo...
Que bom te encontrar por aqui! Já agradeci pela bela foto com que, a pedido do nosso amigo Vaz, fazes a releitura de uma personagem de carne-e-osso, muito meiga, que nunca mais esqueci - mas volto a agradecer!
Como vês, através do Vaz, já estamos nos tornando parceiros nesse nessa gostosa e colorida "viagem" pelos "caminhos da arte" - mesclando palavras e fotos... versos e imagens...
Com certeza, isso me faz feliz e grato!
Abraço!
JJ!

Rosangela Rosa Herrmann disse...

Maravilhoso texto quanta ternura quanta paixão por uma lembrança de uma fase da vida que os mais sensíveis traduzem tudo em uma linda poesia.

Luiz Carlos Vaz disse...

Verdade, Rosângela, uma aula de memória e sensibilidade do nosso JJ poeta.