6 de setembro de 2010

Um baú no pampa - VI, Os Bem-casados da minha avó

Inúmeras receitas "de família" na parte mais doce do baú dos Guasque
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Em 1930 meus avós se casaram. A noiva era filha de José Luiz Guasque e Aniceta Correa Guasque, médico homeopata na Bagé do início do século XX. Aniceta era uruguaia de Cerro Chato. Meu avô era filho de Álvaro e Amélia Barreto, estancieiros em Dom Pedrito, as duas famílias eram vizinhas na rua Marechal Deodoro.

Minha avó casou numa terça feira, no inverno de 1930. Sempre gostou do campo, era a única das filhas que tinha prazer em se oferecer para acompanhar a mãe nas visitas anuais que esta fazia aos irmãos, nas terras da família dela em Cerro Chato. Iam até lá de diligências, para a matança de porcos e manufatura de linguiças, queijos, patês, morcilhas e butifarras.

Ao ir para a casa, no campo dos Barretos, na mesma noite do casamento, levou muita coisa na bagagem. Louças finas e cristais que ganhou de presente, o enxoval bordado à mão pela mana Ophinizia, e o mais importante, um estojo de homeopatia que serviria tanto para os futuros filhos como para a família e agregados.

Levou também na bagagem as receitas dos doces que a mãe, e uma ama desta, faziam com invulgar perfeição. Tudo em medidas por onças, o sistema por gramas e quilos não era dessa época.

Ela ficou célebre pela energia e dinamismo que norteou sua vida. A perfeição dos doces seria apenas um dos ângulos com que se mostrava vaidosa, vaidosa por saber fazer bem. Os “bem casados” seria a receita mais admirada, por todos copiados, mas como na velhice ela mesma falava, nunca igualada. Eram três dias de manufatura.

No primeiro dia faziam-se as bolachinhas e o recheio de "ovos moles"; no segundo dia broqueavam-se as bolachinhas e se recheavam, unindo-as duas a duas; somente no terceiro dia se passava a calda, ainda quente, e com as mãos, uma a uma, não era tarefa para qualquer um!

Na chegada problemas com a sogra. Intolerante e religiosa, ela não aceitava as modernidades da nora e reclama que não se via naqueles campos mulher montada a cavalo. Se queria montar, que usasse o selim, como as cunhadas. Ora, um hábito aristocrático exigido numa casa humilde de pedras e barro. Rapidamente, em uma noite, minha avó pegou uma calça e uma saia e as costurou juntas, na sua máquina Singer, fazendo assim um traje de montaria bem peculiar que passou a usar na montaria desde então, e ninguém mais falou no assunto...

Enviado pelo colega

Gerson Luis Barreto de Oliveira

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4 comentários:

Anônimo disse...

Vaz

Mais uma vez obrigado, por eu poder escrever no teu blog e saudar a memória dessa figura familiar tão querida.
Abraço
Gerson

Dulce Abreu Saraiva Tolosa disse...

Minha tia-avó Orphelina deixou uma forte marca nas pessoas com quem conviveu e no chão por onde pisou. Lembro daquela mulher, ao mesmo tempo franzina e forte, sempre cheia de energia voltando do mato com a caça num ombro e a espingarda no outro. Imagens fascinantes de coragem que guardo muito vivas na memória. E o que dizer daquele armário mágico, cheio de doces de todas as cores e todos os sabores??? Valeu, Gerson!!

Luiz Carlos Vaz disse...

Guasque Gerson: os leitores é que agradecem a abertura desse baú para todos. São memórias familiares e, portanto, praticamente comuns a todas as famílias gaúchas da época. Um tesouro guardado por vocês e que agora e repartido entre os leitores deste blog.

Luiz Carlos Vaz disse...

Dulce, teu nome já denuncia a paixão e a lembrança desse tal Armário... que imagem incrível essa que guardas com tanto carinho dessa "nossa" tia-avó Orphelina...