13 de setembro de 2011

Uma esquina no tempo - XI, A última noite do Bianchetti


Sírio Bianchetti de Oliveira comandou pessoalmente...
... a última noite da Esquina Bianchetti...
...com a casa cheia de amigos e de muita alegria.

Bianchetti - Uma noite para não esquecer
(... foi em outubro de 1988)
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Gerson Luís Barreto de Oliveira
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"Falar da Esquina Bianchetti é falar da minha família. Os Bianchetti, como todos podem supor, vieram da Itália, e que povo que sabe comer bem esses italianos! Nossa história em Bagé se confunde com a dos estabelecimentos comerciais. Desde as primeiras décadas do século XX, padarias, restaurantes, tudo passou por esses homens e mulheres, trabalhadores até o limite. E todas as mulheres eram umas cozinheiras de "mão cheia”, como até hoje fala o meu pai, Sírio Bianchetti de Oliveira.
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Minha avó Leonidia (Pepa) Bianchetti cedo enviuvou. Tinha três filhos para criar: meu pai com 11 anos, e minhas duas tias, sendo que a caçula era um bebê de colo. Viúva, ela voltou à casa dos irmãos, que por pertencerem a um clã gregário, moravam e trabalhavam mais ou menos juntos.
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Tio Pedrinho, por muitos confundido com o pai do meu pai, mas que na verdade era o tio materno, que ele teve com certeza como figura paterna, fundou na Praça da Estação, a Confeitaria Lama,  que depois virou Fábrica Lama, já na Barão do Triunfo, em sociedade com Homero dos Anjos. Ao se desfazer a sociedade, iniciando outra com o Ney Paiva, eles mudaram para Padaria e Confeitaria Concórdia. Minha avó muita massa fez nestes estabelecimentos.  Eu mais tarde comeria raviólis, capeletis e talharins feitos por sua mão estupenda.
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Mais tarde, meu pai teve o Restaurante Santa Cruz e, anos depois, o Bianchetti, na Avenida Sete, na frente do antigo Fórum. Já em 1971 uma grande noite de inauguração marcaria a todos, ao abrir a "Esquina Bianchetti e Oliveira", onde meu pai e tio Pedrinho eram os sócios.
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Todos que desfrutaram do "Bianchetti" não imaginam a beleza que era ver aquele pessoal trabalhar nos bastidores. As minhas tias eram fabulosas doceiras, mas era tia Julieta (Julinha para nós) que era a maioral. Tinha um ajudante, o seu "Cibica", uma figuraça, que fazia as melhores "orelhas de gato" do mundo.
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Tia Julieta não tinha papas na língua, como sabia fazer bem, e tinha consciência disso, ai de quem desfizesse dos seus quitutes. Uma vez um venerável Senador da República apareceu para almoçar e pediu que se fizesse um prato que não constava no cardápio. Como era um cliente especial delegaram a ela a função. Mas o garçom, para fazer troça, disse que o senador não gostara da comida e que estava muito contrariado. Pra quê!? Tia Julinha, com uma brabeza só dela, foi ao salão e interpelou o senador: - Se não estava satisfeito que voltasse para Brasília... Meu pai quase enfartou!!! Hoje tia Julinha deve estar cantarolando alguma canção da Ângela Maria lá no céu, e cozinhando para São Pedro.
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Os anos passaram, entrei para faculdade, e o Bianchetti já tinha entrado na sua fase final.  O tio Pedrinho tinha subido para o andar de cima, e o prédio fora vendido. Mas, como tudo sempre acaba em comilança, a minha mãe, a última cozinheira e o último garçom - o grande "Chico" - serviram um jantar que, pelas fotos, deu para ver que nessa vida o que a gente leva é a família, os amigos, e uma boa mesa."
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Gerson Luís Barreto de Oliveira
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Nota do Blog: O Gerson alerta para que não confundam a Fábrica Lama, com a Confeitaria Lamas, de Dirceu Lamas, um outro empreendimento, em outra época, e em outro local, na Avenida Sete, perto do Hotel do Commercio.
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14 comentários:

Dulce Saraiva Tolosa disse...

Que texto gostoso de ler... Parabéns ao meu primo Gerson, que tem se revelado um artista na ação e na escrita.
A última frase arremata com propriedade o verdadeiro sentido de se viver. Ele diz: "...deu para ver que nessa vida o que a gente leva é a família, os amigos e uma boa mesa."

Luiz Carlos Vaz disse...

Dulce, obrigado pela visita e pelo comentário, apareça sempre por aqui...

J.J. Oliveira Gonçalves disse...

Olá, Vaz e Gerson...
Belíssima narrativa em que o autor pinta - com o pincel colorido das Letras - instantâneos de um momento que lhe ficou para sempre na lembrança das retinas e nos recônditos escaninhos do coração! E esse sentimento fica bem claro nas palavras com que encerra, filosoficamente, seu belo texto - espontâneo e intimista.
Em tempo bicudos de quase tudo - como costumo dizer - é prazeroso e gratificante quando lemos alguém que derrama sobre sua escrita seus Sentimentos trazidos à baila por relembranças, saudades, emoções de um tempo vivido mas que continua presente, latente, visceral! Mais, ainda: quando a gente se identifica com o autor. Eu, por exemplo, já me identifiquei com o Gerson!
Parabéns, pois, ao Gerson - que sendo Barreto é, também e ainda, Oliveira... rs...
Abraço a ambos!
JJ!

Anônimo disse...

J.J. xará Oliveira

Muito obrigado, este baita elogio vai para o meu " arquivo ", que o Vaz apelidou de " Baú dos Guasques", que também é minha familia.
O Bianchetti apesar de não carregar no nome, vem nas lembranças, que são muitas, familiares amados que sempre estarão no melhor lugar em mim.
Abração
Gerson

Sérgio M. P. Fontana disse...

Ainda nem consegui ler a super-interessante narrativa até o fim, e já estou aqui comentando. E assim o faço com entusiasmo porque o tema e as fotos [raras e inéditas] fazem parte da História recente de Bagé. Sensacional!

Anônimo disse...

Saudade...saudade...saudade...eterna saudade!!!

Biscoitinhos da esquina Bianchetti, filé de caneca, maionese de galinha, pessoas maravilhosas no atendimento fazendo parte dessa grande família.

Uma das coisas maravilhosas sempre lembradas de nossa infancia!!!

Maira Caminha Correa

Cleusa Machado disse...

Sempre no intevalo das aulas do Estadual ir no Bianchitti tomar um café com biscoitos(vovó sentada) delicioso, conversar com os amigos, ali eramos tratados como da familia, tempos bons, muitas saudades.

Luiz Carlos Vaz disse...

Obrigado por passar aqui e comentar, Cleusa Machado.

Celso Magalhães Coronel disse...

"Parabéns ao Vaz e ao Gérson, por mais essa "lustração" sobre a história contemporânea de Bagé."
Gracias.

Luiz Carlos Vaz disse...

Obrigado, Celso, pela visita e por comentar aqui. Um abraço.

Anônimo disse...

Amigos

Fiz este texto para o meu pai, foi bom para ele ler sobre uma época tão querida por todos.
Hoje com quase 86 anos ele mora longe da Bagé que ele sempre amou tanto, mas está cercado pelos seus, e no fim é o que importa, estar em família.
Ler comentários positivos é sempre ótimo.
Abraço
Gerson B. Oliveira

Unknown disse...

Que relato incrível! Lembro que quando criança fui até o Bianchetti com minha vó Beta, que era amiga da Dna. Julinha. Da visita guardo a lembrança de muita gente trabalhando nos "bastidores", os cheiros dos pães quentinhos saindo, de um mundo imenso e (pra os olhos de uma criança) divertidíssimo que acontecia por trás dos balcões. Lembro da Dna. Julinha "comandando geral", apesar de certa dificuldade de caminhar. Obrigada pela delícia do texto e por me trazer tão boa lembrança.

Luiz Carlos Vaz disse...

Que maravilha! O Bianchetti voltando ao topo deste Blog. O Gerson soube resgatar um assunto que é muito caro para a cidade e, especialmente, para os ex-alunos do Estadual: A Esquina Bianchetti... Um abraço, Gerson!

Anônimo disse...

Falou tudo Gerson! O que levamos dessa vida são os amigos , a familia e uma boa mesa!!! Adorei a história... familia muito linda e unida!!
Malu Guasque