30 de julho de 2010

Dois homens, dois aeroportos - II, 60 anos depois


Foto original do avião Lodestar, da SAVAG,
Sociedade Anônima Viação Aérea Gaúcha, prefixo PP SAA,
que caiu em 30 de julho de 1950.
Ele veio desta direção, do leste, 
de São Vicente do Sul/São Pedro do Sul/Santa Maria, 
procedente de Porto Alegre, indo para São Borja.


Passou rasante sobre a casa que havia no lado direito dessas construções,
arrancando a roupa do varal e espantando animais que estavam próximos. 



Continuou rasante nesta área e seguiu em direção à colina. 

Alto da colina, local onde parou a fuselagem do avião, 
depois de "escalar" a encosta por este lado,
batendo em várias árvores em sequência, 



perdendo partes das asas, e se incendiando em uma série de explosões.
Dois homens, dois aeroportos - II, 60 anos depois
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Hamilton Caio
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Sempre preocupado com os detalhes dos fatos, o Hamilton esta semana resolveu ir até o local do acidente que lhe chamou tanto a atenção ainda quando era pequeno. Fato já narrado na postagem "Dois homens, dois aeroportos", o acidente aéreo de 30 de julho de 1950, é agora narrado a partir de relatos, ouvidos pelo Hamilton, das pessoas que presenciaram o fato, como o sr. Primo Cortelini, que mora em São Franscisco de Assis até hoje, e ilustrado com fotografias tomadas no local exato do sinistro. O aeroporto de Bagé posteriormente foi denominado de Aeroporto Comandante Kraemer, e o de Porto Alegre, Aeroporto Salgado Filho.
"Há exatamente 60 anos, um domingo, amanheceu frio e nublado, com chuviscos e nevoeiros, em São Francisco de Assis. O tempo andava se apresentando dessa maneira havia muitos dias em todo o estado do Rio Grande do Sul como é comum nos meses de inverno. Naquele dia 30 de julho de 1950, após o almoço, depois de cumprir as tarefas essenciais diárias na atividade rural, era dia de passear. Primo Cortelini, um jovem de 26 anos, se preparava para visitar a namorada e iria tentar tornar mais séria a relação começada há pouco tempo. Enquanto encilhava o cavalo na frente do galpão da fazenda do seu pai ia pensando, distraído, no palavreado que iria usar. Estava nessa lida quando de repente ouviu um ruído muito forte, como se fosse de avião em baixa altura, se aproximando. O cavalo assustou-se mais do que o jovem Primo e, poucos segundos depois, passou aquele vulto enorme. Era mesmo um avião, em voo rasante, e que provocou a debandada dos animais e levantou a roupa do varal que sua vizinha acabara de estender na casa que ficava na frente à de sua família. Mais alguns segundos, depois do avião ter sumido no nevoeiro, ouviu-se um grande estrondo. Neste momento outras pessoas já corriam até a rua assustadas com todo aquele alvoroço, naquela nublada tarde domingueira, de tranquilidade, na pacata São Francisco de Assis da metade do século passado. Primo amarrou a sua montaria e saiu correndo junto com outros familiares e vizinhos em direção ao local de onde parecia ter vindo o som forte, sendo guiados dentro daquela espessa "cerração", pela sequência de pequenas explosões que vinham do local de onde parecia ter caído aquele misterioso avião, uma colina bem perto dali.  
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Aquele domingo, e os próximo dias, ficaram totalmente ocupados com esse trágico acontecimento. Primo perdeu a namorada, porque não foi visitá-la. Não pode conhecer melhor a moça e nem propor um possível noivado. Para esse início de namoro, foi também um dia fatal. Por isso também esse dia ficou bem marcado para o Primo Cortelini. Avião caindo do céu, namorada rompendo namoro... um inverno para não esquecer jamais... 
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Ontem, véspera dos 60 anos dessa tragédia que marcou a política daqueles anos, fui visitar o Primo Cortelini. Encontrei um tranquilo avô de 86 anos rodeado pela esposa, filhos e netos. Com a mesma lucidez e a memória de outras épocas, ele fala e revive aqueles agitados e dramáticos momentos iniciais e os dias que se seguiram. Recorda os fatos, citando nomes, mostrando locais e detalhes. 
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Ele conta que, após o voo rasante na sua casa e nas dos vizinhos, eles verificaram pelas marcas deixadas, que o avião foi batendo em várias árvores, e seguiu dessa maneira, subindo e "lavrando" a colina, até parar bem no alto, já completamente em chamas.
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A dificuldade de chegar até o local foi muito grande. Eles tiveram que subir a colina pelo meio da vegetação e aguardar que cedessem as chamas e o calor intenso para resgatar os corpos. Só tarde da noite, através do telefone de uma fazenda distante alguns quilômetros, conseguiram se comunicar com as autoridades e relatar o acidente. Até então, o avião era dado como desaparecido, pois não havia chegado ao destino. 
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O estado perdeu o senador Joaquim Pedro Salgado Filho, candidato ao governo do estado nas eleições daquele ano, vários políticos da época, e o piloto, o Comandante Gustavo Kraemer. Os gaúchos, em particular, ficaram profundamente abatidos naqueles dias que se seguiram. 
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Primo Cortelini lembra de tudo isso. Só fala um pouco baixo quando se refere a tal namorada perdida para não despertar um possível ciúme tardio da esposa, com quem se casou depois, e que o acompanha há décadas. Um certo riso, esboçado por Primo, revela que não se arrependeu do namoro desfeito pelo avião que caiu ali, há poucas braças da casa de seu pai. 
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Coisas do destino... coisas do destino."
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Enviado pelo colega Hamilton Caio,
diretamente de São Fancisco de Assis,
especial para o Blog da Velha Guarda do Estadual
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24 comentários:

Manoel Ianzer disse...

Hamilton
parabéns pela reportagem histórica. A sequência de fotos completa a narração, tudo muito esclarecedor.
Como não sabia onde ficava São Francisco de Assis, fui no google e descobri que fica acima de Cacequi(essa cidade eu conheço).
Abraços

Manoel Ianzer disse...

Vaz - você contratou um reporter?
Hamilton Caio está se destacando como um exemplar jornalista. rsrsr
Quando tiver uma vaga, por favor é só me avisar, estarei pronto para desenvolver meu trabalhando. rsrsr
Bem, só acho que vou narrar tudo em poesia, será que dará certo?

Gerson disse...

Gosto muito de ler e participar deste blog, no entanto voces já devem ter notado que, escrever não é o meu forte, e como diz o ditado: em baile de cobra, sapo não dança, então eu só fico admirando as reportagens, crônicas e poesias aqui postadas, entretanto como do mundo não levarei nada, pretendo deixar minha marca nele, revelando meu instinto guerreiro, aventureiro e metido, vez por outra, como agora, meto meu bedelho para dizer que esse talento que voces tem de transformar em palavras o que enxergam é simplesmente uma dádiva, parabéns.

Luiz Carlos Vaz disse...

Calma, Gerson. Tem um texto teu, o das enciclopédias, que está na fila... é que sempre vai aparecendo uma coisa ali, outra aqui...uma data, um texto pronto, uma fotografia... O teu já foi para a revisão. Quem sabe não será o primeiro de muitos?

Manoel Ianzer disse...

Gerson
você faz parte da nossa história. "Lembranças e saudade do Estadual". Ficamos contentes com sua participação, nos alegra e nos faz bem. Continue sempre. Obrigado e abraços.

Hamilton Caio disse...

Ianzer, obrigado pela tua bondade. Mas, pelo menos um bom discípulo, como aprendiz de repórter, é o que eu tenho procurado ser, pois foi o Vaz que me levou a essa extravagância, muito estimulante e que exercita os neurônios (recomendo!), quando me pediu para fazer o primeiro texto para o blog e me orientou.
Ontem, por exemplo, o Vaz me recomendou para "buscar uma cor local" para o texto. Claro, tive sorte, a "cor local" estava nos fatos que o Primo Cortelini me transmitiu. Aí, peguei as "tintas" e pintei essa tonalidade para o blog. E bem lembrado sobre Homero e Camões, pois à semelhança deles, Ianzer, tens narrado a nossa história em forma de poemas.

Hamilton Vaz disse...

Gerson, a participação com os comentários, que tens feito com frequência, é muito importante, é o termômetro para os textos do blog, sem o combustível deles, o "bonde" não anda. Mas como o Vaz falou que já escreveste um texto, que está "no prelo"... Fazendo blague: quem sabe, escrever e publicar não é só começar ?

Hamiltonv Vaz disse...

Gerson, aproveitando o assunto da poesia que o Ianzer e o Vaz nos falaram: de maneira semelhante a ti, que aprecias os textos e não gosta de escrever, eu gosto muito da poesia e não sei e não gosto de escrever. E que tal ler um pouco de Camões, que o Prof Pery Coronel recitava frequentemente em aula no Estadual, com a primeira estrofe de Os Lusíadas. Mas, importante, procurem ler com o sotaque do português lusitano, fica muuuito mais musical:

As armas e os Barões assinalados,
Que da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca dantes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

Hamilton Caio disse...

E para o Ianzer, que além da poesia, gosta de detalhes históricos e geográficos: Essa primeira estrofe de "Os Lusíadas" é, naturalmente, a marca registrada de Camões, todo mundo reconhece. E a Taprobana ? É o antigo nome do Ceilão, aquela grande ilha ao sul da Índia, o nome que eu conhecia nos tempos do Estadual. Modernamente, mudou para Sri Lanka. Camões narrava as grandes navegações portuguesas. Quando ultrapassavam o extremo sul da Índia, onde fica essa ilha, significava que os navegadores estavam indo muito longe, para além da Taprobana.

Hamilton Vaz disse...

Essa foto original do Lodestar, prefixo PP-SAA, provavelmente foi batida no antigo aeroporto de Porto Alegre, de onde também partiu esse voo trágico, levando-se em conta alguns detalhes, como a torre de controle de pequena altura e um veículo especial que aparece ao fundo (ambulância, bombeiros ?), ou então em Rio Grande (sede da SAVAG), ou Pelotas, onde os aeroportos tinham grande movimento na época.

Luiz Carlos Vaz disse...

Pois é Ianzer, e é daqueles repórteres completos, do tempo antigo. Texto e fotografia... E, não vamos esquecer, os dois maiores "poetas/repórteres" da história: Homero, que narrou em versos as aventuras de Ulisses, e Luiz VAZ de Camões, com a epopeia portuguesa n'Os Lusíadas, com suas 1.102 estrofes...
A propósito, Ianzer, estou com uma verdadeira "bomba" para lançar no Blog. A história completa - EM VERSOS - do famoso assassinato do médico Walter Aguiar, escrita nos anos 50... Vai ser uma série e tanto. São mais de 40 quadrinhas, no estilo "cordel", contando em detalhes toda esse terrível acontecimento que abalou Bagé e o Rio grande do Sul. Me aguardem!!!

Manoel Ianzer disse...

Meus amigos:
Vaz, Gerson, Hamilton Caio e Hamilton Vaz, quando ainda estudava no Estadual, minha irmã que estava na Faculdade FUNBA(Bagé), precisou fazer uma pesquisa sobre "CAMÕES" e não tinha tempo. Lá fui eu fazer a busca, levei semanas lendo e copiando os Lusíadas. Durante esse tempo foi assim,
Café da manhã: Lusíadas
Almoço: Lusíadas
Jantar: Lusíadas
"TOMEI UM BANHO DE CAMÕES", foi enriquecedor para minha mente se desenvolver, para meu coração se alargar, para minha alma se expandir. Diante dessa sabedoria e dessa cultura toda, me senti pequeno.
Pequeno no tamanho,
pequeno na idade,
pequeno na cultura.
Porém percebi um impulso bem grande, para ir em busca dos meus ideais. Não sou nenhuma pessoa ilustre, mas faço minhas poesias sem medo das críticas, só sei que estou aqui para poetizar a ALMA E MOSTRAR MINHA FÉ, o resto é só seguir acertando,
errando,
consertando
E AMANDO.

Manoel Ianzer disse...

Hamilton Caio - realmente o nosso amigo Luiz Carlos VAZ, é esse amigo camarada de tantas jornadas, de coração grande e de um jornalismo que nos dá prazer de ler, de falar e de comentar tudo que ele escreve.
Somos seus admiradores
abraço

Gerson Mendes Corrêa disse...

Caros, Ianzer, Hamilton e Vaz obrigado pelo entusiasmo que voces me passam ao ler as postagens deste blog, as quais me insuflam para redigir alguns comentários. Eu tenho uma poesia em versos livres que fiz sobre Bagé, estou procurando-a nos meus papéis em casa, e de uma hora para outra vou manda-la para o Vaz.

olmiro muller disse...

A propósito, em 7 de abril de 1957, houve um trágico acidente aviatório em Bagé, quando um avião da Varig (Curtiss Comando PP-VCF)decolou para Porto Alegre e em seguida teve pane no motor esquerdo. O procedimento recomendadado era retorno imediato ao aeroporto. Simultaneamente, houve também pane no trem de pouso, de modo que o piloto foi obrigado a arremeter ( abortar o pouso). Então, aconteceu a
tragédia: quando o piloto tentava subir, a asa esquerda doborou-se para cima e desprendeu-se do corpo do avião. Desequilibrando-se, o Curtiss girou no ar até ficar de dorso, bateu forte no chão, explodiu e desintegrou-se. Das 40 pessoas a bordo, 39 tiveram morte instantânea e o mecânico, que foi arremessado do avião no impacto, foi resgatado com vida, mas morreu antes de chegar ao hospital.
Foi uma uma comoção geral na cidade, com decreto de luto oficial e suspensão de aulas, para o curso primário, pelo menos (naquele tempo eu estudava no Grupo Escolar Silveira Martins).
Os detalhes do acidente, é claro, consegui bem mais tarde, através de pesquisa.

Luiz Carlos Vaz disse...

Olha só o Ianzer fazendo escola: teríamos então o Gerson como um poeta no tempo do Estadual?

Luiz Carlos Vaz disse...

Pessoal, pessoal... é muita bondade de vocês... Só afirmo uma coisa: o que fazemos, é pelo Estadual. E isso, estamos fazendo juntos. Ele merece.

Luiz Carlos Vaz disse...

Sim, Olmiro, bem lembrado. Estive em Bagé, no Arquivo Público Municipal, dia 21 de junho (dia em que começou o inverno, bah! que frio!) e reproduzi várias fotos desse acidente. Elas revelam um quadro surpreendente! Vamos publicar alguma coisa sobre esse fato. Se tiveres mais algum detalhe, envia para o Blog. Agradecemos.

Manoel Ianzer disse...

Lembro desse acidente que chocou Bagé. Eu tinha 9 anos e estava na chácara do meu tio Otílio em "Olhos d'Água" quando aconteceu. Parece que tinha um importante político. Tentei através de pesquisa localizar dados mas não consegui, pensei até em perguntar para o Vaz e esqueci. Sei também que o irmão da tia Zilda que morava em Porto Alegre, iria nesse avião, não foi, se salvou.
Depois casou com uma prima minha e viveu até os anos 90. Não tive contato com ele, para saber detalhes.

Hamilton Caio disse...

Realmente, Olmiro, ainda não comentei sobre esse acidente por falta de oportunidade, o Vaz tem me lembrado sobre esse fato. Eu era guri e assisti de longe, de uma chácara onde minha família morava, quando os rolos de fumaça negra começaram a subir. Isso depois de ter observado, junto com os familiares, que o avião estava retornando, após ter decolado normalmente (ouvindo o ruído padrão da decolagem, ao qual eu estava acostumado). O motor roncava, no retorno, com aquele clássico barulho de rateado. Alguns segundos após ele baixar a linha do horizonte, começaram a aparecer aquelas grossas nuvens de fumaça, quase cinematográficas, tanto no visual quando na sequência dramática, como nos acidentes que estamos acostumados a observar em filmes.
O que parece ter acontecido, depois de um incêndio no compartimento do trem de pouso, que inutilizou o sistema de baixar as rodas (vazamento de uma mangueira de combustível ?), é que o fogo se alastrou e atingiu a longarina principal da asa, de alumínio (equivalente ao osso principal da asa de uma ave). O alumínio, conforme vai subindo a temperatura, tem a sua resistência à tração diminuida. Então a longarina foi cedendo, lentamente, até atingir o limite de ruptura, ocorrendo o que falaste, a asa partiu e se desprendeu.

olmiro muller disse...

Ao Manoel Ianzer

Realmente, era passageiro o Secretário Estadual da Educação - Liberato Salzano Vieira da Cunha.
Também era passageiro o bageense Antenor Gonçalves Pereira, ligado à área de ensino, que lutava pela criação de uma escola artesanal em Bagé. Enfim, a escola foi criada e teve o nome de seu idealizador.

Manoel Ianzer disse...

Obrigado ao Olmiro Muller pelas informações passadas e assim de pedaço em pedaço, vamos montando
a história de Bagé e do Estadual.
Minha prima mora em Porto Alegre,
vou procurar saber mais sobre o
que aconteceu com o marido que não foi nesse avião.

Luiz Carlos Vaz disse...

Isso, pessoal, vamos montando o quebra-cabeças desse acidente com as nossas memórias e as dos nossos familiares e amigos.

Manoel Ianzer disse...

Dia 04 de agosto sigo com a família para Porto Alegre, já marquei uma visita a essa prima por sinal muito querida e que não a vejo desde 1967.
Meu povo estou indo matar a saudade e rever minha mãe. Desta vez não vou a Bagé, fica para 2011.
Manoel - São Paulo