Na
localidade de Porongos, em Pinheiro Machado, será
erguido um
Memorial em homenagem aos Lanceiros Negros
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Guerreiros descartáveis
Vinicius Pereira de Oliveira e Cristian Jobi Salaini (*)
“Meses finais da
Guerra dos Farrapos. Madrugada de 14 de novembro de 1844. Tropas imperiais
comandadas pelo coronel Francisco Pedro de Abreu (1811-1891), o Moringue,
atacam soldados farroupilhas que estavam acampados nas imediações do Cerro de
Porongos, no atual município de Pinheiro Machado, no estado do Rio Grande do
Sul, resultando na morte e na prisão de muitos. Em sua maioria, eram lanceiros
negros, escravos que lutavam no exército farroupilha em troca da promessa de
alforria. Anos depois, a divulgação de um documento que ficaria conhecido como
Carta de Porongos, revelando um suposto acordo entre lideranças militares para
dizimar esses lanceiros, inicia uma controvérsia que gera polêmica até hoje.
A Guerra dos
Farrapos, ou Revolução Farroupilha (1835-1845), foi o maior dos conflitos
internos enfrentados pelo governo imperial. Durante dez anos, uma parcela da
elite pecuarista rio-grandense, motivada por fatores políticos e econômicos,
sustentou uma revolta contra o poder imperial, chegando a proclamar a República
Rio-Grandense em 1836.
Para
arregimentar soldados, os farroupilhas incorporaram escravos às suas fileiras,
prometendo em troca a liberdade após o fim do conflito. De olho na alforria,
alguns negros fugiram das propriedades onde eram mantidos escravos para aderir
à luta. Outros foram cedidos por senhores de terra que apoiavam a revolução. Já
senhores contrários ao movimento podiam ter seus escravos capturados à força,
como aconteceu nas charqueadas – propriedades rurais onde se produz o charque
(carne salgada) – de Pelotas.
Estima-se que em
alguns momentos os lanceiros negros, como ficaram conhecidos estes soldados,
tenham representado metade do exército rio-grandense. O africano José, de nação
angola, foi um desses homens que sonharam em conquistar a liberdade pegando em
armas. Em dezembro de 1837, José foi preso e interrogado pelas autoridades
imperiais em Porto Alegre, informando que quase toda a “infantaria dos brancos”
já havia desertado e que naquele momento os combatentes seriam quase
exclusivamente “pretos, uns com armas e outros com lanças”. Estas eram as
principais armas do conflito, já que as de fogo ficaram restritas a uma
minoria. Além disso, pelo próprio caráter de guerra móvel, muitas vezes os
lanceiros negros entravam nos batalhões sem maiores treinamentos.
No final da
década de 1850, o político, charqueador e ex-líder farroupilha Domingos José de
Almeida (1797-1859) denunciou publicamente o conteúdo da correspondência que
teria sido enviada pelo então barão de Caxias (1803-1880) a Francisco Pedro de
Abreu. A Carta de Porongos conteria evidências de um acordo prévio entre Caxias
(comandante do Exército imperial no conflito) e o líder farroupilha Davi
Canabarro (1796-1867). O objetivo seria favorecer a vitória imperial no combate
do Cerro de Porongos. Em determinado trecho, Caxias informaria a Francisco
Pedro o local, o dia e o horário para o ataque, garantindo-lhe que a infantaria
farroupilha estaria desarmada pelos seus líderes.
A partir de
então, o Combate de Porongos gerou uma acalorada controvérsia entre os
historiadores e estudiosos que se debruçaram sobre o tema da Guerra dos
Farrapos. Com base na Carta de Porongos, surgiram acusações de que o general
Davi Canabarro – comandante do destacamento de negros – teria traído a causa
farroupilha ao desarmar e facilitar a derrota dos lanceiros. Essa atitude teria
como objetivo facilitar a assinatura do tratado de paz que vinha sendo
negociado, já que o governo imperial era contra a ideia farroupilha de conceder
a alforria aos escravos que lutaram como soldados. Por outro lado, negar a
liberdade e mandar os lanceiros de volta às senzalas era algo não cogitado nem
por alguns farroupilhas, devido ao temor de que um grande contingente de
escravos militarizados, politizados e insatisfeitos com o não cumprimento da
prometida alforria insuflasse levantes – a quantidade de escravos na província
do Rio Grande do Sul em 1846, um ano após o término da Guerra dos Farrapos,
correspondia a 20,9% da população.
Relatos da
época, como o de Manuel Alves da Silva Caldeira, farroupilha presente em
Porongos, afirmam que Canabarro teria sido avisado da aproximação de tropas
inimigas e, mesmo assim, não teria tomado providência alguma. Pelo contrário,
teria propositalmente desarmado e separado os lanceiros do resto das tropas
acampadas perto do Cerro de Porongos. Dando crédito a estes argumentos, o
episódio teria sido uma traição aos soldados negros.
A autenticidade
da Carta de Porongos, no entanto, é questionada por alguns estudiosos, já que a
versão que se tornou pública é uma cópia, e a original nunca foi encontrada.
Uma das explicações é que o documento teria sido forjado pelo coronel Francisco
Pedro de Abreu após o combate para desmoralizar Canabarro, único chefe
farroupilha que ainda teria condições de reaglutinar as desgastadas forças
rebeldes. Félix de Azambuja Rangel, subordinado ao coronel Francisco Pedro,
afirma ter presenciado o momento em que seu comandante levou a carta para
Caxias assinar e em seguida distribuir cópias entre os adversários. Por essa
versão, os lanceiros negros não teriam sido traídos, e sim pegos de surpresa
pelas tropas imperiais, assim como seus comandantes.
Parece haver
consenso entre os pesquisadores de que os lanceiros foram atacados em condições
extremamente desfavoráveis, com inferioridade de armamentos, e que acabaram
eliminados em quantidade considerável.
Somente nos
últimos anos a importância e a dimensão da participação negra neste conflito
têm recebido maior atenção. Hoje é possível afirmar com segurança que negros,
índios e mestiços desempenharam papel fundamental na Guerra dos Farrapos não
somente como soldados, mas também trabalhando em diversos outros setores
importantes da economia de guerra, como nas estâncias de gado, na fabricação de
pólvora e nas plantações de fumo e erva-mate cultivadas pelos rebeldes.
Apesar das
promessas, em nenhum momento a República Rio-Grandense libertou seus escravos.
A questão da abolição era controversa entre seus líderes. Ao mesmo tempo em que
o governo rebelde prometia liberdade aos escravos engajados e condenava a
continuidade do tráfico de escravos, seu jornal oficial, O Povo, estampava
anúncios de fugas de cativos. Houve uma tentativa de abolição por meio de
projeto apresentado na Assembleia Constituinte de 1842 por José Mariano de
Mattos (1801-1866), que foi recusado. Anos após o fim do conflito, vários
líderes farroupilhas ainda tinham escravos, como Bento Gonçalves (1788-1847),
que morreu deixando 53 cativos para seus herdeiros.
O destino dos
lanceiros negros no fim do conflito também é tema controverso. As negociações
de paz, que resultaram na assinatura do Tratado de Ponche Verde em 1845,
definiram que os escravos ainda engajados deveriam ser entregues ao barão de
Caxias e reconhecidos como livres pelo Império. Sabe-se que, juntamente com
outro grupo feito prisioneiro em batalhas, foram enviados ainda em 1845 para o
Rio de Janeiro na condição de libertos, como noticiaram o Jornal do Commercio e
o Diário do Rio de Janeiro de 26 de agosto daquele ano. Se de fato receberam a
liberdade ao chegarem a seu destino, não se tem certeza. O ex-farroupilha
Manuel Caldeira levantou suspeitas de que tenham sido novamente escravizados e
levados para a Fazenda de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, agora como propriedade
do Estado.
Alguns soldados
negros podem ainda, ao longo do conflito, ter escapado para o Uruguai, formado
quilombos ou mesmo buscado refúgio nas cidades, onde tentaram se passar por
homens livres. Muitos permaneceram escravos no próprio Rio Grande do Sul. Um
sobrinho-neto do general Antônio de Souza Netto (1801-1866) relata que, após a
batalha de Porongos, uma parte dos lanceiros negros teria acompanhado seu
antepassado farroupilha até sua propriedade no Uruguai, e que descendentes
destes soldados viveriam até hoje nessa área rural conhecida como Estância “La
Gloria”, na região de Paissandu.”
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Publicado em 1º de julho de 2010 na Revista de História da Biblioteca Nacional.
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(*) Vinicius Pereira de Oliveira é autor do livro: De
Manoel Congo a Manoel de Paula: um africano ladino em terras meridionais
(EST Edições, 2006); Cristian Jobi Salaini é autor da dissertação: Nossos
heróis não morreram: um estudo antropológico sobre as formas de “ser negro” e
de “ser gaúcho” no estado do Rio Grande do Sul
(UFRGS, 2006).
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Leituras recomendadas
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CARRION, Raul K. M. “Os lanceiros negros na Guerra dos
Farrapos”. In: Ciências e Letras nº 37, jan. 2005. Porto Alegre: Faculdade
Porto-Alegrense de Educação.
CARVALHO, Daniela Vallandro de; OLIVEIRA, Vinicius Pereira
de. “Os lanceiros Francisco Cabinda, João Aleijado, preto Antônio e outros
personagens negros na Guerra dos Farrapos”. In: SILVA, Gilberto F.; SANTOS,
José A. dos (orgs). RS Negro: cartografias sobre a produção do conhecimento.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.
FLORES, Moacyr. Negros na Revolução Farroupilha: traição em
Porongos e farsa em Ponche Verde. Porto Alegre: EST Edições, 2004.
LEITMAN, Spencer. “Negros farrapos: hipocrisia racial no sul
do Brasil”. In: DACANAL, José Hildebrando. (org.). A Revolução Farroupilha:
história e interpretação. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985.
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3 comentários:
Dedico esta poesia para o Rio Grande do Sul, nesta data tão importante(20 de setembro).
UM GRANDE ESTADO
Um grande homem,
BENTO GONÇALVES.
Uma grande mulher,
IEDA MARIA VARGAS.
Uma grande raça,
O GAÚCHO.
Uma grande capital,
PORTO ALEGRE.
Uma cidade histórica,
BAGÉ - Rainha da Fronteira.
Uma primorosa escola,
O ESTADUAL.
Um pedido de socorro,
O RIO GUAIBA.
Uma bela natureza,
A ESTÂNCIA.
Um grande jogo,
O GRENAL
Um time querido,
O GUARANY DE BAGÉ.
Um olhar distante,
A SAUDADE DO CARRETEIRO.
Uma bebida forte,
O CHIMARRÃO.
Uma emocionante estória,
O NEGRINHO DO PASTOREIO.
Um bom exemplo,
O CENTRO DE TRADIÇÃO GAÚCHA.
Um grande estado,
O RIO GRANDE DO SUL.
Autor: Manoel Ianzer
Logo depois, ainda em novembro, o Teixeira Nunes, conhecido como gavião, também morreu em combate. Abolicionista, comandante do corpo de lanceiros negros.
Os gauchos são mesmo muito orgulhosos de suas tradições. abraços Bia
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